Página em rede social apoia tatuador que torturou jovem acusado de roubo
Conselho de Direitos Humanos critica argumento de que Maycon Reis é vítima de injustiça
São Paulo|Juca Guimarães e Gustavo Basso, do R7
Uma página na rede social criada na última segunda-feira traz imagens e posts de apoio a Maycon dos Reis, 27, o tatuador preso em flagrante desde sábado (10) pela tortura de um jovem de 17 anos que estaria roubando uma bicicleta na pensão onde Reis mora. O tatuador e seu vizinho Ronildo de Araújo registraram a agressão na qual o jovem é tatuado com a frase “sou ladrão e vacilão” na testa.
Ambos foram levados em flagrante ao 3º DP de São Bernardo junto com o equipamento utilizado na agressão. Ainda no sábado a juíza Inês del Cid, da Vara Criminal de São Bernardo decretou a prisão preventiva dos dois. Em 2008 Araújo foi preso por roubo a carro e condenado a 5 anos e 4 meses de prisão.
Fabiana Severo, vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, condena a criação do perfil na rede social.
— “Uma página deste tipo tem um alto poder de comunicação em massa e pode gerar também atos de violência em massa. Ela faz uma falsa alegação de injustiça cometida com o agressor. Eles não dizem na página, por exemplo, o que o acusado fez com o rapaz. Isso é motivo para se pedir a retirada da página do ar. A liberdade de expressão tem limites, justamente quando se atinge outras liberdades.
Severo afirma ainda que Maycon e Ronildo não estão sofrendo nenhum tipo de injustiça, uma vez que foram presos por um crime grave - tortura é considerada crime grave segundo a Constituição - e têm garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório.
— Existe um processo legal em curso. Tatuar aquela frase na testa do jovem se configura como tortura. O Brasil e vários outros países do mundo são signatários de tratados pelo fim da tortura.
A reportagem do R7 tentou entrar em contato com os responsáveis pela página, mas estes não retornaram o contato até a tarde desta quarta-feira (14).
Entre os posts divulgados pela página nos últimos dois dias está uma suposta mensagem enviada por Tato Reyz - nome artístico do tatuador Maycon dos Reis - na qual ele afirma ter chamado a polícia militar quando flagrou o jovem furtando a bicicleta, mas que a polícia não teria feito nada, o que motivou a agressão.
Procurado pela reportagem, um investigador do 3º DP de São Bernardo, onde foi registrado o boletim de ocorrência da tortura e prisão dos acusados, explicou que caso isto houvesse acontecido, teria sido registrado no BO.
— Esse discurso parece mais um álibi da defesa do Maycon.
A representante do conselho de direitos humanos não ignora o fato de o jovem ter cometido crimes, mas argumenta que nada justifica a agressão do tatuador.
— Vivemos num Estado Constitucional de Direitos. O Estado tem o monopólio do uso da força. Não é o cidadão que faz o uso da força para punir um crime. Justamente para que a aplicação da pena não seja desproporcional ao crime cometido. Quando ocorre um caso de vingança privada como este, quase certo a punição é desproporcional e injusta
Ainda no domingo uma vaquinha virtual foi criada para bancar o procedimento de remoção da tatuagem do jovem. Roberto Batista, representante do coletivo Afroguerrilha, responsável pela vaquinha, explica que a remoção seja feita gratuitamente, uma vez que clínicas e estúdios se ofereceram para fazer o procedimento gratuitamente, o dinheiro arrecadado será entregue à família do jovem e ainda investido em uma bicicleta nova para o deficiente que seria a vítima do jovem. Até esta tarde o projeto já havia arrecadado mais que o dobro da meta de R$ 15 mil.
Tatuadores condenam
Tatuadores profissionais também criticaram a agressão realizada por Maycon. Eles apontam que além das questões legais apontadas pelas autoridades, a tatuagem aplicada no rapaz pode ter causado doenças graves pela falta de higiene.
Peterson La Plata, empresário do ramo de tatuagem e modificações corporais extremas há 17 anos, aponta que o procedimento não foi feito com os devidos cuidados de higiene e que a intenção, pelas cicatrizes, era de causar dor e torturar a vítima. "O moleque pode pegar várias doenças. Ele tatuou numa pensão, vai saber o que tinha lá que podia estar contaminado. Ele não usou máscara; ele hepatite, por exemplo, bastava uma gotícula cair no local da tattoo para infectar o rapaz. Dependendo do material usado, ele pode pegar tétano também", comentou.
— Ele queria mesmo era machucar o moleque. E tem outra, em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro é proibido fazer tatuagem em menor de idade, mesmo com a autorização dos pais e a vítima tem 17 anos.
Ele ainda critica a imagem negativa que a agressão provoca no mundo da tatuagem. "Já é uma profissão que não é bem vista na sociedade e ainda vem um sujeito e faz uma parada dessas", afirmou. Ele ainda completa:
— As pessoas que amam a arte e trabalham com isso há bastante tempo não gostaram disso. Se ele tinha algum conceito no meio, perdeu tudo. Ninguém admite isso