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Maria Antônia: Memórias de uma batalha universitária

Ex-alunos relembram a guerra travada entre estudantes da USP e do Mackenzie na ditadura

Educação|Do R7

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Na última segunda-feira (31), o golpe militar completa 50 anos. Para relembrar fatos marcantes daquela época, o R7 reconstituiu um dos conflitos universitários mais violentos do Brasil, a batalha da Maria Antônia, que aconteceu quatro anos depois do golpe. Saiba como essa "guerra" foi travada a partir do relato de ex-combatentes e testemunhas daquele confronto nas ruas de São Paulo
Os dois lados de uma rua  Inspirados pelos colegas franceses da Universidade Sorbonne, que em maio de 1968 organizaram passeatas, greves e barricadas estudantis, os alunos da USP (Universidade de São Paulo) fizeram da rua Maria Antônia (localizada na região central da capital paulista) um ponto de encontro e transmissão de ideias de oposição ao governo militar. Do outro lado da calçada, estudantes matriculados na Universidade Mackenzie também frequentavam aulas, mas, no geral, mantinham certa distância das atividades políticas e protestos organizados pelos vizinhos da USP
Rapidamente, a hostilidade entre grupos ligados aos ideais de esquerda, na USP, e da direita, no Mackenzie, aumentou. Na primeira semana de outubro de 1968, grupos radicais das duas universidades deixaram as salas de aula armados com paus, pedras e coquetel Molotov para se enfrentarem. A briga causou a morte de um jovem de 20 anos e o incêndio do prédio da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais) da USP
As provocações e os "infiltrados"  — Talvez eu tenha sido uma das únicas testemunhas do início da batalha da Maria Antônia. Tinha 19 anos, estudava direito e economia na USP. Estava na frente das pilastras da faculdade de filosofia, de manhã bem cedo, quando vi um policial que na época trabalhava disfarçado de "militante estudantil" provocando os alunos do Mackenzie. Ele se chamava Brasil e estava gritando e xingando aqueles que chegavam para assistir aula na universidade da frente. O Brasil fez isso por mais de uma hora. Eu fiquei lá parado, assistindo. Depois, um grupo de alunos do Mackenzie reagiu às provocações e a batalha começou, conta o escritor Daniel Fresnot (em destaque na foto)
— Na faculdade de direito do Mackenzie também havia um infiltrado do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) chamado Raul Careca. Ele estava ali para organizar a reação contra os alunos da USP e incentivar o confronto. Eu assisti e participei da briga. Subi num prédio em construção, que estava sendo usado pelos meus colegas para jogar coquetéis Molotov e rojões na FFLCH. Ficamos sabendo que o Careca era da polícia muitos anos depois pelos jornais, lembra Paulo Eduardo Dias Garcia (em destaque na foto), aluno do curso de engenharia do Mackenzie em 1968
Assim como Fresnot e Garcia, o engenheiro e ex-aluno do Mackenzie, José da Silva Moreira (em destaque na foto), disse que a participação da polícia foi determinante para desencadear a guerra entre alunos das duas faculdades. Moreira também criticou alguns mitos espalhados para explicar o confronto
— No Mackenzie, éramos menos ligados ao debate político, mas não adotávamos o pensamento da direita como muita gente costuma mencionar. A diferença entre nós e os alunos da USP era o fato de sabermos que precisávamos pagar nossa mensalidade e, por isso, tínhamos muito interesse em passar de ano e ficar longe dos problemas com a polícia. É um erro dizer que apoiávamos o governo militar. Estudei com gente de todo tipo. No geral, o pessoal mantinha uma postura moderada. Foi uma minoria que decidiu brigar com os alunos da USP 
Ao contrário do que prevalece no imaginário popular, as lideranças da USP também representavam grupos isolados de uma minoria engajada — Divulgaram ideias erradas sobre a geração que combateu a ditadura militar na década de 1960. A verdade é que não estávamos lutando pela democracia, mas sim por uma ditadura socialista como a que existia em Cuba. Na FFLCH havia uma simpatia pelo discurso de esquerda, mas a maioria dos alunos se envolvia pouco com a política estudantil. Eu participei de um grupo revolucionário engajado, que fazia muito barulho, mas ele não representava o pensamento de todos os estudantes da USP, ressalta Fresnot
