Contra pobreza, ONG investe em ensino de ciências em escolas públicas
Projeto treina professores e fornece materiais para experimentos
Educação|Gustavo Basso, do R7
Perguntada sobre qual carreira deseja seguir, a aluna de 2º ano do Ensino Médio Giovanna Manso é clara: “Química ou Bioquímica, porque sempre que temos alguma experiência, eu peço para fazer. Gosto muito dos projetos, e é divertido entender o passo a passo de como se chegou a um resultado científico”.
Estudante da Escola Estadual Major Arcy, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, a garota de 15 anos chama a atenção pelo interesse na carreira científica, mas não surpreende o professor Emiliano Alvarez, que oferece a disciplina Práticas de Ciência, além de Física e Química.
— O ensino em ciência no Brasil é um gargalo, mas aqui eu tenho casos como da Giovanna, que quer fazer química. Em outra escola onde eu dava aula, não tinha relatos de alunos que queriam fazer química, física. Aqui [na Major Arcy] os casos de alunos que têm como projeto de vida seguir por essas áreas é bastante grande, o que me dá orgulho.
O que diferencia a antiga escola do professor Emiliano e a Major Arcy é a aplicação, nesta, do conceito Stem, que visa desenvolver o ensino de ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês) com o uso de experiências práticas. O conceito, conhecido por educadores no mundo inteiro, vem sendo desenvolvido no Brasil com o auxílio da ONG norte-americana Worldfund, e seu programa Stem Brasil (veja imagens abaixo).
Criado em 2009 e aplicado inicialmente em Pernambuco, o programa chegou em 2017 há 15 estados do País, do Rio Grande do Sul ao Acre, incluindo São Paulo, desde 2011, e a escola da Giovanna, que há três anos trabalha com ensino integral.
Se no começo houve resistência por parte dos governos, hoje o programa conta com 4.058 professores participantes, formados em Física, Química, Biologia e Matemática, e a fundação estima em 458.178 o número de alunos influenciados por meio da parceria feita entre Stem Brasil e secretarias estaduais de educação, responsáveis pelo ensino médio.
“Uma ideia que há desde o início é quebrar o ciclo de pobreza por meio de uma educação de qualidade”, afirma Marcos Paim, diretor do programa Stem Brasil. O site da fundação usa como modelo a Coreia do Sul, que até os anos 1950 tinha níveis educacionais, de industrialização e IDH semelhantes ao do Brasil, e hoje possui índice de desenvolvimento humano semelhante ao do Japão. O Brasil, 79º no ranking, tem índice similar ao da Bósnia e Herzegovina.
Paim, que tem formação em Física, explica como é feito o trabalho focado nos professores, que teriam a capacidade de multiplicar o avanço feitos com os investimentos, por meio da influência sobre os alunos.
— Durante dois dias, reunimos os professores convocados pelas secretarias de ensino para realizar as atividades e desenvolver soluções. A ideia principal é possibilitar a troca de experiências entre professores de diferentes escolas, que não é uma coisa comum. Nossa formação trabalha com materiais possíveis de se ter na escola, e alguns roteiros que são pontos de partida. Então é o professor que vai trabalhar aquela atividade do jeito que ele preferir, de acordo com as condições. E alguns casos, mandamos ainda material de apoio, dependendo da estrutura de cada escola.
“Que material eu posso usar? Vou fazer de modo demonstrativo ou os alunos conseguem realizar tudo diretamente? Tudo isso é debatido com colegas para chegar a um formato que se aplique ao que tenho disponível”, comenta o professor Emiliano, que já participou de quatro dessas oficinas.
Muitos dos experimentos realizados utilizam materiais de baixo custo, o que não afasta o interesse dos alunos. “Às vezes temos essa ideia de que vivemos em um mundo com tanta tecnologia que os alunos não vão se interessar por experimentos com objetos do dia-a-dia, como uma garrafa PET. As coisas simples também encantam”, comenta Paim, que é reforçado por Emiliano Alvarez:
— A ciência está no cotidiano; objetos do cotidiano também podem ser objetos da ciência.
O próximo passo agora é exportar o programa, que tem no Brasil sua maior vitrine, para o México. Lá, a fundação, que tem entre seus doadores empresas como Shell, Boeing e H.Stern, trabalha com o ensino de inglês e no treinamento de diretores para a gestão das escolas. “No entanto, identificamos lá eles têm problemas similares aos nossos. Então estamos transpondo o programa para lá com pequenos ajustes”, explica Paim.
Melhoras e interdisciplinaridade
Na escola Major Arcy, o investimento tem apresentado resultados. Nos últimos dois anos, a escola foi a melhor colocada no ranking do Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) na capital.
Em 2013 e 2014, a fundação realizou entrevistas com diretores de escolas participantes do programa STEM Brasil. Durante a primeira visita da Worldfund, em 2013, 60% dos administradores escolares haviam notado um aumento no uso dos laboratórios desde o primeiro treinamento do Stem Brasil.
Em 2014, depois de dois anos do programa, 91% notaram um aumento. Além disso, 74% da administração percebe um aumento na motivação dos professores em relação aos exercícios práticos, e 98% dos membros da administração gostariam de manter a parceria entre suas escolas e o programa.
Uma das chaves do projeto e cujo utilização vem aumentando no sistema educacional é a interdisciplinaridade. Emiliano Alvarez é exemplo dessa prática. Professor responsável pelas experiências práticas, ele conta que os exercícios feitos complementam as aulas teóricas.
— Eu preciso de um conhecimento também em química, biologia, matemática, porque nós aproveitamos aquilo que o aluno aprende nas aulas teóricas, que são necessárias, para aplicar conceitos que vão ajudá-los a entender melhor e assim, aprender melhor. Não é aquela aula chata em que você fica na lousa depositando conhecimento na cabeça do aluno, para usar um termo do professor Paulo Freire. A prática possibilita que eles interajam e construam eles mesmos o conhecimento.
“Essa escola propicia que os alunos sejam protagonistas”, comenta sobre isso Thais Jardim, aluna de 3ºano. Esse conhecimento construído pelos próprios alunos acaba vazando para outras áreas além da ciência. É o que deixa claro o comentário do aluno de 2º ano Diego Gimenez, que pretende seguir para outra área: artes cênicas.
— Apesar de não querer uma carreira científica, essas aulas são importantes porque aprendemos que nem todas as vezes temos êxitos com os experimentos. Isso mostra que o avanço não é nada simples, e que o processo científico é feito de erros e acertos.