Otan está no centro da crise na Crimeia
Vladimir Putin quer evitar entrada da Ucrânia na aliança militar
Internacional|Ansa
O Parlamento da Crimeia declarou na última terça-feira (11) de maneira unilateral a independência da região em relação à Ucrânia.
Além disso, no próximo domingo (16), a população da república autônoma, assim como a da cidade de Sebastopol, deverá aprovar por meio de um referendo sua anexação pela Rússia.
Com a região cada vez mais distante de Kiev e mais próxima de Moscou, o presidente russo, Vladimir Putin, poderá agregar mais uma conquista à sua lista de vitórias no plano internacional.
E mais do que a UE (União Europeia) ou o governo ucraniano, a grande derrotada da vez será uma poderosa aliança militar que tem sido motivo de preocupação para o mandatário nos últimos anos: a Otan.
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Formada por 28 países, que vão de Estados Unidos à Romênia, a Organização do Tratado do Atlântico Norte vem promovendo uma política expansionista desde a ascensão de Putin, no final dos anos 1990.
"O grande medo da Rússia não é nem a UE. A Otan que é o pior dos seus pesadelos", diz Angelo Segrillo, professor de história contemporânea na USP (Universidade de São Paulo). De 1999 para cá, a aliança expandiu suas fronteiras rumo ao leste e atraiu 12 novos integrantes, incluindo ex-repúblicas soviéticas, como Letônia, Lituânia e Estônia. E há tempos está cortejando a Ucrânia para conseguir sua adesão, algo que dificilmente Moscou engoliria.
"Se isso acontecesse, a Rússia poderia ficar cercada por uma aliança militar da Guerra Fria", acrescenta o acadêmico. Como já se sabe, a Crimeia tem uma enorme importância estratégica para Vladimir Putin — ainda que ele declare publicamente não ter nada a ver com os desejos separatistas da região. A península fica na costa norte do Mar Negro, onde está instalada uma das mais importantes unidades militares da Marinha russa, a Frota do Mar Negro.
Os navios ficam ancorados nos portos de Sebastopol e Balaclava, por meio de uma concessão dada pelo governo ucraniano. Mas o impeachment do presidente Viktor Yanukovich e a tomada do poder por um grupo bastante heterogêneo, que inclui muitas formações anti-russas, despertou em Moscou o temor de que tal permissão pudesse ser revogada e a frota substituída por forças ocidentais.
"A Rússia dispõe na Crimeia de parte estratégica das suas forças navais, que a Otan gostaria, seguramente, de desmantelar, senão de ocupar suas instalações. Trata-se de uma questão estratégica de suma importância para a aliança, assim como para Moscou", explica Lenina Pomeranz, professora na FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP.
Em um artigo recente, Jack Matlock, ex-embaixador norte-americano na União Soviética, escreveu que, assim como qualquer outro país, a Rússia é extremamente sensível em relação a atividades militares estrangeiras perto de suas fronteiras e já reiterou repetidas vezes que vai fazer de tudo para impedir a entrada de Kiev na aliança militar. Considerados pró-ocidente, os políticos que assumiram o poder interinamente na Ucrânia — todos ligados à ex-premier Yulia Tymoshenko — não devem hesitar em se aproximar da Otan, embora a adesão já tenha sido rejeitada pela população ucraniana.
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Segundo Matlock, a Rússia poderia tolerar uma liderança ucraniana modernizando sua política e economia em cooperação com a União Europeia, mas desde que os cidadãos de etnia russa sejam tratados de maneira igualitária e, o mais importante de tudo, que o processo de integração não leve Kiev a se tornar membro da Otan. E é bem verdade que os nacionalistas do oeste, parte importante da oposição a Yanukovich, não parecem dispostos a atender quaisquer dessas condições.
Até pela importância estratégica de manter a Ucrânia fora da aliança militar, é muito difícil que Putin patrocine uma cisão no país. Uma eventual e pouco provável anexação das áreas orientais da nação por Moscou faria o presidente perder totalmente sua influência no lado ocidental. "Se ele mantém a população russa dentro da Ucrânia, fica mais fácil ter poder lá dentro", completa Angelo Segrillo.