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"Eu me culparia pelo resto da vida se visse uma pessoa morrer queimada", diz motorista que salvou passageira

Ônibus que ele dirigia foi atacado em 2012; condutor retirou deficiente física do veículo

São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7

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Alves ainda carrega marcas das queimaduras que sofreu
Alves ainda carrega marcas das queimaduras que sofreu

Vinte e um de agosto deixou de ser uma data qualquer para Jefferson Alves da Silva, 33 anos, desde o ano de 2012. Motorista da linha São Miguel — Guaianases, na zona leste da capital paulista, ele fazia a última viagem daquele dia, quando, ao parar no ponto por volta das 21h, adolescentes invadiram o ônibus e atearam fogo no veículo. Havia, aproximadamente, 20 passageiros. Em pânico, o cobrador pulou a janela. Todos correram. Alves teve dificuldade para se desvencilhar do cinto de segurança.

No momento em que se preparava para também deixar o carro, viu que havia uma deficiente física caída no chão do coletivo. A mulher, que tem a mesma idade que ele, possuía dificuldade de locomoção e usava muletas. O motorista não teve dúvidas. Precisava pensar rápido e não vacilou: retirou a vítima do local. Em aproximadamente dois minutos, as chamas consumiram o ônibus.


— Eu a abracei e a levei para fora. Quando tirei a mulher, caí para dentro do carro de volta. Tive que me abaixar, passar a mão no piso, até que achei os degraus e saí. Ela falava que estava queimada e eu a socorri. Queimou a coxa, a batata da perna e o pescoço. Só depois que reparei que eu estava queimado também. Não havia como deixá-la para trás. 

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Alves teve 12% do corpo afetado. Foram queimaduras de 2° e 3° graus no braço direito e no rosto. Passou por cirurgia, precisou ficar 15 dias internado no hospital e quatro meses afastado do trabalho. Hoje, atua na mesma linha, mas pediu para mudar de horário. Agora, seu turno é diurno. Em um tom de desabafo, ele falou ao R7 que se sente atuando em uma “profissão de risco”.

— A partir do momento em que saímos da garagem, não sabemos o que vai acontecer. Estamos expostos a tudo. Trabalhamos com medo, inseguros. E não é só a minha segurança. Eu, como profissional, tenho que pensar em quem está ao meu redor. Carregamos idoso, criança, gestante, todo tipo de gente. E se numa dessa ninguém consegue sair? Como vai ser? Será que estão esperando acontecer uma fatalidade maior para ver se tomam providência?


Coletivos na garagem da VIP AE Carvalho, queimados durante ataques
Coletivos na garagem da VIP AE Carvalho, queimados durante ataques

Questionado sobre como agiria se tivesse que vivenciar um novo ataque, respondeu que não saberia qual seria sua reação em relação aos criminosos.

— Se entrar um rapaz e falar que vai atear fogo, não sei se vou me atracar com ele. A verdade é essa, não sei o que vai passar pela minha cabeça.

O motorista contou que não passou por tratamento psicológico e disse que retomou suas atividades por amar o que faz.

— Muita gente me pergunta: “Como você consegue trabalhar?” Acho que é o amor à profissão, às pessoas. Acho que é isso que me motiva.

Ele afirmou que não considera heroico o ato de ter salvado a passageira e, tímido, justificou, alegando que é muito prazeroso poder ajudar o próximo.

— Eu me culparia pelo resto da vida se visse uma pessoa morrer queimada. Não me considero um herói. Acho que qualquer um faria o mesmo.

Reencontro

Cerca de um ano depois do episódio, Alves reviu a passageira que salvou. O reencontro foi ocasional.

— Ela pegou ônibus comigo. Foi muito gratificante ver que ela está bem. E ela ainda me falou assim: “Você se lembra quando me socorreu? Meu cabelo estava pegando fogo e você apagou.” Eu falei que não me lembrava disso. Acho que foi tanta coisa que não me lembro. Demos risada, choramos.

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