Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Publicidade

"Há um ano, um presidenciável morria no meu quintal": moradores relatam disputas e traumas após acidente 

Quarteirão onde aeronave de Eduardo Campos caiu, em Santos, ainda passa por reconstrução 

São Paulo|Caroline Apple, do R7

Imagens mostram o antes e o depois dos terrenos onde o avião de Eduardo Campos caiu em agosto de 2014
Imagens mostram o antes e o depois dos terrenos onde o avião de Eduardo Campos caiu em agosto de 2014 Imagens mostram o antes e o depois dos terrenos onde o avião de Eduardo Campos caiu em agosto de 2014

Não são só as famílias do presidenciável Eduardo Campos e das outras seis pessoas que morreram no dia 13 de agosto de 2014 que buscam respostas sobre o acidente. Depois da queda do jato particular que levava Campos e sua equipe para uma agenda de campanha no Guarujá, litoral de São Paulo, os moradores do Boqueirão, em Santos, que tiveram suas casas atingidas pela aeronave, convivem com a angústia, os medos e as dificuldades para reconstruir os imóveis e até mesmo suas próprias vidas.

A reportagem do R7 esteve, na última semana, no local do acidente, que completa um ano nesta quinta-feira (13). O clima pacato da rua Hahia de Abreu e suas imediações ganha novas nuances quando comparado às imagens de destruição amplamente divulgadas, nas quais peças de avião e corpos se misturavam. Existe um fardo naqueles terrenos, que não deixará de existir tão cedo. Entre as pessoas que convivem com esse peso, há aquelas que tomam remédios para dormir e aquelas que tentam demonstrar normalidade, mesmo que seus depoimentos as contradigam.

Tudo ainda é novo. As estruturas das casas começaram a ficar prontas há pouco tempo e ainda dividem espaço com muros quebrados e reformas inacabadas. A academia afetada pela queda reabriu as portas há um mês, mas uma das piscinas ainda está sem acabamento e o dono luta para trazer seus quase 800 alunos de volta. Quem olha o estabelecimento custa a acreditar que há um ano o local estava repleto de fragmentos. Saber desse fato faz com que quem esteja ali reconstrua na imaginação aqueles momentos de terror. É inevitável.

Pensar que ninguém em terra se feriu vira um desafio lógico. Tantos prédios, casas e pessoas e o avião caiu justamente em um espaço aberto e não se chocou com nenhum edifício. Para os religiosos, um milagre. Para os céticos, pura sorte.

Publicidade

A busca implacável por respostas faz com que alguns moradores apelem para versões conspiratórias sobre o acidente. Por que o avião não explodiu? Por que nenhum corpo estava inteiro? Será que a aeronave foi derrubada? Vale tudo para encontrar algo que tire a angústia e traga explicações sobre aquele fatídico dia. É como se esses esclarecimentos tivessem o poder de afastar o medo que ficou, em maior ou menor grau. Talvez haja a esperança de que essas respostas atenuem os traumas e façam até mesmo o médico suspender a medicação para dormir.

Cenipa não tem prazo para concluir investigações de acidente que matou Campos

Publicidade

Veja imagens inéditas da destruição causada pelo acidente de Eduardo Campos

Moradores de Santos contam o que faziam quando Eduardo Campos morreu

Publicidade

Apesar de a reconstrução pessoal ser dolorosa, reconstruir os lares e a academia destruída também deu e — continua dando — trabalho para alguns dos envolvidos. O imbróglio sobre quem poderia se responsabilizar pela aeronave fez com que apenas dois moradores aceitassem acordos sigilosos. A dona de uma das casas recebeu uma quantia do seguro, porém gastou mais que o dobro na reforma do imóvel. E o dono da academia segue tentando na Justiça o direito de receber uma indenização, inclusive pelo tempo que passou de portas fechadas. As batalhas judiciais ganham novos contornos todos os dias. O que permanece intacto é o sentimento de abandono, seja ele financeiro ou emocional. Os moradores acreditam que mereciam mais.

Conheça algumas histórias de quem viveu de perto a tragédia:

O aposentado Jean Monteux mostra a reforma do seu quintal, onde o avião de Eduardo Campos caiu
O aposentado Jean Monteux mostra a reforma do seu quintal, onde o avião de Eduardo Campos caiu O aposentado Jean Monteux mostra a reforma do seu quintal, onde o avião de Eduardo Campos caiu

"Fiquei isolado"

O arquiteto aposentado Jean Jacques Monteux viu o seu arborizado quintal com piscina ser reduzido a entulho no dia do acidente.

Monteux conta que estava no escritório quando ouviu um "assobio muito forte".

