"O povo precisa ver a Justiça funcionar", afirma especialista sobre transmissão de júri de Mizael Bispo
Acusado de matar Mércia Nakashima em 2010, ex-policial vai a júri popular em Guarulhos
São Paulo|Ana Ignacio, do R7*
Na próxima segunda-feira (11), o policial militar reformado Mizael Bispo, acusado de matar Mércia Nakashima em maio de 2010, será julgado pelo crime. No entanto, o júri não estará restrito àqueles que estiverem presentes no Fórum Criminal de Guarulhos, na Grande São Paulo, como de costume em julgamentos. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, pela primeira vez na história do País, um júri popular, envolvendo crime contra a vida, será transmitido em tempo real pela TV e rádio.
A iniciativa – anunciada pelo juiz Leandro Bittencourt Cano na sexta-feira (1º) – foi recebida por especialistas de forma positiva. Para o jurista Luiz Flávio Gomes, trata-se de uma grande inovação para o Estado e é uma decisão correta.
— Acho ótimo, certinho, permite o acesso para tudo mundo. O povo precisa ver a Justiça funcionar.
Ana Lúcia Pastore, antropóloga social e pesquisadora do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP, diz acreditar que, além de possibilitar o acesso, televisionar um julgamento ajuda o público a entender como funciona um júri.
— Televisionar democratiza o acesso ao julgamento e se trata de uma maneira de tornar mais acessível ao grande público o ritual do julgamento, desconhecido no Brasil.
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Para o advogado criminalista Sergey Arbex, a transmissão do julgamento é, na realidade, o cumprimento da lei.
— Essa decisão nada mais é do que uma decisão que cumpre a lei, que determina que o julgamento seja público. Fechar o acesso à população e distribuir senhas é contrário à própria legislação.
No Brasil, todo júri popular é aberto. No entanto, os plenários dos fóruns do País não possuem espaço para comportar muita gente. Arbex diz acreditar que seria obrigação da Justiça colocar um telão do lado de fora ou disponibilizar uma outra sala para que todos os interessadas pudessem acompanhar.
— Isso já supriria essa questão, mas, se qualquer um pode assistir, realmente temos de convir que pode passar na TV e acho necessário principalmente para que as pessoas entendam de Justiça.
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Além da compreensão do júri, Ana Lúcia acredita que a transmissão é importante também para quebrar qualquer pré-julgamento que já possa existir sobre o caso.
— O mais importante é que o grande público interessado pode de fato acompanhar com mais detalhes os argumentos da defesa e da acusação porque costuma haver um certo censo comum que tende a condenar por antecipação um réu. De modo geral, acho que [a transmissão] pode ser uma contribuição para a formação da opinião pública.
Teatralização
Apesar do consenso em relação à transmissão de um júri popular, os especialistas alertam que o excesso de exposição na mídia pode modificar um pouco a postura de pessoas envolvidas com o julgamento, como explica Luiz Flávio Gomes.
— Há o risco do próprio juiz se tornar um juiz midiático. Tipo um Joaquim Barbosa da vida. Nesse caso, o juiz perde o controle das emoções dele e pode começar a fazer discursos para o povo.
Ana Lúcia também acha que pode haver uma "teatralização" maior por parte do promotor e do advogado de defesa e, para a estudiosa, alguns detalhes do caso podem se perder.
— Quando eles falam para sete jurados já usam uma linguagem que não é só judicial. Agora, como vai ser transmitido, talvez eles se esforcem para ter uma linguagem ainda mais acessível e me preocupo se isso não vai resvalar para alguma imprecisão conceitual, um desprezo pelo prova mais detalhada.
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Para Arbex, a maior exposição do caso gerada pela transmissão ao vivo não é um problema.
— A bagunça e desorganização acontecem quando [o julgamento] é fechado porque restringir o acesso causa tumulto, confusão, cria um ambiente sensacionalista em que a imprensa vai noticiando aos poucos. Com o televisionamento a pessoa já tem acesso e não vira essa novela que é causada pelo judiciário quando está tudo fechado.
"Caixa preta"
Na última sexta-feira (8), o promotor do caso, Rodrigo Merli, também se manifestou positivamente à inovação de transmitir o julgamento. De acordo com o promotor, essa novidade tem "caráter significativo".
— Muito produtivo porque se diz que o Judiciário é uma "caixa preta". As sessões são públicas, mas pela questão física isso fica impossível. Nada melhor para resolver isso como transmitir.
*Colaborou Vanessa Sulina, repórter do R7