Congresso da UNE afastou militantes do conflito na Maria Antônia Mesmo sem o apoio da massa, os alunos que faziam parte do movimento estudantil estavam dispostos a enfrentar os militares. Para Paulo de Tarso Venceslau, líder da UEE (União Estadual dos Estudantes) e aluno do curso de economia da USP, o ano de 1968 começou quente e ficou ainda mais agitado depois da morte de Edson Luiz, em março. O estudante secundarista foi assassinado por policiais militares num confronto travado no restaurante Calabouço, no centro do Rio de Janeiro. — Com a morte do Edson Luis decidimos ocupar a Maria Antônia. Além de interditar o prédio, fizemos várias barricadas na rua. Também organizamos eventos para conseguir dinheiro e patrocinar o 30º Congresso da UNE, que aconteceu em outubro, poucos dias depois da batalha da Maria Antônia
Paulo de Tarso conta que ele e outros membros da cúpula do movimento decidiram não se envolver diretamente no conflito com os estudantes do Mackenzie porque eles tinham a responsabilidade de organizar a vinda de militantes de todo o País ao 30º Congresso da UNE, que aconteceria em Ibiúna (SP)
Fresnot relata que, apesar de não terem participado diretamente da briga contra os mackenzistas, Paulo de Tarso, José Dirceu e outros líderes do movimento estudantil estavam no prédio da FFLCH. Eles fizeram uma reunião na qual decidiram que não impediriam o confronto. — Lembro do Paulo de Tarso dizendo 'a massa quer o confronto. Acho que não podemos impedir'. Eu mesmo [Fresnot] queria continuar brigando. Hoje penso que a batalha foi uma das maiores burrice que nós fizemos. Até aquele dia, a opinião pública era favorável e mostrava simpatia pelo movimento estudantil. Depois disso perdemos o apoio popular
Outra morte anunciada No segundo dia de brigas, José Guimarães, aluno do Colégio Marina Cintra que cursava a terceira série ginasial foi assassinado por um tiro disparado do lado do Mackenzie. Sua morte marcou o ápice da violência naquela "guerra universitária". Guimarães apoiava os militantes da USP e foi atingido no início da tarde do dia 3 de outubro 
— Quando nós ouvimos o tiro e percebemos que o Guimarães tinha morrido foi decidido que sairíamos em passeata com sua camisa ensanguentada pelas ruas de São Paulo. Aquela morte foi uma coisa muito difícil de administrar. Tive que usar toda a racionalidade para me concentrar na minha missão, que era organizar o Congresso da UNE. Assim que a passeata saiu, eu me retirei da Maria Antônia. Muita coisa dependia de mim. Mas, lembro até hoje, de uma foto muito forte que mostrava o Zé Guimarães sendo carregado pelos estudantes na rua, comenta Paulo de Tarso 
Incêndio e destruição do prédio da FFLCH Quando a maioria dos alunos da USP saiu em passeada, a polícia decidiu proteger o prédio do Mackenzie. Jun Nakabayashi assistiu grande parte do desfecho da batalha. Aluno do curso de direito do Mackenzie, ele participava da organização do Congresso da UNE com Paulo de Tarso e defendeu o prédio da USP. Jun recorda que antes da invasão da FFLCH ouviu tiros, uma movimentação intensa das tropas e muitos rojões sendo disparados 
— A polícia decidiu proteger o prédio do Mackenzie. Eles não fizeram nada para evitar o ataque dos integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) que de dentro daquela faculdade disparavam bombas contra o prédio da USP. Vi vários alunos em cima de um edifício em construção lançando Molotov e rojões na nossa direção. A situação não era nada agradável. O prédio da FFLCH foi bombardeado e acabou pegando fogo. Tive que ir embora. Mas sei que este foi o fim da batalha, frisa Nakabayashi
Depois da guerra estudantil na rua Maria Antônia, os alunos da FFLCH foram transferidos para barracões improvisados dentro da cidade universitária, no bairro do Butantã. Alguns jovens que estavam naquela disputa foram presos pelos militares no 30º Congresso da UNE, realizado na semana seguinte em Ibiúna, interior de São Paulo. No dia 12 de dezembro de 1968, o governo militar instituiu o AI-5 e as liberdades individuais foram suprimidas. O exército e a polícia intensificaram ações de tortura. Inconformados com a repressão, muitos estudantes entraram para grupos de resistência armada.  O Brasil só voltou a ter um governo democrático no final da gestão do general João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985), que assegurou a continuidade da abertura política. No entanto, após a "batalha da Maria Antônia" aquela rua, a USP, o Mackenzie e o Brasil nunca mais foram os mesmos

