Recessão do sul da Europa ameaça se espalhar para o norte
Basta mais um trimestre seguido de produção econômica encolhendo para a Alemanha entrar oficialmente em recessão
Internacional|Do R7
Nenhuma empresa simboliza a Alemanha industrial como a Daimler, a gigante que fabrica automóveis e caminhões Mercedes-Benz. Assim, quando a empresa anunciou recentemente que também fora finalmente pega pelo tempo ruim da crise econômica europeia, foi um sinal de mau agouro para todo o continente, se não para o mundo.
Exportadores alemães como a Daimler têm sido bastiões da estabilidade num continente sobrecarregado com bancos vacilantes, governos disfuncionais e legiões de jovens desempregados – sem mencionar o pior tropeço da indústria automotiva em duas décadas. Porém, a previsão sombria da Daimler para 2013 foi o indício mais recente de que a Alemanha e outros países relativamente saudáveis, como a Áustria e Finlândia, correm o risco de ser tragados pela recessão que há muito tempo aflige os vizinhos ao sul.
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A retração na Alemanha foi prenunciada por meses de produção industrial declinante, disse Carl B. Weinberg, economista-chefe da High Frequency Economics, de Valhalla, Nova York.
De acordo com ele, "a União Europeia fez da Europa uma economia muito mais coesa, o que é bom quando as coisas estão na ascendente, mas quando estão caindo, o multiplicador é muito forte. Uma maré vazante rebaixa todos os navios".
A fraqueza econômica geral da região, bem como a redução da demanda na China e outros grandes mercados para as exportações alemãs de bens de consumo, carros e máquinas operatrizes sofisticadas, robôs industriais e equipamentos para construção, finalmente estão cobrando seu preço.
Basta mais um trimestre seguido de produção econômica encolhendo para a Alemanha entrar oficialmente em recessão. O mesmo é válido para Bélgica, França, Luxemburgo, Áustria e até mesmo Suécia e Finlândia. A Holanda já teve dois trimestres de produto interno bruto em queda.
Mais indícios do espalhamento da recessão europeia vieram de Madri, onde o governo espanhol divulgou recentemente que o desemprego chegou ao índice recorde de 27,2 por cento. A seguir, os novos dados econômicos de Londres indicaram que a Grã-Bretanha escapou por pouco de cair novamente em recessão pela terceira vez desde 2008.
"A verdade é que a Europa ainda encara várias vulnerabilidades que – se não forem atacadas – poderiam degenerar para um cenário de estagnação", David Lipton, primeiro vice-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, afirmou em Londres.
Se a Alemanha entrar em recessão, muita coisa iria de arrasto. A Alemanha e outros 26 países da União Europeia em conjunto representam a segunda maior economia do mundo e o maior parceiro comercial dos Estados Unidos. O novo atraso na recuperação da Europa que uma recessão alemã causaria teria como resultado um grande obstáculo no crescimento dos EUA, da Ásia e da América Latina.
O crescimento existente na região está vindo principalmente da Europa Oriental. A Polônia está protegida por um grande mercado doméstico interno e um sistema bancário saudável. Depois de uma retração severa iniciada em 2008, o crescimento está voltando às nações bálticas da Estônia, Lituânia e Letônia. Nessa recessão, os salários caíram, os preços dos imóveis despencaram e os bancos passaram pelo doloroso processo de aprimorar a condição financeira.
O desemprego nesses países está longe de ser baixo, mas eles se beneficiaram por serem as economias de salários baixos da Europa e continuam atraindo capital. Outro fator positivo advém do fato de que essas economias, à exceção da Estônia, não usam o euro e podem ajustar sua moeda com maior facilidade às condições cambiantes da economia no resto do mundo. Seus planejadores econômicos têm mais ferramentas políticas do que simplesmente reajustar as taxas de juros.
Na Alemanha, são poucos os sinais evidentes de crise. O desemprego está na casa de 5,4 por cento, em comparação aos 10,9 por cento, em média, na Europa. Contudo, pesquisas indicam que as empresas estão ficando pessimistas.
"O mercado alemão não pode se dissociar desse ambiente", afirmou Bodo K. Uebber, diretor financeiro da Daimler, a analistas na quarta-feira.
