O sol de Jerusalém tem um brilho especial
Como em nenhum outro local, uma luz resplandece no ar, dando sentido ao apelido de Cidade de Ouro
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
Ao cumprimentar o motorista druso, percebeu que o braço direito daquele homem estava paralisado. O motorista era corpulento, tatuado e sério. Ao estender o braço esquerdo para o cumprimento, apenas disse: fui soldado de guerra.
E mais nada falou durante o trajeto do aeroporto Ben Gurion, perto de Tel Aviv, para Jerusalém, na famosa estrada que liga as duas cidades.
O viajante logo percebeu a presença da guerra passada, espalhada discretamente nas laterais do trajeto, em bandeiras de Israel hasteadas sobre pequenas construções destruídas, em casas milenares erguidas apenas em forma de esqueleto, em rastros de escadas despontando no meio dos bosques.
Amos Oz, em seus livros, conta como foi aquela guerra pela independência, quando os árabes bloquearam a estrada e fizeram daquele trecho um tormento para os comboios. Atiradores ficavam postados no alto das colinas para atacar soldados e cidadãos judeus.
Jerusalém na época ficou acuada, com seus moradores reclusos em seus pequenos apartamentos, sofrendo com o racionamento de água e alimentos.
Mas ao mesmo tempo que reflete sobre o palco daquele período doloroso, a ausência de palavras do motorista druso emite um sinal de conforto depois da dor.
No retrovisor, há um retrato de seu filho, um menino. E símbolos de seu povo, inserido na rotina de Israel a ponto dos homens e mulheres ja servirem o Exército.
O viajante captou tal sensação de conforto. Ela logo se projetou em toda aquela paisagem, mostrando que algo prevaleceu sobre aquele período de incertezas e mortes. Os bosques e ciprestes continuam por lá, belos e imponentes. A terra, a brisa, o aroma de campo são os mesmos.
Na estrada, carros se acumulam já formando trânsito na entrada do túnel que dá acesso à cidade. Israelenses misturam suas rotinas a toda aquela história e misticismo emanados pelo cenário que os acolhe.
Em seguida, ele já se vê na cidade, contemplando as construções beges e toda a característica peculiar daquele local cercado de montes.
Vê as pessoas na rua, judeus religiosos, cristãos, árabes, moças, crianças de bicicleta e estudantes, entre tantos, vivendo aquele ritmo frenético que mantém o presente permanentemente observado pelo passado.
A manhã é límpida em Jerusalém. Como em nenhum outro local, uma luz resplandece no ar, dando sentido ao apelido de Cidade de Ouro.
Ao passar por um parque na rua King George, ele sente uma pontada desta luz cutucando seu rosto e então olha para cima.
O sol resplandece cheio de vida, muito mais aquecendo do que queimando. O sol de Jerusalém. A cidade de três religiões. Sentir aquele brilho, para ele, valeu como uma reza.
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