"Governo está cego, surdo e mudo", diz economista venezuelano sobre a crise e a inflação no país
Segundo o FMI, a inflação foi de 180% em 2015 e deve chegar a 720% este ano
Internacional|Marta Santos, do R7
A Venezuela fechou o ano de 2015 com a maior inflação do mundo: 180%, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional). Para este ano, a previsão é ainda mais assustadora: a inflação deve chegar a 720% e o PIB (Produto Interno Bruto) deve ter uma queda de 8%.
"Economistas já apresentaram formas de tentar amenizar a crise, mas o governo não leva em conta. Ele se empenha em manter políticas fracassadas que deterioram os salários, provocam inflação, geram desabastecimento, paralisam o aparato produtivo e destroem a economia. Lamentavelmente, o governo está cego, surdo e mudo. É cruel que existam possibilidades de resolver a crise, mas não se faça nada a respeito", explica o professor Carlos Peña, diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da Universidade Central da Venezuela, em Caracas.
Vários fatores combinados levaram o país à crise econômica. O controle estatal da produção e distribuição de produtos básicos, junto com a queda do preço do petróleo e a desvalorização da moeda local (que fez com que a Venezuela perdesse poder de compra para importação), levaram o país a uma profunda escassez de produtos.
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Além disso, a tentativa do governo de amenizar a situação aumentando os salários da população e imprimindo mais notas de bolívares, a moeda nacional, acabou aumentando ainda mais a inflação. Nesse cenário, o país começou a ter dinheiro demais para produtos de menos, deixando mais caros até mesmo os itens mais básicos.
— Este é o chamado modelo de socialismo do século 21, caracterizado por um controle forte da economia. Controle de preços, taxas de câmbio, expropriações. Até agora, 1.500 empresas foram expropriadas, das quais, se uma funciona, é muito. Somado a isso, temos o colapso do preço do petróleo, que faz a situação ficar ainda mais dramática. Esses fatores têm gerado uma forte distorção nos mercados de bens e aprofundado os desequilíbrios macroeconômicos, destruindo a economia.
Apesar de a crise venezuelana ter se agravado nos últimos anos, principalmente, após a morte de Hugo Chávez, em 2013, os problemas do país começaram muito antes disso, diz Peña.
— A Venezuela passa por sua pior crise desde 1958, quando acabou a ditadura. Atualmente, a Venezuela passar por uma mega crise econômica, social, política e institucional, mas a econômica é mais grave. Há um enfrentamento de poderes entre governo, Assembleia Nacional e Tribunal Supremo de Justiça. Eles querem diálogo, mas nenhum setor quer ceder. Na parte econômica, não há respostas claras e nem soluções. Só improvisos. O ponto é que o modelo econômico desse governo é inviável.
A situação se complicou a tal ponto que, em janeiro deste ano, o presidente Nicolás Maduro decretou estado de emergência no país, que ainda vigora e poderá será estendido até 2017.
No dia-a-dia, o peso da inflação se reflete diretamente no poder de compra da população. A dificuldade de encontrar produtos e, quando se encontra, os valores exorbitantes tornam difícil comprar até mesmo produtos de necessidade básica.
Thomas Enrique Jimenez, um empresário do ramo de construção, que deixou a Venezuela há um ano e está vivendo em Boa Vista, Roraima, contou ao R7 como a inflação o prejudicava no dia-a-dia.
— Não era fácil encontrar produtos básicos e os poucos que se achava, estavam com preços que nunca poderíamos pagar para manter uma família. Por exemplo, o salário mínimo era de 15.051 bolívares por mês. Para comprar um frango pequeno era preciso entre 5.500 e 6.500 bolívares. Um quilo de arroz custava 2.500 bolívares, um quilo de leite 10 mil, um quilo de carne 5.500, um quilo de café 4.000. Era impossível viver assim.
Peña completa:
— Para a população, isso é um calvário. Existem filas até para comprar pão. O desespero e a falta de esperança se apoderam cada dia mais dos venezuelanos. As crianças não assistem aulas porque não têm o que comer e/ou desmaiam. A situação da saúde é cada dia mais complicada. Não há remédios. Realmente, há uma crise humanitária e somos todos afetados. Desde as pessoas que recebem um salário mínimo até o profissional universitário. Claro, as famílias que recebem um salário mínimo são mais vulneráveis.