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Guaranis da zona norte de São Paulo podem ser expulsos de área indígena

Funai reconheceu espaço em 2013; dono reivindica terreno e chama índios de "desocupados"

São Paulo|Caroline Apple, do R7

Guaranis foram chamados de "ridículos" pelo dono do terreno
Guaranis foram chamados de "ridículos" pelo dono do terreno

Eu nunca tinha visto índio de perto, tirando uma vez em um evento literário que eles estavam lá, tipo atração. Me senti envergonhada por nunca ter presenciado o sofrimento desse povo, principalmente porque eu não precisaria ir para o Xingu ou para Amazônia para isso, bastava eu ir ao Jaraguá, na zona norte de São Paulo, onde moram quase 1.000 índios Guaranis.

Esses índios moram em duas aldeias, Tekao Ytu (aldeia na frente da montanha) e Tekoa Pyau (aldeia nova), que começam a entrar em colapso por causa do crescimento da população, colocando em risco toda a cultura e tradição do povo Guarani.

E, para piorar o cenário, um território definido pela Funai (Fundação Nacional do Índio), por meio de um laudo antropológico, como área indígena, que poderia ajudar a perpetuar as tradições desse povo, como a plantação e a medicina natural, está sob o risco de reintegração de posse. Mas para oficializar a demarcação e garantir a manutenção da aldeia é necessário uma "canetada" do Ministério da Justiça e a sanção da presidência para, enfim, os Guaranis conseguirem nadar contra a maré do capital e viver uma vida sustentável e que valorize a natureza.

Para muita gente, ouvir isso soa piegas, o que ressalta ainda mais a necessidade de conhecê-los de perto para ver se a escassa empatia apareça e eles ganhem novos aliados na causa indígena que, sozinhos, aparenta estar perdida.


Veja como vivem os índios que estão com a cultura ameaçada em SP

O cacique Ari Augusto Martins contou ao R7 como uma área de mais de 700 hectares pode mudar a vida dos guaranis do Jaraguá, que hoje vivem na menor área indígena demarcada do País, com 1,7 hectares, menor que dois campos de futebol.


— Estamos perdendo nossa cultura por falta de espaço. As crianças não sabem plantar, não sabem nadar e muitas têm medo de entrar na mata. Nossas tradições estão indo embora. O que queremos é apenas um pedaço de terra para produzir o que o índio produz, que não é prédio, é batata doce, mandioca. Ninguém aqui corta uma árvore sem necessidade. Queremos ajudar a preservar essa área, que é nossa, antes que aterrem tudo e construam condomínios ou plantem eucalipto até o solo secar.

Os Guaranis entraram no território em 2014, após um grupo de "caris" (homens brancos) ser retirado por meio de uma reintegração de posse. O lugar virava, aos poucos, uma favela. A área ganhou dos índios o nome de Itakupe (aldeia atrás das pedras). O local fica a poucos quilômetros das aldeias onde vivem há mais de 40 anos.


Agora, sobrou um pouco de lixo e bastante entulho da invasão, que os Guaranis pretendem retirar para começar a construir suas casas.

O dono do terreno é Antônio Tito da Costa, de 92 anos, advogado e político de São Bernardo do Campo, Grande SP. Nos autos do processo, ele justificou a reintegração de posse com adjetivos considerados pelos índios e seus apoiadores "preconceituosos" e "racistas".

No texto, o advogado alega que os índios "se instalaram na área recorrente por mero capricho" e que lá "nada produzem".

E chegou a chamar os Guaranis de ridículos e desocupados, como no trecho da ação, no qual ele diz que "tais invasores, às vezes ridiculamente fantasiados com cabeças de vaca e arco e flecha para intimidar eventuais pessoas que se aproximam da área, poucos homens desocupados e mulheres idem, que nada produzem no espaço invadido, ao qual chegaram agora, e nunca fora tradicionalmente ocupada com atividade produtiva”.

Dimitri Brande de Abreu, chefe de gabinete da Procuradoria Regional da 3ª Região, afirma que o caso está na Justiça e ainda há recursos a serem analisados e realizados.

— A liminar para derrubar a reintegração de posse foi indeferida, mas ainda está em análise o recurso de agravo, que pode suspender a ordem de reintegração. Mesmo que não seja acatado, ainda podemos recorrer em outras instâncias até o STF (Superior Tribunal Federal).

Cacique espera manter a cultura Guarani
Cacique espera manter a cultura Guarani

Funai é uma piada, diz dono do terreno

Antônio Tito da Costa conversou com o R7 e afirmou que não existe demarcação indígena em suas terras, e sim um laudo antropológico “unilateral” e, sendo assim, tudo não passa de um “grande equívoco”.

— A Funai é uma piada. Fizeram um laudo que está sujeito a aprovação do Ministério da Justiça e que, até hoje, não foi aprovado. Tudo não passa de uma especulação doutrinária histórica, que vem desde 1.500. Se depender da Funai a praça da Sé também deveria ser demarcada.

Costa se defende das acusações de preconceito e racismo e deixou claro sua opinião sobre o grupo indígena que tenta se estabelecer na sua propriedade, adquirida, segundo o advogado, em 1947.

— Os índios estão lá, alvoroçados. Meia dúzia de índios desocupados. Porque há um acampamento de índios próximo dali. Lá eles recebem cesta básica, ajuda do Estado. E tem uma mulherada barriguda dançando pra lá e pra cá. Criança suja. Não fazem nada, mas vivem lá. E agora querem invadir outras áreas para continuar não fazendo nada.

O advogado rebate os argumentos da Funai e dos Guaranis, que se apoiam no artigo 231 da Constituição Brasileira, que fala sobre a proteção da cultura e costumes indígenas.

— Estive em uma reunião com a Funai, na qual citaram o artigo 231. Eu mandei eles lerem o artigo novamente. As terras têm que ser tradicionalmente ocupadas por índios e por eles habitadas permanentemente. Nunca houve um índio lá. Se um dia teve aldeia indígena no Jaraguá como eles dizem, isso foi em outros tempos. Isso acabou. Que brincadeira é essa?

E quanto ao destino da área, Costa se diz vítima de preconceito por parte dos índios, porque nunca cogitou a ideia de construir prédios de luxo no local como, segundo ele, tem sido falado pelos Guaranis e seus apoiadores.

— São uns idiotas ignorantes. Lá é uma área rural. Eu pago imposto rural. A área é Zepam (Zonas Especiais de Proteção Ambiental), portanto é muito difícil construir alguma coisa por lá. Mas essas zonas estão sofrendo alterações e, por isso, temos projetos para fazer um aproveitamento melhor da área, sempre mantendo a preservação ambiental. Temos plantação de eucaliptos há muitos anos lá.

De acordo com Costa, nesta quarta-feira (22), haverá uma reunião entre a Polícia Militar e o oficial de Justiça responsável pela desocupação.

— Eu estarei presente na reunião. Estou tranquilo. Temos uma ordem judicial que vamos cumprir e tirar os índios de lá. Área demarcada de índio é no Mato Grosso do Sul, não aqui.

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