Armas de brinquedo, jogos e convivência com PMs não justificam comportamento violento, diz psicanalista
Adolescente suspeito de matar família curtia armas e games com violência
São Paulo|Amanda Mont'Alvão Veloso, do R7
Possuir armas de brinquedo, gostar de games violentos e ser filho de policiais não justificam comportamento violento de uma criança, diz o psicanalista Claudio César Montoto, doutor em Comunicação e Semiótica e professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
— Não há, absolutamente, nenhum determinante de que os filhos de policiais sejam assassinos em potencial. Além disso, as armas de brinquedo ou as espadas de uma criança são instrumentos para ela lidar com a formação do mundo.
A discussão sobre a influência de brincadeiras violentas sobre uma criança voltou à tona com o caso da chacina de uma família de policiais militares, nessa semana, em São Paulo.
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As polícias Civil e Militar apontam o adolescente Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, de 13 anos, como o autor do crime. Ele é descrito, por familiares e amigos, como um garoto tímido, calmo, caseiro, apegado aos familiares e fã de games violentos e de armas de brinquedo. Segundo o delegado Itagiba Vieira Franco, da Divisão de Homicídios, foram encontradas diversas armas de brinquedo e de pressão no quarto do garoto.
— No quarto dele, nós encontramos uma grande quantidade de armas de brinquedo. Ele teve a capacidade, talvez espelhando-se no pai, de montar um colete artesanal, de papelão, tipo escudo do choque. E também um tipo de coldre, de ombro, que ele montou inteiro, com fitas e com papelão, com lugar para pôr a arma.
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Segundo o psicanalista, a criança precisa saber lidar com a violência contemporânea, e ela faz isso a partir dos jogos e brincadeiras.
— A criança precisa destruir e recriar o mundo, ou seja, fazer desaparecer aquilo que ela não quer. Brincar com instrumentos simbólicos do que significa a morte faz parte da evolução normal e saudável de toda criança. É bem diferente de ter acesso a uma arma de verdade e praticar tiros com uma arma real.
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Montoto reforça que estimular a brincadeira com a violência não significa estimular a violência real, uma vez que duas crianças que brinquem com jogos violentos podem ter posturas diferentes diante da vida.
Para o psicoterapeuta familiar Paulo Tessarioli, não é possível culpar os games por crimes.
— Culpar o videogame é fazer uma leitura muito rasa, não podemos falar que foi isso que influenciou. Existem outros elementos, a personalidade do adolescente, a trajetória de vida que podem influenciar muito mais do que esse cenário [jogar games].
O fato de Marcelo Eduardo ser filho de policiais militares fez com que o garoto convivesse com um discurso de violência, uma vez que ela faz parte do vocabulário deles, mas isso não deixa o adolescente mais predisposto a ser uma pessoa violenta, afirma o psicanalista Montoto.
— Não há, na psicanálise ou na psicologia, uma equação que mostre que um filho de policial será violento.
Marcelo Eduardo era filho único do casal de policiais militares Luís Marcelo e Andréia Pesseghini, e foi encontrado morto junto com os pais, com a avó e com uma tia-avó. Na versão da polícia, ele se suicidou cerca de 12 horas depois. Familiares, porém, não acreditam na versão apresentada pela polícia. Um parente, que não quis ser identificado, disse que o menino seria “incapaz” de cometer os crimes.
— Uma criança doce, superinteligente, incapaz de fazer mal a qualquer ser humano.
Irmão de Luís Eduardo, Fábio Pesseghini acredita que o sargento reagiria.
— Isso não existe [versão de que menino matou]. Um cara que tem 20 anos de polícia não ia deixar ser atingido por uma criança.
Marcelo Eduardo era considerado um bom aluno na escola particular onde estudava, na zona norte da capital. Pelo Facebook, uma professora dele fez um desabafo. "Está sendo muito difícil... uma dor que não se explica... dei aula para ele hoje, conversei, brinquei, dei risada, dei um abraço tão gostoso... e agora... acabou”, escreveu ela, após saber da notícia.