O problema para o resto da Europa é que qualquer esperança de recuperação está presa à robusta economia alemã. Empresas espanholas e italianas dependem da demanda alemã para compensar a queda nos gastos do consumidor em seus países.
"Na minha área, existem empresas que trabalham cem por cento para atender à Alemanha", declarou Mario Moretti Polegato, fundador e principal executivo da Geox, fabricante de calçados localizada em Montebelluna, Itália, nos arredores de Veneza.
A Geox, conhecida pelos calçados com sola à prova d'água respirável, vende sua produção ao redor do mundo e não depende de um mercado só. Mesmo assim, a Itália somou 35 por cento da receita bruta total da empresa no ano passado e as vendas caíram 15 por cento enquanto a Itália continuou presa à recessão começada em meados de 2011.
As vendas da Geox na Alemanha ajudaram a contrabalançar o declínio, Polegato afirmou por telefone. A Alemanha também é um mercado crítico para a empresa vinícola de sua família, que vende o espumante prosecco sob as marcas Villa Sandi e La Gioiosa.
"O primeiro mercado é a Alemanha", disse Polegato. Segundo ele, isso é verdadeiro para a maioria das vinícolas da região do Vêneto.
O pior cenário, no entender do economista Weinberg, seria a depressão provocada pelo fracasso dos líderes políticos em consertar os muitos bancos fracos da região e restaurar o fluxo de crédito.
A piora na situação econômica aumentou a esperança de que o Banco Central Europeu faça o resgate, e tem sido assim desde 2010, quando a crise da dívida pública começou na zona do euro, os 17 países da União Europeia que adotaram a moeda.
Porém, é improvável que um corte nas taxas de juros pelo BCE toque num problema mais fundamental na zona do euro: a falta de crédito nos países que mais precisam dele.
Medidas extraordinárias do BCE, incluindo empréstimos praticamente ilimitados aos bancos da zona do euro usando a taxa de juros oficial mais baixa, não chegaram a auxiliar tomadores de empréstimos corporativos em países como Espanha ou Itália. A falta de crédito é especialmente complicada para as pequenas e médias empresas incapazes de levantar dinheiro no mercado de títulos, dessa forma, dependendo dos bancos.
Sinais da expansão da recessão também estão fortalecendo a posição de pessoas que defendem que países como Portugal, Espanha e Grécia não deveriam ser obrigados a cortar os gastos públicos tão rapidamente. Para elas, países com orçamento superavitário, como a Alemanha, deveriam elevar os gastos para estimular a demanda.
"O pacto fiscal vai matar a Europa", afirmou Marco Tronchetti Provera, CEO da Pirelli, referindo-se ao acordo entre os integrantes da zona do euro em reduzir gastos deficitários.
Provera reflete o sentimento crescente entre líderes como José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, para quem a política deveria ser mais voltada ao crescimento e não apenas ao corte no orçamento.
Num ano de eleição, porém, a chanceler alemã Angela Merkel não deve esquecer a prudência fiscal que ajudou a torná-la popular entre eleitores avessos a dívidas.
Entretanto, toda essa conversa sobre austeridade – significando cortes nos gastos públicos – pode não tocar na grande questão. Muitas das nações mais problemáticas ainda precisam fazer as mudanças que, segundo economistas, estimulariam o crescimento. Reduzir o tamanho do funcionalismo público inchado e eliminar regras que tiram o apetite das empresas na hora de contratar e demitir não custaria muito, mas muitos governos consideram tais gestos politicamente perigosos.
A Alemanha passou pelo processo doloroso de reescrever suas leis trabalhistas há uma década, um dos motivos para a economia ser capaz de desafiar a crise até pouco tempo atrás.
Enquanto isso, empresas italianas como a Pirelli estão cortando postos de trabalho na Europa e investindo na Ásia e outros mercados que parecem mais promissores.
Polegato, o fundador da Geox, disse ter fé que a criatividade e o design italianos terminem prevalecendo e o país se recupere.
Contudo, ele pareceu ter menos certeza quanto às perspectivas de um governo melhor.
"Boa parte dos políticos italianos não tem queda para a economia ou empresas de verdade", ele garantiu.
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