— Saí [do escritório] e vi um monte de peças pegando fogo. Peguei a mangueira de quintal e tentei apagar as chamas. Quando andei pelo corredor, notei um incêndio grande no prédio ao lado, que tomou toda a minha atenção. Demorei alguns minutos para notar que tinha um avião enterrado no quintal e que todos os muros tinham desabado. Poucos tempo depois, os bombeiros me tiraram da casa e passei três dias em um hotel. Minha casa ficou aberta e com todos os vidros quebrados.

O aposentado mostra como era o fundo da casa que foi destruído
O aposentado mostra como era o fundo da casa que foi destruído O aposentado mostra como era o fundo da casa que foi destruído

O aposentado é um dos personagens que tentam levar a história de uma forma mais leve. Porém, há detalhes que provam que o fato está vivo e o acompanha. No quintal, sob uma estrutura de madeira, uma pasta branca onde está escrito Cessna (nome do modelo do avião que caiu) é o local escolhido para guardar recortes de jornais e documentos referentes ao acordo judicial que fez com os donos da aeronave. Em relação ao dinheiro que recebeu, o aposentado não entra em detalhes. O sigilo faz parte do acordo.

O fundo da casa não tem mais piscina, que era a alegria dos netos do aposentado. O motivo da decisão de tirar a área de lazer Jean prefere não divulgar. Na terra ainda não há plantas e os muros brancos dão uma estranha tranquilidade ao lugar que, há um ano, era um cenário de destruição.

O que o aposentado sente hoje é a sensação de ausência. Alguns vizinhos se foram e a rotina ainda não foi restabelecida. 

— A academia que tinha falatório e música reabriu há um mês. Meus vizinhos se mudaram. Ficou só o André [que também teve parte da casa destruída]. Um vazio total.

O aposentado Celso conta que sofre por não conseguir comprovar todos os danos causados em seu imóvel
O aposentado Celso conta que sofre por não conseguir comprovar todos os danos causados em seu imóvel O aposentado Celso conta que sofre por não conseguir comprovar todos os danos causados em seu imóvel

"Me sinto abandonado"

O aposentado Celso Luiz Vancsek não imaginava que a perna quebrada em um atropelamento provavelmente o ajudaria a sobreviver.

Celso conta que meses antes da queda do avião foi atropelado na porta do prédio onde mora. Após passar meses de cama, no dia do acidente, o médico marcou a retirada do gesso. E foi exatamente enquanto estava fora que tudo aconteceu.

— Eu tinha passado os últimos meses no quarto, onde eu ficava com meus quatro cachorros o dia todo na cama. Quando saí para ir ao hospital, o avião caiu e meu quarto pegou fogo. Se eu estivesse em casa teria morrido, com certeza.

Celso mostra uma foto do seu quarto que ficou chamuscado
Celso mostra uma foto do seu quarto que ficou chamuscado Celso mostra uma foto do seu quarto que ficou chamuscado

Assim que chegou do hospital, o aposentado entrou em desespero e chegou a agredir um bombeiro com a muleta para conseguir chegar até o seu apartamento e checar se os animais estavam bem.

— Foi uma baixaria. Mas a baixaria maior viria depois com o abandono psicológico e social que tive. O prefeito deu isenção de IPTU para os moradores e depois tirou o benefício. Entrei na Justiça para entender os motivos. Até agora não sei.

Além do problema com o imposto, o aposentado afirma que não conseguiu ressarcir boa parte dos danos, que a perícia alegou não ter sido causada pela queda do avião.

— Não tenho como provar porque meu celular, onde estavam as imagens, quebrou. Estou desamparado e reformando o que eu posso na medida do possível.

Celso só consegue dormir se tomar remédios. O trauma foi grande e ele teme que volte a acontecer.

— Há um ano, um presidenciável morria no meu quintal. Tenho pânico. Não é todo dia que um avião cai na sua casa.

A decoradora Zuleika carrega muitos traumas da queda do avião, que destruiu sua casa dos sonhos
A decoradora Zuleika carrega muitos traumas da queda do avião, que destruiu sua casa dos sonhos A decoradora Zuleika carrega muitos traumas da queda do avião, que destruiu sua casa dos sonhos

"Tenho medo de tudo"

A decoradora Zuleika Saibro é uma das pessoas mais traumatizadas com o acidente com as quais o R7 conversou.

Zuleika toma remédios para dormir desde que o estrondo da queda do avião a acordou naquele 13 de agosto.

— Parecia que a casa estava desabando. Eu não sabia o que estava acontecendo. Antes do acidente, eu não tinha medo de nada, hoje eu tenho medo de tudo.

