A alegria tomou conta do idoso no Dia das Crianças
Na época em que foi menino, não havia nenhum Super-Homem, como aquele embalado, de vinil e musculatura sob o traje azul
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
Conduzido pelo acompanhante, o velhinho entrou na loja de brinquedos do shopping. Cabelos lisos para trás, bem penteados, calça marrom com cinto largo, uma camisa confortável e uma malha de abotoar. Pediu que encostasse a cadeira de rodas no fim do corredor cercado de bonecos.
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Na época em que foi menino, não havia nenhum Super-Homem, como aquele embalado, de vinil e musculatura sob o traje azul. Bem que ele sonhava com brinquedos quando andava pelas ruelas de Varsóvia, tentando encontrar comida.
As únicas atrações eram as aulas no cheder (quarto de ensino). Mesmo fraco, encontrava forças não sabia de onde, para aprender o alfabeto, a história do mundo. Sem entender direito por que os judeus estavam confinados lá no gueto.
Brincadeiras, ele descobria. Não tinha dinheiro, mas um dia achou um pião e, com um barbante, o fazia girar no asfalto irregular. Comparava o brinquedo com a vida das pessoas de lá que giravam giravam no mesmo lugar.
Também tinha o pega-pega que ele fazia com o Shaul e o Joseph durante as tardes cinzentas, entre as construções de tijolos pintados.
Até quando as tropas entraram lá e levaram ele e seus pais para os campos de concentração, após enfileirarem todos e escolherem os que não morreriam, ele conseguiu encontrar um jeito de brincar.
No trem abarrotado, ficou tirando par ou impar com o Shaul a viagem toda, até Auschwitz-Birkenau. Eles se entreolhavam com ternura, como se dissessem um para o outro "Estou aqui".
Isso lhe dava segurança. As vozes baixas, quase sussurros deles, quebravam o silêncio aterrorizante, junto com o som da locomotiva.
Foram cerca de três anos duros. Acordava antes do nascer do sol, via seu pai ser obrigado a ir trabalhar nos banheiros e a mãe a varrer os alojamentos, sob ordens ríspidas, quando não com violência.
Quase não comia. Somente duas batatas por dia e um pedaço de pão, que comia no galpão, junto com outras centenas de pessoas.
As brincadeiras, porém, não cessaram. Mesmo que estivesse pesando menos de 20 quilos, quase tendo morrido de cólera.
Ao lado do Shaul, de quem acha que pegou os intermináveis piolhos, continuava com o velho pega-pega (quando os guardas armados não viam). Também conseguiram algumas cartas para jogarem escondidos.
Brincar era importante porque ativava a imaginação dele. Depois, à noite, no galpão, ele via que a lua continuava lá, linda, para todos, assim como as estrelas e as árvores que balançavam em sincronia. Elas lhe mostravam a vida como uma dança e não matança.
Ele também tinha a sensação de que elas lhe diziam para acreditar que um dia teria condição de ter um monte de brinquedos, que dividiria com o Shaul e todos os seus amigos.
Agora, depois de anos e de ter feito a vida no Brasil, ele, na cadeira de rodas, olha para o acompanhante, com um ar de alívio. E depois para o vendedor, com orgulho.
Pede o maior Super-Homem; um carrinho de controle remoto moderno; um Falcon último tipo; uma seleção de blocos de montar Minicraft; uma caixa de Lego Jurassic World; um urso de pelúcia gigante; uma caixa grande de Playmobil e um Banco Imobiliário.
Tudo para dar para os netinhos e para crianças da creche. Esta é sua maior satisfação. Ou melhor, uma das maiores. Antes de sair, quando a cadeira de rodas está quase no corredor do shopping, ele pede para o acompanhante voltar.
Quer comprar um trenzinho. Só para si. "O Shaul vai achar graça", balbucia consigo. Pega o embrulho nos braços, se presenteia e sorri. Sempre soube que o Dia das Crianças também foi feito para ele.
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