Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Publicidade

Em vigília há mais de uma semana, grupo mantém vivo o sonho do Parque Augusta

Última área verde na região central de São Paulo corre o risco de virar prédios

São Paulo|Fernando Mellis, do R7

Grupo se divide para organizar tarefas no acampamento
Grupo se divide para organizar tarefas no acampamento Grupo se divide para organizar tarefas no acampamento

A rotina já é de um parque. O entra e sai de pessoas para caminhar, passear com cachorros ou para simplesmente ter um contato com a natureza é intenso no terreno da rua Augusta, entre as ruas Caio Prado e Marquês de Paranaguá. Há 11 dias, um grupo de pessoas decidiu acampar lá. Dizem que o portão estava aberto naquela ocasião. Após isso, os moradores puderam voltar a frequentar o espaço do tão sonhado Parque Augusta, que havia sido fechado no fim de 2013.

Cercado de prédios em uma das regiões mais valorizadas da cidade de São Paulo, o terreno de 25 mil m³ é o último espaço verde no centro e pertence a duas grandes construtoras. Dias após o prefeito Fernando Haddad (PT) sancionar a Lei 15.941, que prevê a criação do parque, os portões foram trancados e assim ficaram por mais de um ano, até o último dia 17.

Naquele sábado, integrantes do Movimento Parque Augusta dizem ter aproveitado um descuido dos seguranças para retomar a luta pela desapropriação da área. As incorporadoras Cyrela e Setin entraram na Justiça e conseguiram um mandado de reintegração de posse que pode ser cumprido a qualquer momento.

O acampamento

Publicidade

Desde que as barracas foram montadas, cerca de 20 pessoas se dividem no acampamento, intitulado de vigília criativa. As tarefas diárias ficam bem detalhadas em um quadro. Uma das mais sérias é a limpeza, como conta a estudante Camila Cavicchioli.

— Essas pessoas estão indo e voltando, conciliando com trabalho, rotina, mas estão sempre aqui ativas. Quando nós entramos, tinha muito entulho, lixo. Limpamos tudo e agora estamos mantendo tudo em ordem.

Publicidade

No último domingo (25), um bloco de Carnaval levou milhares de pessoas ao parque. Camila destaca que não é o tipo de evento ideal, já que a área precisa ser preservada, mas diz que a experiência foi positiva.

— Não teve qualquer problema. O pessoal veio, curtiu e foi embora. Fizemos um mutirão de limpeza e separamos o lixo reciclável. Agora, a gente vai procurar alguma cooperativa para dar a destinação correta.

Publicidade

Os trabalhos diários vão além da organização. Diante de uma suspeita de crime ambiental, o grupo agora tem a preocupação em avaliar eventuais danos à vegetação que tenham ocorrido no tempo em que o espaço ficou fechado. Paula Chiaretti fala em crime ambiental.

— Tinham árvores misteriosamente caídas aqui e ninguém sabe de nada. Nós chamamos biólogos para verificar todas.

Vizinhos aproveitam a reabertura do local para passear com cães
Vizinhos aproveitam a reabertura do local para passear com cães Vizinhos aproveitam a reabertura do local para passear com cães

A vizinhança

A vigília se mantém forte graças às doações de vizinhos que apoiam a iniciativa. O grupo recebe diariamente mantimentos. Enquanto passeava com o cachorro, a aposentada Célia Kuster disse que concorda com essa forma de protesto.

— Fez uma falta danada esse tempo que ficou fechado, principalmente para os bichinhos. Todo mundo engordou. Eu apoio muito a presença do pessoal aqui, porque, se sair, eles fecham de novo. Uma área dessas não dá para ficar sem uso.

Após ver que as pessoas estavam voltando a frequentar o local nos últimos dias, Lucila Silvestre não pensou muito e tirou o cachorro de dentro do apartamento para um passeio.

— É a segunda vez que eu venho. Moro aqui na esquina há 15 anos. Antes de fechar eu vinha todos os dias. Em São Paulo, não existe um lugar desses. É um absurdo fazer torre aqui, é um crime.

A luta

Não é de hoje que moradores do centro querem um parque naquele terreno. A luta se intensificou nas últimas duas décadas. O terreno já sediou o colégio Des Oiseaux e é tombado – a vegetação e os muros. Mas isso não foi suficiente para afastar o interesse do mercado imobiliário. A advogada Célia Marcontes, presidente da Samorcc (Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro Cerqueira Cesar), pressiona vereadores e o Executivo municipal desde 2001 e pensou que a vitória viria com a aprovação da lei que cria o Parque Augusta, em 2013.

— Comemoramos isso como um presente para a cidade de São Paulo. Logo depois, vimos que a gente recebeu uma bela caixa vazia por dentro. E aí nós pressionamos o prefeito para que desaproprie o terreno, porque não queremos que o proprietário tenha prejuízo.

Célia ainda diz que a lei de nada adianta se não há interesse das autoridades em cumpri-la.

— Se nós tivéssemos tratando de gente séria, decente, cumpridora das suas obrigações, esse parque já estaria desapropriado. Ali não cabe mais construção. Aliás, não tem mais água para construir. A situação é desesperadora. Só o prefeito que não entendeu isso.

Movimento quer que permaneça liberada uma passagem no terreno ligando as ruas Marquês de Paranaguá e Caio Prado
Movimento quer que permaneça liberada uma passagem no terreno ligando as ruas Marquês de Paranaguá e Caio Prado Movimento quer que permaneça liberada uma passagem no terreno ligando as ruas Marquês de Paranaguá e Caio Prado

O projeto

O terreno, avaliado em mais de R$ 70 milhões, era do ex-banqueiro Armando Conde e foi recentemente adquirido pelas incorporadoras Cyrela e Setin. O projeto delas é erguer três torres mistas, de escritórios e apartamentos. A promessa é de que a área de Mata Atlântica será mantida aberta ao público. Quem é contra alega que a região não suporta mais grandes empreendimentos e que as obras impactariam diretamente no ecossistema que existe no local.

As notícias ruins para os defensores do Parque Augusta chegaram logo no começo do ano. As incorporadoras conseguiram pareceres favoráveis da Secretaria do Verde e Meio Ambiente e do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental) para construir as torres. Mas ainda há outros documentos que precisam ser obtidos antes do início das obras.

Célia diz que o “fantasma dos prédios” nunca esteve tão presente. Mesmo assim, ela e todos os apoiadores do Parque Augusta garantem que não deixarão de lutar pelo que acreditam ser o melhor para a cidade. 

Procurada pelo R7, a Prefeitura de São Paulo diz que não tem dinheiro para desapropriar o terreno, mas que fiscaliza de perto o cumprimento das exigências para a construção das torres no local, especialmente a questão ambiental. O Executivo ainda acrescenta que o parque será mantido em 67% da área e aberto ao público.

Moradores lutam para que última área verde do centro de SP não seja alvo de especulação imobiliária

Últimas

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.