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No final, um péssimo administrador

O maior dom de Hugo Chávez era sua habilidade teatral

Internacional|

O presidente venezuelano Hugo Chávez, que morreu na terça-feira (5), divide opiniões sobre se foi um bom líder para o país
O presidente venezuelano Hugo Chávez, que morreu na terça-feira (5), divide opiniões sobre se foi um bom líder para o país O presidente venezuelano Hugo Chávez, que morreu na terça-feira (5), divide opiniões sobre se foi um bom líder para o país

Em Caracas, Venezuela, sabia-se que uma reunião de cúpula importava para Hugo Chávez quando trabalhadores do governo retocavam os entulhos da cidade. Antes dos dignitários chegarem, equipes com baldes e rolos pintavam linhas amarelas brilhantes ao longo da rota do aeroporto até a capital, tentando compensar a dilapidação das estradas com clarões de cores.

Para eventos realmente grandes – digamos, a visita do presidente da Rússia – os trabalhadores faziam um esforço extra, também pintando as rochas e detritos que enchiam os buracos.

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Sentados em seus carros blindados com vidros escurecidos, os russos podem não ter notado os "sepulcros caiados", mas certamente reconheceriam o conceito de aldeias Potemkin.

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Depois da riqueza do petróleo, o dom teatral era o maior ativo de Chávez, presidente da Venezuela desde 1999, que morreu de câncer nesta terça-feira (5). Seu senso dramático de sua própria significância o ajudou a levá-lo ao poder como a reencarnação do libertador Simón Bolívar – ele até renomeou o país para República Bolivariana da Venezuela.

Esse mesmo dom dramático dividia profundamente os venezuelanos enquanto ele se posicionava no palco mundial e falava em restaurar o equilíbrio entre os países ricos e o restante do mundo. Isso agora ofusca o seu legado real, que é bem menos dramático do que ele esperava. Na verdade, é banal. Chávez, em última análise, foi um péssimo administrador.

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O legado da sua "revolução socialista" de 14 anos é patente por toda a Venezuela: a decadência, a disfunção e o flagelo que afligem a economia e cada instituição do estado.

O debate infindável da questão de se Chávez era um ditador ou um democrata – ele foi na verdade uma mistura, um autocrata eleito – desviava a atenção, domesticamente e no exterior, da questão mais prosaica de competência. Chávez foi um político brilhante e um governante desastroso. Ele deixa a Venezuela em ruína, e sua morte lança aproximadamente 30 milhões de cidadãos em profunda incerteza.

Os fracassos de Chávez causaram mais danos do que a sua ideologia, que nunca foi tão extremista quanto ele ou seus detratores afirmavam, algo bem evidente na Venezuela que ele deixou.

As antigas fábricas poderosas de Ciudad Guayana, um polo industrial perto do Rio Orinoco que arquitetos do MIT e da Harvard planejaram nos anos 60, estão enferrujando e respirando com dificuldade; algumas fechadas, outras funcionado a meia capacidade. "A crise econômica do mundo nos atingiu", Rada Gamluch, diretor da fábrica de alumínio Venalum e chavista leal, me contou em sua sacada com vista para a decadência. Ele se corrigiu. "A crise capitalista nos atingiu."

Na verdade, foram as mancadas dos diretores de negócios indicados por Chávez, que tentaram impor princípios pseudomarxistas apenas para depois serem trocados por oportunistas e criminosos, que atingiram Ciudad Guayana.

O subinvestimento e a inépcia atingiram estações hidroelétricas e a rede elétrica, causando apagões semanais que continuam a escurecer cidades, a queimar equipamentos elétricos, a silenciar máquinas e a exigir o racionamento de fato. Ao governo não falta quem culpar: seus próprios funcionários, a CIA e mesmo gambás roedores de cabos.

A impressão imprudente de dinheiro e políticas fiscais acionaram inflações elevadas, tanto que a moeda, o bolívar, perdeu 90 por cento do valor desde que Chávez assumiu o poder, e foi desvalorizado cinco vezes no período de uma década. Em uma outra ilusão, ele renomeou a moeda para "el bolivar fuerte", o bolívar forte – um toque Orwelliano.

A perseguição de fazendas particulares e a administração caótica das cooperativas agrícolas apoiadas pelo governo atingiram a produção de alimentos, forçando importações extensivas, que se empilharam rapidamente em milhares de toneladas estragadas nos portos. Chávez chamou isso de "soberania alimentar".

A politização e a negligência inutilizaram a tarefa principal da empresa petrolífera estatal PDVSA – a perfuração – de forma que a produção caiu. "É uma pena que ninguém separou 20 minutos para explicar macroeconomia para ele com papel e caneta", disse-me Baldo Sanso, um alto executivo. "Chávez não sabe administrar."

