Apenas surto explicaria hipótese de menino ter matado família de PMs, diz psiquiatra forense
Para Guido Palomba, bastaria um fator desencadeante para jovem cometer crimes
São Paulo|Fernando Mellis, do R7
Guido Palomba, um dos mais experientes psiquiatras do País, tem uma explicação para a linha de investigação defendida pela Polícia Civil de São Paulo no caso da morte da família de policiais militares, na Vila Brasilândia. Se for mesmo o menino, filho do casal, que cometeu os quatro assassinatos e se matou, ele teria que estar em surto, de acordo com o especialista.
A versão do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) é de que Marcelo Eduardo Pesseghini, de 13 anos, assassinou a tiros os pais, a avó e a tia-avó; foi de carro para a escola; dormiu no veículo; foi à aula normalmente; voltou de carona com um amigo e se suicidou.
O psiquiatra ainda identificou um conjunto de concausas, ou seja, fatores que podem ter agravado a situação mental do suspeito. Segundo ele, o fato de o menino conviver com os pais policiais, por exemplo, não seria suficiente para ele cometer os crimes, mas somado a um estado de alienação mental e com um fator desencadeador, tornaria os assassinatos possíveis, do ponto de vista médico.
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Leia a íntegra da entrevista com o psicólogo forentese Guido Palomba:
R7 — Se Marcelo foi realmente o responsável pelas mortes, como diz a polícia, o que pode ter acontecido com ele?
Guido Palomba — O que deve ter acontecido é um estreitamento de consciência naquele momento, na qual ele pega, mata as pessoas da família, vai para a escola, dorme dentro do carro, levanta e vai para a aula. Quando ele volta [para casa], aquele estreitamento de consciência acaba, ou seja, alarga-se a consciência, volta para o estado normal. E aí, ele vê o que ele fez e suicida-se. Todo o choro, o pegar no cabelo da mãe e ter se suicidado faz parte de tudo, em um segundo momento. Isso não é algo inusitado. É possível. Já tivemos casos semelhantes em São Paulo, talvez até mais graves. A única coisa que chama um pouco mais atenção é a idade, de 13 anos, e nada mais.
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R7 — A polícia diz que ele premeditou as mortes. Qual seria a explicação para isso?
Palomba — A explicação é psicopatológica, não é psicológica. Se você não colocar uma pitada, grande ou pequena, no caso, grande, de psicopatologia, de doença mental, de alienação mental, você não vai entender esse delito. Existe uma fermentação da ideia. Mas entre a fermentação da ideia e o ato existe um abismo quase que intransponível. É preciso que haja um fator desencadeante, que possa ser até mesmo muito banal. Nesse caso específico você tem uma causa, que seria justamente esse estado de alienação mental, e algumas concausas, que sozinhas elas não têm força para desencadear um ato dessa natureza, mas elas entram na fórmula.
R7 — Quais seriam esses fatores?
Palomba — Eu identifiquei cinco, sociais e biológicos:
1. Os pais eram militares. O assunto em casa deveria ser sobre crime, bandido, matar, morrer. Não que eles fossem agressivos entre eles, mas a profissão levava a esse tipo de diálogo. Isso deveria existir muito tranquilamente. Tanto deveria existir, que eles não faziam muito cuidado com a arma, porque ele teve acesso.
2. Ele tinha uma doença degenerativa, que não ataca diretamente o cérebro. Mas como é uma doença degenerativa, pode ter uma influência pequena ou grande nessa parte cerebral. Ela sozinha não determina, mas ela é concausa. Pode afetar o psicológico e o orgânico, de uma forma subliminar, menor.
3. Ele tomava remédios fortes, para a doença. Até uma Aspirina modifica o psiquismo. Claro que não vai e você vai perder as suas ideias já arraigadas, mas pode ser uma concausa, não a causa. Ela entra como mais um elemento na fórmula.
4. Ele tinha um desenvolvimento mental incompleto. Era menor de idade, tinha 13 anos.
5. Essa que ficará para sempre incógnita, que é, por exemplo, uma bronca da mãe, uma repreensão do pai, um castigo, etc., que faz com que ele mate no dia 6 e não no dia 5.
R7 — Se nenhum desses fatores sozinhos poderia justificar o crime, qual seria o motivo?
Palomba — Pode ser um desencadeador banalíssimo. Não precisa ser uma bronca, um castigo, aí a gente só pode especular. Se eu te xingo, você me xinga. Se eu te dou um soco, você me dá um soco. Se eu estou sem dinheiro, eu mato para ficar com a carteira. Isso, ainda que seja condenável moralmente, é compreensível. Agora, você dizimar a família não é compreensível a não ser que se admita que a pessoa é doente.
R7 — Como saber se alguém tem predisposição a esse tipo de doença mental?
Palomba — Ninguém tem como descobrir isso antes. Pode surgir de uma hora para a outra. Nem todas as pessoas estão sujeitas a isso. São só as pessoas que têm algum determinado tipo de doença que se manifesta dessa maneira.
R7 — O que explicaria o fato de atentar contra a família?
Palomba — No caso, ela passa por dentro dessas concausas. O ambiente familiar, a doença que ele tinha, a predisposição para entrar nesses quadros de estreitamento de consciência. A causa vai ficar sempre incógnita, aquilo que puxou o gatilho. Pode ter acontecido dias antes ou no dia e desencadeou alguma coisa que ele já tinha na mente, digamos, “um dia vou me tornar um bandido, matar meus pais”. Até aí não tem nada concreto.
R7 — Como o senhor avaliaria o estado mental do garoto, caso tenha sido ele mesmo a cometer os crimes?
Palomba — Que é um estado de anormalidade mental, para mim, é. [É] um caso de estreitamento [de consciência]. Pode ser até, especulando, digamos, uma disritmia cerebral. Seria uma falta de ritmo nos próprios neurônios em determinada área cerebral. Ela não é constante, dá e vai embora. Pode durar pouco tempo. Por exemplo, se ela durar pouco tempo e pegar em uma determinada área, a pessoa tem epilepsia. Você pode ter essa mesma disritmia em outra área do cérebro e ter outro tipo de comportamento, como o estreitamento de consciência.
R7 — Atualmente, é possível dizer se ele sofria de disritmia cerebral?
Palomba — Não seria impossível, no caso de ser feita uma perícia retrospectiva, na qual, o médico iria pesquisar, na vida dele, através de pessoas que o conheceram, determinados sinais de sintomas que poderiam suportar um quadro, por exemplo, de disritmia cerebral. Mas é trabalhoso e inútil. Não tem mais sentido, a não ser que seja no ambiente acadêmico.