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O R7 esteve, na noite da última quinta-feira (11), na casa de Fabiane Maria de Jesus, que morreu três dias após ser vítima de um espancamento coletivo há pouco mais de um ano no bairro de Morrinhos, Guarujá, litoral de São Paulo.
Quem recebeu a reportagem foi o marido de Fabiane, o porteiro Jaílson Alves das Neves, de 41 anos, suas duas filhas, Ester, de dois anos, e Yasmin de Jesus Neves, de 14 anos, o advogado da família, Airton Sinto, e outros parentes.
A casa tem um clima animado por causa da quantidade de crianças, todas parentes, que entram e saem o tempo todo. A alegria delas espanta a tristeza, mas não esconde cada olhar marejado e voz embargada dos membros da grande família de Fabiane, que ocupam metade das casas da rua onde moram, no mesmo bairro onde aconteceu o crime.
Veja nas imagens a seguir a história da família que ainda está aprendendo a conviver com a ausência de FabianeDaia Oliver/ R7
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No canto da sala fica um porta-retrato trincado escrito “Mãe, você é o maior presente da minha vida”, com uma foto de Fabiane sorrindo. Aquilo é uma das poucas coisas que lembram fisicamente a dona de casa.
Um pouco antes de completar um ano da morte da mulher, em 5 de maio deste ano, Jaílson finalmente conseguiu doar as roupas e outros pertences delaDaia Oliver/ R7
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O porteiro contou, com um ar de coragem, como foi a experiência de se desvencilhar das roupas da mulher.
— Minha prima disse que precisavam de doações no Norte. E eu mesmo que separei todas as roupas dela sozinho. Não sobrou nada. Só fotosDaia Oliver/ R7
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Jaílson assumiu toda a responsabilidade da casa. Para cuidar das meninas enquanto trabalha, o porteiro conta com a ajuda da mãe, que é vizinha dele.
— Chorei muitas vezes escondido para me manter forte para a minha família. Agora sou pai e mãe. A presença de uma figura materna faz muita faltaDaia Oliver/ R7
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Jaílson relembrou como ficou sabendo do linchamento. Na casa de uma prima, às 19h30, ele viu a imagem de Fabiane espancada e ensanguentada no Facebook.
— Eu voltava de férias naquele dia. A Fabiane foi me visitar. Tinha uma festa dos aposentados acontecendo na colônia de férias em que eu trabalho. Ela entrou, dançou com os idosos, e foi embora. A imagem da minha mulher toda machucada mal tinha aparecido na tela do computador e eu já tinha reconhecido seu rosto. Não consegui nem chorar. Fiquei em choque. Não conseguia acreditar.
A dona de casa estava muito machucada. Moradores da região a haviam confundido com uma suposta sequestradora de crianças que praticava magia negra. Com pauladas, chutes, socos e até atropelamento com bicicleta deixaram a dona de casa sem prognóstico positivo de melhora.
— O médico me avisou que ela não tinha muitas chances. Mas foi no segundo dia de internação, quando fui visitar ela na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), que senti que ela iria nos deixar. Sabe como é, a gente sente.
Fabiane morreu um dia depois da visita do marido, deixando uma filha com poucos meses de vida e outra adolescente de 13 anosDaia Oliver/ R7
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Fabiane acabava de sair de uma crise severa de bipolaridade. Com remédios controlados, a dona de casa tentava melhorar para cuidar de sua filha pequena que, havia três meses, estava sob cuidados de sua sogra. Jaílson conta que, no dia do linchamento, ela estava excepcionalmente bem. Tinha retomado a vontade de viver e estava disposta a recomeçar a vida após se recuperar da crise, que não dava as caras havia mais de seis anos. Veio severa, porém estava controlada. O cabelo recém-descolorido era uma espécie de mudança radical para começar a nova etapa da vida.
— Ela me visitou no trabalho, visitou uma amiga e depois foi até a igreja que ela frequentava buscar uma Bíblia que ela tinha muito ciúmes por ser um presente de um primo. Não entendo até hoje como confundiram a Bíblia com um livro de magia negraDaia Oliver/ R7
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Jaílson conta que, na contracapa do livro, tinha o nome de Fabiane e o telefone para contato, caso ela o perdesse.
O livro foi rasgado pelos agressores, mas, por sorte, recuperado por uma conhecida e devolvido a JaílsonDaia Oliver/ R7
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A família, bastante pobre, se viu diante de um ente querido precisando de cuidados especiais e sem condições de promover isso. Foi quando acionaram o advogado Airton Sinto para ajudar a conseguir uma vaga de UTI em algum hospital.
— Eu não tinha ideia do que tinha acontecido quando recebi a ligação da família pedindo ajuda para conseguir uma vaga no Hospital Santo Amaro. Eu só soube no dia seguinte a causa da internação, quando os vizinhos me mostraram as imagens. Foi uma situação chocante, inexplicável e inadmissível.
A partir desse momento, Airton, que já era amigo da família, assumiu o caso e começou uma caçada atrás das pessoas que apareciam no vídeo agredindo FabianeDaia Oliver/ R7
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O vídeo e as fotos do espancamento estão disponíveis na internet para quem quiser ver. Jaílson conta que não é fácil e que não vê mais as imagens.
— Já vi o vídeo e as fotos, mas hoje em dia nem olho mais. Fica gravado na nossa memória. Não preciso ficar remoendo as cenas.
A filha mais velha, Yasmin de Jesus Neves, de 14 anos, é uma típica adolescente. Fã dos “vloguers” (blogueiros de vídeo), a jovem tem seu próprio canal de vídeos e sonha em ser atriz. A proximidade da menina com o mundo virtual, no qual está a um clique das imagens de sua mãe espancada e ensanguentada, deixa Jaílson preocupado, mas ele tem a esperança de que ela não acesse esse material.
— Eu não toco muito no assunto. Ela também não entra para ver esses vídeos. Ela se ocupa com outras coisasDaia Oliver/ R7
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Yasmin mostra um cartão que deu para Fabiane em um Dia das Mães e ela respondeu com uma mensagem de carinho que dizia: "Eu sempre te amei e nunca deixarei você por nada princesa. Te amo. Fabi, sua mãe"
Daia Oliver/ R7
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A camareira Andressa de Oliveira Gino, de 24 anos, sobrinha e amiga íntima da vítima, é uma das mais emocionadas quando relembra os momentos com a tia.
— Ela era minha amiga, minha confidente. Tive que me controlar para não fazer uma besteira na época. Ela sempre cuidou dos meus filhos, então eu preciso estar aqui e forte para cuidar dos delaDaia Oliver/ R7
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A sobrinha Andressa mostra uma foto, na qual Fabiane aparece com a blusa em que estava no dia do espancamento
Daia Oliver/ R7
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A família não usa a palavra superação, apesar de não saberem que é isso que transmitem. Para eles, o que está acontecendo é um aprendizado, no qual todos da casa estão conhecendo formas de viver sem Fabiane.
Cinco suspeitos da morte da dona de casa irão enfrentar o júri popular nos próximos mesesDaia Oliver/ R7