Subsídios populistas reduziram o custo da gasolina para 1 dólar o tanque, talvez o menor preço da gasolina no mundo, mas custaram ao estado incontáveis bilhões em arrecadação e ao mesmo tempo pioraram o congestionamento do tráfego e a poluição do ar.

O mal-estar burocrático e a corrupção foram tão crônicos que os assassinatos triplicaram para quase 20.000 por ano, com gangues descaradamente sequestrando vítimas nos pontos de ônibus e nas estradas.

Uma nova elite com ligações com o governo, os "boligarcas", manipulou contratos governamentais e os controles da rede de preços e da moeda para financiar seu estilo de vida luxuoso. "É um grande acontecimento aqui quando uma menina faz 15 anos", um designer de Caracas, Giovanni Scutaro, me contou. "Se o pai estiver com a revolução, ele não se importa com o tecido, desde que seja vermelho. Algo simples, 3000 dólares – mais elaborado, 250.000 dólares."

Chávez convocava jornalistas para Miraflores, o palácio presidencial, para exaltar suas realizações. Mas até mesmo o prédio entregava a anomia da nação, com sua fachada rachada, falta de azulejos, um odor de urina vindo dos jardins. O elevador particular do presidente, me confidenciou um ministro, tinha goteiras quando chovia.

O gênio político de Chávez transformaria esse registro em um palco no qual ele montaria mais quatro vitórias eleitorais. Uma generosidade petroleira sem precedentes – 1 trilhão de dólares – o tornou o patrocinador chefe, enquanto as alternativas não governamentais murchavam.

Ele gastou extravagantemente com clínicas de saúde, escolas, subsídios e presentes, inclusive casas completamente novas. Os empregados das múltiplas burocracias – os funcionários do governo perdiam a conta de ministérios efêmeros – votavam nele para garantirem o emprego.

Suas eleições não eram justas – Chávez manipulava as regras a seu favor, sequestrava recursos do governo, desqualificava alguns oponentes, enfraquecia outros – mas eram livres.

Enquanto a Venezuela atrofiava, ele encontrou algum refúgio culpando os outros, notavelmente os "porcos grunhidores" e "vampiros" do setor privado que ele acusou de acumular e especular. Soldados prenderam açougueiros por sobrepreço.

Seus próprios apoiadores cada vez mais culpavam aqueles à sua volta: em 2011 podia-se ver grafite com o slogan "bajo el gobierno, viva Chávez" – "abaixo o governo, viva Chávez".

O comandante, como era conhecido pelos leais, usava sua energia e carisma extraordinários para dominar as ondas de rádio com discursos-maratona (quatro horas eram pouco). Ele também podia mandar beijos, mobilizar tropas, denunciar os Estados Unidos, andar de bicicleta, de tanque, de helicóptero – qualquer coisa para manter a atenção concentrada nele e não no seu desempenho.

A distração vinha sob inúmeras formas: denunciar tramas de assassinatos; um acordo nuclear ridículo com a Rússia (finalmente abandonado); a exumação do corpo de Bolívar para verificar se ele foi assassinado; elogios ou ataques a convidados.

Eu experimentei o poder de sua atuação em primeira mão em 2007 quando, como correspondente da América Latina do jornal The Guardian, apareci em seu programa semanal "Alô Presidente", em um episódio feito na praia. Convidado a lhe fazer uma pergunta, indaguei se, caso abolisse os limites de mandatos, não traria o risco do autoritarismo.

O anfitrião pausou e olhou fixamente antes de lançar a impertinência ao mar e torná-la um pretexto para atacar a hipocrisia europeia, a mídia, a monarquia, a Marinha Real, a escravidão, o genocídio e o colonialismo.

"Em nome do povo da América Latina, eu exijo que o governo britânico devolva as Ilhas Malvinas para o povo argentino", exclamou. Então, após um outro comentário sobre o colonialismo: "É melhor morrer lutando do que ser escravo!".

E foi assim, um por um. Cristóvão Colombo, a Rainha Elizabeth. George Bush. Em vão, respondi que era irlandês e republicano, e que a monarquia europeia era irrelevante à minha pergunta, que ele tinha se esquivado. Isso provocou outro ataque.

Era teatro. Enquanto as câmeras eram guardadas, e todos nos preparávamos para retornar a Caracas, o presidente apertou a minha mão, encolheu os ombros e sorriu. Eu tinha sido um útil bobo da festa. Sem ressentimentos. Era apenas um show.

(Rory Carroll, correspondente do jornal The Guardian, é autor de "Comandante: A Venezuela de Hugo Chávez".)

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