Tentavam dizer que mulher não era competente na política, diz primeira prefeita eleita em grande capital
Maria Luiza Fontenele fala sobre experiência como mulher na política e nas lutas sociais
Eleições 2016|Do R7*
Para a surpresa de todos que acompanhavam às pesquisas eleitorais para a prefeitura de Fortaleza, no Ceará, em 1976, Maria Luiza Fontenele, 73 anos, virou o jogo e venceu os outros candidatos que disputavam o cargo – Paes de Andrade e Lúcio Alcântara. A senhora consagrou-se como a primeira mulher eleita como prefeita de uma grande capital brasileira.
Maria Luiza participou de lutas sociais e ocupou cargos de poder, iniciando a trajetória política como deputada estadual, tornando-se prefeita da cidade nordestina e, por fim, deputada federal. Depois de traçar seu caminho extenso, abandou a política e criou, juntamente com outros colegas, o movimento Crítica Radical.
R7: O que te motivou a se engajar na política?
Maria Luiza: Eu entrei na política por tabela. Meu pai era candidato em Quixadá e eu ajudava o pessoal a fazer o nome dele. Quando cheguei em Fortaleza comecei a participar do movimento estudantil. Como eu morava próxima a favela do Pirambú, que era a maior na época, me engajei logo do movimento estudantil para o social. Resolvi fazer serviço social e depois fui presidente do centro acadêmico da minha faculdade, vice-presidente da União Estadual dos Estudantes e entrei na universidade como professora. Eu fui para os Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã e, quando eu voltei, construir a luta da anistia era só o que eu queria.
Qual era o cenário de ser mulher e prefeita de Fortaleza?
O cenário era de muita contestação e um processo de constantes movimentos. Depois da minha eleição como deputada estadual, em 1978, foi criada a União das Mulheres Cearenses (1979). Então durante a eleição à prefeitura já existia um grupo forte de mulheres que se engajou na luta da anistia e dentro do movimento estudantil. Ocupamos prefeituras no interior, porque as mulheres queriam ter oportunidades de trabalho durante o período da seca, participamos ativamente da luta da anistia e também nas Diretas Já!.
Com essa entidade as mulheres se acharam mais importantes dentro do processo político. Todo esse movimento se manifestou durante dois mandatos meus de deputada estadual e assim resolvemos entrar na campanha para a prefeitura. Logicamente não achávamos que chegaríamos a prefeitura em um primeiro momento.
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Por que vocês criaram a União das Mulheres Cearenses?
Entendíamos que a questão da mulher tinha um olhar próprio e não deveria ser submetida a questão sindical ou partidária. Não nos limitávamos a questões específicas, mas as mais amplas possíveis. Nós lutávamos pela humanidade e pela ideia da liberdade.
As pesquisas eleitorais da época em que se candidatou à prefeitura mostravam que você não estava na perto de ganhar.
Como você acha que virou o jogo?
Como eu participei como deputada em várias lutas, as pessoas realmente se identificavam comigo por diferentes motivos. Na campanha você via que eu estava no trem, outra hora estava na feira e fazia muitos comícios por dia. Era fora de série. Nas pesquisas eu sempre aparecia lá atrás, mas a gente percebia que estava existindo um movimento muito forte. As pessoas me comparavam com os dois candidatos que estavam na disputa comigo – Paes de Andrade e Lúcio Alcântara.
O machismo era presente durante sua candidatura à prefeitura e no mandato?
Havia um processo de discriminação forte por eu ser de Quixadá (CE). Lá tem uma escultura de pedra que uma galinha cuidando dos ovos. Falavam que “até as pedras de lá são galinhas”. Isso perpassou também dentro da prefeitura. Eu sempre fui muito simpática e jeitosa. Havia um artigo que falava sobre dominar ou diminuir meu ímpeto, só para dizer que mulher não é competente. Desde muito cedo percebi que o pessoal mostrava que queria namorar comigo, mas na verdade queriam me controlar.
Depois de uma trajetória política tão marcante, por que você se tornou apartidária?
Depois que eu fui deputada federal (02/90 até 01/95), percebemos que estava havendo uma mudança na própria lógica do sistema com a Revolução Tecnológica. Ao chegar em Brasília eu percebi que a política estava muito furada e que o que eu conseguia como deputada era muito maior do que a força dos movimentos e propriamente a da política.
Nós vimos que a política era dependente, submetida à lógica do capital e do dinheiro e por isso que o sistema estava em crise. Então nós resolvemos sair. Pensam que eu saí por ter sido muito pressionada enquanto prefeita ou porque me desencantei em Brasília. O que vi no DF foi só mais um elemento.
* Colaborou Giuliana Saringer, estagiária do R7.