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Na última segunda-feira (31), o golpe militar completa 50 anos. Para relembrar fatos marcantes daquela época, o R7 reconstituiu um dos conflitos universitários mais violentos do Brasil, a batalha da Maria Antônia, que aconteceu quatro anos depois do golpe. Saiba como essa "guerra" foi travada a partir do relato de ex-combatentes e testemunhas daquele confronto nas ruas de São Paulo
Os dois lados de uma rua  Inspirados pelos colegas franceses da Universidade Sorbonne, que em maio de 1968 organizaram passeatas, greves e barricadas estudantis, os alunos da USP (Universidade de São Paulo) fizeram da rua Maria Antônia (localizada na região central da capital paulista) um ponto de encontro e transmissão de ideias de oposição ao governo militar. Do outro lado da calçada, estudantes matriculados na Universidade Mackenzie também frequentavam aulas, mas, no geral, mantinham certa distância das atividades políticas e protestos organizados pelos vizinhos da USP
Rapidamente, a hostilidade entre grupos ligados aos ideais de esquerda, na USP, e da direita, no Mackenzie, aumentou. Na primeira semana de outubro de 1968, grupos radicais das duas universidades deixaram as salas de aula armados com paus, pedras e coquetel Molotov para se enfrentarem. A briga causou a morte de um jovem de 20 anos e o incêndio do prédio da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais) da USP
As provocações e os "infiltrados"  — Talvez eu tenha sido uma das únicas testemunhas do início da batalha da Maria Antônia. Tinha 19 anos, estudava direito e economia na USP. Estava na frente das pilastras da faculdade de filosofia, de manhã bem cedo, quando vi um policial que na época trabalhava disfarçado de "militante estudantil" provocando os alunos do Mackenzie. Ele se chamava Brasil e estava gritando e xingando aqueles que chegavam para assistir aula na universidade da frente. O Brasil fez isso por mais de uma hora. Eu fiquei lá parado, assistindo. Depois, um grupo de alunos do Mackenzie reagiu às provocações e a batalha começou, conta o escritor Daniel Fresnot (em destaque na foto)
— Na faculdade de direito do Mackenzie também havia um infiltrado do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) chamado Raul Careca. Ele estava ali para organizar a reação contra os alunos da USP e incentivar o confronto. Eu assisti e participei da briga. Subi num prédio em construção, que estava sendo usado pelos meus colegas para jogar coquetéis Molotov e rojões na FFLCH. Ficamos sabendo que o Careca era da polícia muitos anos depois pelos jornais, lembra Paulo Eduardo Dias Garcia (em destaque na foto), aluno do curso de engenharia do Mackenzie em 1968
Assim como Fresnot e Garcia, o engenheiro e ex-aluno do Mackenzie, José da Silva Moreira (em destaque na foto), disse que a participação da polícia foi determinante para desencadear a guerra entre alunos das duas faculdades. Moreira também criticou alguns mitos espalhados para explicar o confronto
— No Mackenzie, éramos menos ligados ao debate político, mas não adotávamos o pensamento da direita como muita gente costuma mencionar. A diferença entre nós e os alunos da USP era o fato de sabermos que precisávamos pagar nossa mensalidade e, por isso, tínhamos muito interesse em passar de ano e ficar longe dos problemas com a polícia. É um erro dizer que apoiávamos o governo militar. Estudei com gente de todo tipo. No geral, o pessoal mantinha uma postura moderada. Foi uma minoria que decidiu brigar com os alunos da USP 
Ao contrário do que prevalece no imaginário popular, as lideranças da USP também representavam grupos isolados de uma minoria engajada — Divulgaram ideias erradas sobre a geração que combateu a ditadura militar na década de 1960. A verdade é que não estávamos lutando pela democracia, mas sim por uma ditadura socialista como a que existia em Cuba. Na FFLCH havia uma simpatia pelo discurso de esquerda, mas a maioria dos alunos se envolvia pouco com a política estudantil. Eu participei de um grupo revolucionário engajado, que fazia muito barulho, mas ele não representava o pensamento de todos os estudantes da USP, ressalta Fresnot
Congresso da UNE afastou militantes do conflito na Maria Antônia Mesmo sem o apoio da massa, os alunos que faziam parte do movimento estudantil estavam dispostos a enfrentar os militares. Para Paulo de Tarso Venceslau, líder da UEE (União Estadual dos Estudantes) e aluno do curso de economia da USP, o ano de 1968 começou quente e ficou ainda mais agitado depois da morte de Edson Luiz, em março. O estudante secundarista foi assassinado por policiais militares num confronto travado no restaurante Calabouço, no centro do Rio de Janeiro. — Com a morte do Edson Luis decidimos ocupar a Maria Antônia. Além de interditar o prédio, fizemos várias barricadas na rua. Também organizamos eventos para conseguir dinheiro e patrocinar o 30º Congresso da UNE, que aconteceu em outubro, poucos dias depois da batalha da Maria Antônia