Parte da estrutura da casa foi alterada para atenuar o trauma e evitar que toda vez que Zuleika saísse no quintal recordasse o acidente. Entre as mudanças está a troca da antiga janela por uma porta de correr e as cores do revestimento da piscina também foram mudadas. Detalhes aparentemente sutis, mas que têm ajudado a decoradora a esquecer ao máximo aquele dia.

Parte do muro onde bateu a asa ainda está destruída
Parte do muro onde bateu a asa ainda está destruída Parte do muro onde bateu a asa ainda está destruída

A reconstrução da casa aconteceu, mas custou mais que o dobro do que o seguro pagou, cerca de R$ 17 mil. A decoradora calcula que tenha gasto R$ 50 mil na pintura, troca de janelas, reposição de vidros entre outras reformas. E ainda há obras por fazer, como a reconstrução de parte do muro, onde a asa do avião bateu. Um dos quartos afetados pela queda não recebe a visita de Zuleika desde o dia do acidente.

— Mas mesmo assim [com as mudanças] eu lembro do acidente. É só ouvir o barulho de um avião que eu saio correndo para fora. Até barulho de ambulância e chuva forte me apavoram.

Bastante emocionada e com a voz embargada, Zuleika pede desculpas à reportagem por não conseguir segurar as lágrimas ao relembrar os momentos de pânico que passou e tudo o que aquela data ainda representa em sua vida. Inclusive, o barulho, o qual ela compara ao de uma "bomba explodindo", afetou sua audição.

Mesmo com tantos traumas, a decoradora fez de tudo para ficar na casa por ser o "imóvel que sempre sonhou", mas assume que mudar ainda é uma opção.

— Por mim eu já teria mudado. Tudo aqui lembra o acidente. Lembro das peças do avião espalhadas pelo quintal. O cheiro forte de combustível ficou dias na casa. Tudo me traz recordações ruins.

Juarez mostra um pedaço da aeronave encontrado dentro da sua academia destruída pelo acidente
Juarez mostra um pedaço da aeronave encontrado dentro da sua academia destruída pelo acidente Juarez mostra um pedaço da aeronave encontrado dentro da sua academia destruída pelo acidente

"Quero reconstruir minha academia"

Benedito Juarez Câmara é o dono da academia Mahatma, que teve grande parte da estrutura completamente destruída com a queda do avião. 

Durante a visita da reportagem, Juarez, como é mais conhecido, recebia a visita de duas arquitetas da capital, que serão as responsáveis pelo novo projeto arquitetônico e decorativo do local, que reabriu no dia 12 de julho deste ano.

Juarez conta que não estava no local na hora do acidente, mas relembra como foi o momento em que entrou na academia pela primeira vez.

— A sensação que eu tinha é que eu estava na Faixa de Gaza. Me lembro bem de ter visto um tênis azul e, pendurado em um dos equipamentos, a bolsa de equipamento do fotógrafo, que tinha oito lentes completamente moídas. Era como se alguém tivesse colocado propositalmente a bolsa ali.

Antes e depois da academia atingida pela aeronave
Antes e depois da academia atingida pela aeronave Antes e depois da academia atingida pela aeronave

Além dos objetos, o empresário não consegue se esquecer dos pedaços de corpos espalhados pela academia, o que reforçava ainda mais a impressão de um cenário de guerra.

— A Prefeitura de Santos e a Defesa Civil tiraram da parte de cima da academia quatro caçambas cheias de entulho e mais seis [caçambas] da parte de baixo. Depois que acabou o rescaldo, ainda encontramos muitas peças de avião. Até pouco tempo mexemos no telhado e ainda havia pedaços da aeronave. Mas chegou um momento em que eles não precisavam mais de peças e de fragmentos de corpos para análise e tudo que encontramos foi descartado.

Juarez é um dos afetados pela tragédia que deu início a uma guerra judicial contra o partido de Campos, o PSB, e a AF Andrade, empresa dona da aeronave. Mas, no mês de julho, ele sofreu uma derrota na Justiça. O partido recorreu da primeira decisão, que dava direito ao empresário de receber uma indenização de R$ 10.000 por cada um dos meses que ficou com as portas fechadas, o que é chamado de lucros cessantes. O empresário pretende levar a ação até o STF (Supremo Tribunal Federal). Além disso, Juarez pretende entrar com uma ação de danos morais.

— Não vou desistir. Reabrimos há um mês com a ajuda de amigos. Conseguimos sobreviver por meio de doações e empréstimos de salas em outra academia para atender os nossos alunos. Porém, dos 800 inscritos na academia na época, hoje temos cerca de 100.

Experimente grátis: todos os programas da Record na íntegra no R7 Play

Últimas

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.