Abate do avião na Ucrânia pode ser crime de guerra, segundo a ONU
Em relatório, organização também diz que "não existe" Estado de Direito no leste da Ucrânia
Internacional|Do R7, com agências internacionais
O recente abate de um avião de passageiros no leste da Ucrânia, com seus 298 ocupantes mortos, pode ser considerado um crime de guerra, afirmou nesta segunda-feira (28) a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay.
A derrubada do avião da Malaysia Airlines no dia 17 de julho foi "uma violação do direito internacional" e, dadas as circunstâncias, "pode ser um crime de guerra", segundo Pillay, que pediu uma investigação "rápida, completa, efetiva e independente" sobre este fato.
O voo MH-17 ia de Amsterdam, na Holanda, a Kuala Lumpur, na Malásia, e foi abatido quando sobrevoava o leste da Ucrânia, uma região que vive um conflito separatista há vários meses.
Os Estados Unidos acusam os rebeldes pró-russos de terem lançado o míssil que derrubou a aeronave, no que teriam sido apoiados pela Rússia. O governo de Putin já negou qualquer envolvimento.
O chefe da Seção para as Américas, Europa e Ásia Central do alto comissário, Gianni Magazzeni, disse que "necessita estabelecer os fatos e as circunstâncias do sucedido" em relação ao avião.
Desta forma, as autoridades poderão "definir as seguintes etapas" e garantir que "os responsáveis sejam julgados", acrescentou. No entanto, Magazzeni ressaltou que a comissão da ONU dirigida por Pillay não está diretamente envolvida com as investigações.
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A acusação é parte do último relatório da missão de direitos humanos da ONU na Ucrânia, apresentado nesta segunda-feira em Genebra.
A instituição também denuncia que o Estado de Direito desapareceu ou não existe mais no leste da Ucrânia, onde operam grupos separatistas pró-russos cada vez mais organizados e armados.
No documento, esses grupos, liderados agora por um comando centralizado e dirigido por cidadãos russos, são acusados de impor à população as consequências de uma "ruptura total da lei e da ordem, além da implementação de um reino do terror".
Neste aspecto, uma das consequências mais graves é o deslocamento forçado de mais de 100 mil pessoas, para as quais o governo ucraniano não previu soluções a médio ou longo prazo.
Entre esses deslocados, 14 mil viviam na península da Crimeia, anexada pela Rússia no último mês de março, após um referendo incomodamente propício a essa opção, e tiveram que deixar seus lares para seguir em direção a outras partes da Ucrânia, principalmente por causa do assédio e da discriminação que sofriam por fazer parte de certas minorias.
"Os representantes de minorias religiosas estão sob pressão para abandonar a Crimeia", e o bispo da Igreja Ortodoxa da Ucrânia denunciou que tanto os fiéis como as propriedades de sua igreja estão ameaçados.
Segundo o relatório, que corresponde ao período entre 8 de junho e 25 de julho, os intensos confrontos com artilharia pesada dentro e nos arredores das áreas povoadas "devastaram cidades e aldeias" com o assassinato de um crescente número de ocupantes. A ONU estimou que 1.129 pessoas foram assassinadas desde o último mês de junho no conflito.
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Os relatórios de intensos combates em Donestk e Lugansk são muito alarmantes, com ambas as partes utilizando "artilharia pesada em zonas residenciais, incluídos tanques, foguetes e mísseis", comentou a alta comissária Navi Pillay.
Em relação ao caos imperante tanto em Donestk como em Lugansk, o relatório sustenta que, em ambos os casos, "os governos locais deixaram de funcionar", fazendo com que os salários, pensões e outros pagamentos de caráter social fossem suspensos em alguns lugares.
Neste aspecto, Gianni Magazzeni, que apresentou o relatório à imprensa, disse que os grupos rebeldes, "ao invés de ir em direção às discussões e negociações com as autoridades em Kiev, optaram por criar estruturas paralelas de governo".
"Isso inclui uma nova Constituição para a região de Donbass, que abrange Lugansk e Donestk, e um novo Código de Procedimentos Penal, baseado no aplicado na Rússia, enquanto as instituições, antes existentes, deixaram de funcionar, como a polícia, Justiça e outros serviços públicos", explicou Magazzeni.
Magazzeni também lamentou que, embora o governo central tenha trabalhado propostas relativas a um cessar-fogo, reformas constitucionais e medidas de descentralização e de preservação do idioma russo — reivindicações da minoria russoparlante da Ucrânia —, a situação só tenha piorado.
"Em vez de ver melhor a situação e criar algum diálogo político, vemos um aumento de armas pesadas ao alcance de qualquer um no leste do país", sustentou Magazzeni.
Uma das ações dos rebeldes contra civis que mais preocupa o escritório de direitos humanos da ONU está relacionada com os sequestros, com 721 casos documentados, sendo que grande parte das vítimas segue em paradeiro desconhecido.
As motivações destes sequestros são variadas e vão desde a troca com rebeldes detidos pelas forças governamentais até o pagamento de resgates, além do uso dos sequestrados em trabalhos forçados, já que muitos homens retidos costumam trabalhar nas escavações de trincheiras e no preparo de barricadas.