Paulo de Tarso conta que ele e outros membros da cúpula do movimento decidiram não se envolver diretamente no conflito com os estudantes do Mackenzie porque eles tinham a responsabilidade de organizar a vinda de militantes de todo o País ao 30º Congresso da UNE, que aconteceria em Ibiúna (SP)
Fresnot relata que, apesar de não terem participado diretamente da briga contra os mackenzistas, Paulo de Tarso, José Dirceu e outros líderes do movimento estudantil estavam no prédio da FFLCH. Eles fizeram uma reunião na qual decidiram que não impediriam o confronto. — Lembro do Paulo de Tarso dizendo 'a massa quer o confronto. Acho que não podemos impedir'. Eu mesmo [Fresnot] queria continuar brigando. Hoje penso que a batalha foi uma das maiores burrice que nós fizemos. Até aquele dia, a opinião pública era favorável e mostrava simpatia pelo movimento estudantil. Depois disso perdemos o apoio popular
Outra morte anunciada No segundo dia de brigas, José Guimarães, aluno do Colégio Marina Cintra que cursava a terceira série ginasial foi assassinado por um tiro disparado do lado do Mackenzie. Sua morte marcou o ápice da violência naquela "guerra universitária". Guimarães apoiava os militantes da USP e foi atingido no início da tarde do dia 3 de outubro 
— Quando nós ouvimos o tiro e percebemos que o Guimarães tinha morrido foi decidido que sairíamos em passeata com sua camisa ensanguentada pelas ruas de São Paulo. Aquela morte foi uma coisa muito difícil de administrar. Tive que usar toda a racionalidade para me concentrar na minha missão, que era organizar o Congresso da UNE. Assim que a passeata saiu, eu me retirei da Maria Antônia. Muita coisa dependia de mim. Mas, lembro até hoje, de uma foto muito forte que mostrava o Zé Guimarães sendo carregado pelos estudantes na rua, comenta Paulo de Tarso 
Incêndio e destruição do prédio da FFLCH Quando a maioria dos alunos da USP saiu em passeada, a polícia decidiu proteger o prédio do Mackenzie. Jun Nakabayashi assistiu grande parte do desfecho da batalha. Aluno do curso de direito do Mackenzie, ele participava da organização do Congresso da UNE com Paulo de Tarso e defendeu o prédio da USP. Jun recorda que antes da invasão da FFLCH ouviu tiros, uma movimentação intensa das tropas e muitos rojões sendo disparados 
— A polícia decidiu proteger o prédio do Mackenzie. Eles não fizeram nada para evitar o ataque dos integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) que de dentro daquela faculdade disparavam bombas contra o prédio da USP. Vi vários alunos em cima de um edifício em construção lançando Molotov e rojões na nossa direção. A situação não era nada agradável. O prédio da FFLCH foi bombardeado e acabou pegando fogo. Tive que ir embora. Mas sei que este foi o fim da batalha, frisa Nakabayashi
Depois da guerra estudantil na rua Maria Antônia, os alunos da FFLCH foram transferidos para barracões improvisados dentro da cidade universitária, no bairro do Butantã. Alguns jovens que estavam naquela disputa foram presos pelos militares no 30º Congresso da UNE, realizado na semana seguinte em Ibiúna, interior de São Paulo. No dia 12 de dezembro de 1968, o governo militar instituiu o AI-5 e as liberdades individuais foram suprimidas. O exército e a polícia intensificaram ações de tortura. Inconformados com a repressão, muitos estudantes entraram para grupos de resistência armada.  O Brasil só voltou a ter um governo democrático no final da gestão do general João Baptista de Oliveira Figueiredo (1979-1985), que assegurou a continuidade da abertura política. No entanto, após a "batalha da Maria Antônia" aquela rua, a USP, o Mackenzie e o Brasil nunca mais foram os mesmos

Na última segunda-feira (31), o golpe militar completa 50 anos. Para relembrar fatos marcantes daquela época, o R7 reconstituiu um dos conflitos universitários mais violentos do Brasil, a batalha da Maria Antônia, que aconteceu quatro anos depois do golpe. Saiba como essa "guerra" foi travada a partir do relato de ex-combatentes e testemunhas daquele confronto nas ruas de São Paulo

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