Sem professores desde o início do ano, alunos cortam papel no horário das aulas em Natal
Governo do RN diz que caso não é isolado; o Estado passa por “apagão” na educação pública
Educação|Ana Ignacio, do R7
Desde fevereiro de 2015, início do ano letivo, todos os alunos do 4º e do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Passo da Pátria, de Natal (RN), enfrentam uma situação inusitada. Ao chegar à porta do colégio, às 13h, horário do começo da aula do período da tarde, um recado se tornou corriqueiro: “Não tem professor hoje”. Foi assim durante todo o ano. As duas turmas não tiveram uma aula sequer em 2015.
Suely Pereira, 35 anos, tem um filho de 11 anos matriculado na escola e conta que o máximo de “aula” que o garoto teve neste ano foi com uma professora substitutiva que faria atividades de leitura com as crianças. No entanto, segundo ela, nem isso aconteceu.
— Às vezes essa professora substituía, mas nem fazia leitura. Fazia corte de papel. Mas isso é atividade de educação infantil. Uma criança de 12, 13 anos ficar cortando papel é aula?
O filho de Marta Barbosa, de 44 anos, tem nove anos e também frequentou essas aulas de recreação durante o ano.
— Desde fevereiro vem alguém substituindo a professora, fazendo recreação, brincando. E até agora não tem notícia de professor, não tem nem previsão.
Neste semestre, a professora de leitura saiu de licença médica e não tem prazo para retornar. As mães relatam que esse problema no colégio, que atinge apenas os alunos do período vespertino, começou neste ano. No entanto, a situação da educação pública no Rio Grande do Norte apresenta um apagão há anos.
A Secretaria Estadual de Educação e cultura confirma que há um déficit grande de professores no Estado e informa que este caso não é isolado. Para tentar amenizar a situação, a secretaria pretende chamar neste mês novos professores para reforçar o quadro — entre concursados e temporários.
Daniel Bezerra, chefe da primeira Diretoria Regional de Educação e Cultura, confirma que a situação afeta diversos colégios do Estado.
— A gente tem várias escolas que estão com esse problema. Temos escolas com necessidade urgente de professor e isso vai ser resolvido agora. Vamos chamar novos professores.
Em relação ao caso da Passo da Pátria em específico, Bezerra explica que há professores que desistem de dar aula no local.
— Tem poucos alunos lá e essa escola, ao longo do tempo, foi perdendo professor porque ela fica em uma área de risco e os professores não querem ir pra lá. Quando acontece isso [de não ter professor], a gente orienta realocar esses alunos em outra escola.
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No entanto, nem sempre é simples conseguir outro colégio para as crianças e, com o ano letivo já pela metade, a situação se complica ainda mais. Para Marta, é quase certo que seu filho vai perder o ano por causa da ausência de aulas.
— Eu já fui em outras escolas tentar transferir o meu filho, mas disseram que não tem vaga e não tem o que fazer. Está tudo lotado. Então meu filho vai perder o ano?
Marta, que é agente de saúde e trabalha em dois períodos assim como seu marido, vai tentar vaga em uma escola bem mais distante de sua casa.
—Vou tentar nesse outro colégio, mas vai ser uma dificuldade para levar e buscar, mas vou tentar. Meu filho pede para ir para a escola, diz que está perdendo aula e fico sem saber o que falar. Digo que a gente vai tentar resolver e ver o que podemos fazer para não perder o ano, porque ele não tem culpa. Eu, como mãe, não tenho culpa.
Suley também faz o que pode. Pela manhã, consegue levar o filho duas vezes por semana para uma aula de reforço na Passo da Pátria. Trata-se de uma turma de adaptação que ajuda um pouco seu filho que tem dificuldade de aprendizado. Nos outros horários, o garoto fica em casa.
— Onde a gente mora é periferia e fica um monte de criança solta na rua porque não tem aula. Meu filho pede pra ir no colégio. Chora porque não tem aula. Se eu tivesse condições, eu pagava um colégio pra ele.
Joger Motta, porteiro da escola há cerca de 20 anos, também lamenta a situação. Ele é o responsável por passar o recado sobre a ausência dos professores.
— São só duas salas, mas os alunos querem estudar. Eles chegam aqui, falo que não tem professores e eles têm que ir embora. Agora com a professora de leitura afastada estamos sem ninguém de novo.
Problema estrutural
A Secretaria de Educação assume que o Estado passa por um problema de estrutura. Segundo a pasta, má administração de gestões anteriores fez com que a situação chegasse a esse ponto. O subsecretario de Educação do Rio Grande do Norte, Domingos Sávio Silva de Oliveira, explica que o problema começou nos anos 2000 e se acentuou em 2011.
— Não houve planejamento para esse cenário, então estrangulou. A crise não é pontual, é estrutural. Nos últimos anos, no Estado do Rio Grande do Norte, as últimas gestões não se programaram para esse cenário que ia acontecer nessa década do ano 2000. Nós temos em torno de 8.000 servidores de educação e a maioria já passou do prazo de se aposentar.
De acordo com Oliveira, desde o início do ano a secretaria tomou algumas medidas para tentar amenizar o problema de déficit de professores e renovou o contrato de 700 temporários e chamou pouco mais de 400 concursados. No entanto, alguns desses professores nem chegaram a assumir salas, como conta Bezerra.
— Desses, 327 assumiram. O restante não quis assumir por vários fatores. Houve um problema no edital do último concurso que dizia que o Estado podia mandar o professor para qualquer canto e você teria que ir pra lá. Mas os professores não conseguem. O ideal é que [o edital] seja feito por município. Estamos tentando fazer essa correção agora.
Fora as renovações de contrato, foi autorizada também a realização de um novo concurso e os professores que já estão em sala de aula vão trabalhar por mais tempo.
— Para amenizar, aqueles professores que tinham carga horária ainda, nós autorizamos 10 horas suplementares, o que também não é suficiente, é só para amenizar.
Por fim, em relação aos alunos que estão perdendo aula neste ano, o subsecretário informou que os professores irão tentar repor o conteúdo no segundo semestre para que as crianças não percam o ano.
— Esses professores que vão ser convocados vão dialogar com os diretores das escolas que estão com esse problema para trabalhar com atividades complementares.
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