Como encontrei uma vaga na porta da Cidade Velha de Jerusalém
Estacionar o carro nas redondezas da Cidade Velha é algo muito difícil, quase não há vagas naquele lugar concorrido
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
Para os mortos, o cemitério do Monte das Oliveiras, em Jerusalém, é um lugar disputado. A religião judaica diz que lá é um local sagrado.
Mas para os vivos, que percorrem as ruas no entorno da Cidade Velha, um dos pontos mais disputados é outro: uma vaga para estacionar nas redondezas.
O local, de frente para o cemitério, vive repleto de ortodoxos judeus, religiosos cristãos, pessoas com trajes islâmicos, turistas, trabalhadores e estudantes, entre tantos, a percorrerem aqueles quarteirões com reverência e encanto.
Cheguei dirigindo o carro alugado, em meio a solavancos, a pedidos para as crianças se sentarem, a reclamações quanto ao caminho, junto com minha família.
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Bairros árabes, bairros judaicos, grandes avenidas, parques, ruazinhas abarrotadas de lojas, ruas cheias de curva, a subida rumo à Cidade Velha. Tudo lá fora prendia nossa atenção.
Assim que fizemos a curva junto à entrada ao lado das muralhas, algo inédito aconteceu. Pelo menos para mim.
Um menino de blusa azul, bermuda, cabelos lisos e escuros, sentado na mureta, me apontou, indicando que logo à frente havia uma vaga. Estava com amiguinhos e era morador da região.
Uma vaga na frente do portão de Damasco em Jerusalém! Vibrei, estacionei e logo agradeci ao garoto, fazendo aquele gesto de que depois eu acertaria a gorjeta.
Entramos por portas em arcos, túneis, descemos escadas de pedra em meio a árvores, passamos pela esteira da segurança e nos deparamos com o encanto do Muro das Lamentações.
Por ruelas milenares, observamos também a efervescência local, andando pelo estreito mercado árabe, em meio a mercadorias de todos os tipos e vendedores tentando atrair a atenção.
Sentimos o clima de devoção, percorrendo quarteirões mais silenciosos, de centros de estudos e instituições evangélicas situadas no coração de Jerusalém, coloridas pela tonalidade laranja dos raios de sol.
Muito mais do que atritos de tempos em tempos entre membros das comunidades judaica e árabe, senti também prevalecer um clima de convivência, na cidade embebida de luz.
Mesmo nestes nossos tempos de discórdia. Mesmo sob o tempo nublado. Uma neblina que às vezes envolve aqueles muros como se fosse a presença do véu de espiritualidade que abraça as montanhas da Judeia, onde fica a cidade sagrada.
Na saída, seguindo o hábito arraigado no Brasil, fui dar um dinheiro ao menino, que passara a tarde por lá, conversando com os amigos. Fazia questão de recompensá-lo, mesmo com uma quantia módica, pela indicação da concorridíssima vaga.
Ele estava sentado na mureta, diante da calçada. E ficou sem entender. Em Jerusalém, isso não existe. Percebi então que ele me indicara a vaga com a única intenção de ajudar. E não aceitou o dinheiro. Saí de lá sem graça.
Os meninos de Jerusalém não olham carros. Muitos guardam outros conceitos que sobreviveram às guerras e às tentativas de destruição, naquele local que é um mergulho nas profundezas da humanidade. Gentileza é um deles. Tão antigo e dourado quanto a própria cidade.
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