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Argentina coleciona histórias de crimes sem solução

Governo de Carlos Menem foi um dos mais turbulentos, em país marcado por democracia frágil

Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7

O ex-presidente Menem foi condenado mas tem imunidade
O ex-presidente Menem foi condenado mas tem imunidade

Por trás da fama de ser um país civilizado, com uma população consciente, paira na Argentina um grande manto escuro. Implacável e poderoso, esse manto esconde o que interessa aos poucos que estão por detrás dele. E mostra o que acha apropriado aos milhões que estão à sua frente. Faz do Estado, com os grupos que dele se apropriam, o verdadeiro proprietário da nação, facilitando inclusive a ação de entidades mafiosas.

O professor de relações internacionais do Senac, Eduardo José Grin, considera que, pela própria formação da Argentina, o Estado local está contaminado por um alto nível de apropriação, por grupos políticos, de suas instituições.

— Muito mais do que no Brasil, na Argentina o peso do Estado na sociedade é desproporcional. O princípio que norteia a política é o Estado ser instrumento que atende aos interesses dos que estão incluídos no grupo do poder. O próprio governo Kirchner é uma mostra disso. A presidente é a esposa do ex-presidente. Trata-se de um grupo que tomou conta do Estado, que criou uma rede cujo tamanho desconhecemos, mas que fica aberta a vários níveis de corrupção.

Não é por acaso que o país vive envolto em mistérios, crimes não solucionados, atentados não resolvidos, fazendo do clamor da população um instrumento que apenas mede o quanto os interesses de quem comanda têm ou não se encaixado com os do país. Quando sim, menos mal. Quando não, não importa, o clamor não é ouvido.


Populismo

Isso, na linguagem sociológica, é o chamado populismo. Essa é a essência do país banhado pelo Rio da Prata. Esse é o cenário em que a nação se desenvolveu, aglomerando multidões ávidas por um aceno, por uma informação, por uma mudança, diante da Casa Rosada e sua construção imperial, feita de silêncio e segredos, sussurrados nos bastidores, em seus luxuosos cômodos tão distantes do barulho lá fora. 


Segundo Grin, isso nada mais é do que uma mão forte e opressora do Estado dando as cartas e enfraquecendo instituições, como ONGs, sindicatos e entidades representativas da sociedade.

—Quanto mais fracas as estruturas democráticas, maior é a brecha para a entrada de grupos políticos, que no caso podem até ser clandestinos, para se apropriarem das instituições públicas. Fica difícil controlar, a Justiça fica à mercê desses interesses, a fiscalização da sociedade fica praticamente impedida.


E assim, na Argentina, ninguém sabe o que realmente houve com o promotor Alberto Nisman, morto no último fim de semana, horas antes de detalhar denúncias de que o governo estava acobertando a autoria do atentado na Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994. O caso, na verdade, não remete apenas à falta de transparência sobre as investigações do atentado. Remete a muitos anos antes, anteriores até à chegada de Juan Domingos Perón ao poder, em 1946.

É apenas mais um em uma folha corrida de histórias de vaidade, ambição e poder, costurada nos porões de uma política feita para poucos. O termo "suicídio induzido" já é antigo. Em 1997, por exemplo, o empresário Alfredo Yabrán seu "suicidou", após ser denunciado pela revista Noticias. Também houve suspeitas de que fora "induzido". Antes, ele havia sido fotografado por José Luiz Cabezas, que foi assassinado.

Tudo isso ocorreu no governo de Carlos Saúl Menem. Dizia-se, na época, que o assassinato foi uma mensagem mafiosa ao governo de Carlos Duhalde, da Província de Buenos Aires. Menem, que prometera apuração, acabou sendo criticado por uma possível falta de empenho em desvendar o caso.

E foi no governo de Menem que ocorreram os sangrentos atentados à Embaixada de Israel na Argentina, que deixou 29 mortos, e à sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que matou 85 pessoas. Desde o início, as investigações foram truncadas.

Cristina Kirchner é citada em nova denúncia de acobertamento

Três policiais de alto escalão e outro reformado eram suspeitos de participar no ataque, coordenado, segundo investigadores, pelo Irã, que tem alguns ministros da época procurados pela Interpol, com a participação do grupo Hizbolah. 

Processo turbulento

Mas, em setembro de 2004, a causa foi decretada nula por um tribunal, que absolveu todos os acusados de pertencer à "conexão local". Dias depois, Nisman, incorporado ao caso desde 1997, assumiu a função de promotor.

Em meio a processos, entre eles contra o próprio presidente Carlos Menem (1989-99), acusado de acobertamento do caso, a Argentina entrou em um período de turbulências. Governos se sucederam em meio a uma forte crise econômica.

O filho de Menem, Carlos Menem Jr., morreu em 1995, vítima de um misterioso acidente de helicóptero. Sua mãe, Zulema Yoma, afirma que foi um atentado, fato que até já foi admitido pelo próprio ex-presidente. Diante de tantas tragédias, Grin aponta para o fato de o país ainda ter uma estrutura política rudimentar.

— O Estado acaba sendo o porta-voz desses grupos, que perseguem quem pensa de maneira contrária. Isso inibe a possibilidade de organização da sociedade civil e até de órgãos dentro do próprio Estado que poderiam servir à população.

Não bastasse isso, Menem foi condenado em 2013 a sete anos de prisão, por participar de um contrabando de armas para a Croácia e Equador, com supostos vínculos com o Irã, o que o ligaria novamente ao caso Amia. Está em liberdade, por exercer a função de senador e, aos 83 anos, ter imunidade.

Porta da casa de promotor que denunciou governo argentino não estava trancada

Somente Raúl Alfonsín (1983-89) não foi suspeito de corrupção, entre os presidentes eleitos desde a redemocratização argentina, em 1983. Fernando De la Rúa (1999-2001), Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner sofreram denúncias por suspeitas de atos ilícitos.

O atual vice-presidente, Amado Boudou, é acusado de favorecer uma empresa de impressão de dinheiro. Seu ex-assessor José Guillermo Capdevilla, testemunha no caso, deixou a Argentina alegando que estava sendo ameaçado de morte.

Para Grin, um emaranhado de dificuldades tão grande explica o porquê de o atentado da Amia ainda não estar nem perto de ser esclarecido.

— Esse caso já era para estar resolvido. Só não foi até agora por causa desta conjuntura que tenta obstruir o que não interessa aos detentores do poder.

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