Para MP, negligência agravou crise hídrica na cidade
Promotor entende que estiagem não pode ser apontada como única responsável pelo problema
São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7
Diante da crise no abastecimento de água em Itu, no interior de São Paulo, o Ministério Público apresentou recomendações na tentativa de evitar que o problema se agravasse. Algumas medidas foram pedidas em caráter de urgência. Uma delas foi que o município decretasse situação de calamidade pública, o que abriria a possibilidade da ajuda por parte de outros entes federativos.
A promotoria considerou que as medidas adotadas pelo Executivo Municipal e pela Concessionária Águas de Itu foram insuficientes para dar uma resposta à população. Por esta razão, o MP ingressou, no final do mês passado, com uma Ação Civil Pública, tendo como réus a prefeitura, a concessionária e a Ar-Itu (Agência Reguladora de Serviços Delegados do Município de Itu).
Em entrevista ao R7, o promotor de Itu, Tiago do Amaral Barboza, enfatiza que o problema de recursos hídricos na cidade é antigo e que a estiagem não pode ser apontada como a única responsável pela atual crise. Na avaliação dele, houve negligência do poder público.
A ação, que é multidisciplinar, também pretende evitar que os custos com as transposições e compras de água de municípios vizinhos sejam repassados aos consumidores.
Apesar de crise hídrica, Prefeitura de Itu não vê necessidade de decretar calamidade pública
Confira os principais pontos da entrevista
Problema antigo
“Existem estudos de geólogos em matéria de hidrologia no sentido de que a cidade é carente a respeito de recursos hídricos. Isto é de conhecimento da administração [municipal] faz mais de dez anos”.
“Os estudos de hidrologia, da questão pluviométrica dizem que, no ano que vem, o problema vai se repetir. Por mais que chova regularmente, precisa haver investimento em infraestrutura para fazer frente à ausência de recursos hídricos na cidade de Itu".
Estiagem
“Não é a estiagem a única responsável pelo que está acontecendo em Itu. Há algumas medidas que já são de conhecimento da administração, algumas obras que não foram feitas. Por exemplo, a transposição de um córrego e de um ribeirão que, agora, em caráter de emergência, a prefeitura se dispôs a fazer".
“Não podemos depender só da chuva. Ela não é responsável exclusiva e não vai ser só ela que vai resolver a questão. Por mais que a chuva seja regular, ainda assim os reservatórios não atingirão os níveis necessários. O déficit é muito relevante e consistente".
Adensamento urbano
“Uma de nossas preocupações é o adensamento urbano. Nos últimos meses, apesar de se anunciar essa crise urbanística, vimos que o ritmo de implantação de loteamentos imobiliários continuou o mesmo. Então, o adensamento urbano não diminuiu".
“Qual a ótica do Ministério Público? Somente poderá ser permitida a implantação de qualquer loteamento imobiliário, se a administração municipal provar que ela tem como fornecer água diariamente para todos os cidadãos".
"Depois da recomendação, houve um decreto municipal no sentido de que nos próximos 120 dias não haveria implantação. Eles deram um prazo de quatro meses. Consideramos que não é suficiente, mas achamos razoável. Daqui a quatro meses, voltamos a conversar".
Outorgas de uso de recurso hídrico
“Outra preocupação que temos é que existem outorgas de uso de recursos hídricos para particulares no Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica), que é o órgão estadual responsável pela gestão das outorgas para extração de água [poços]. O que vimos é o seguinte: existem outorgas consistentes e relevantes para particulares”.
“O que vislumbramos? Existe um artigo da Política Nacional de Recursos Hídricos que fala: na hipótese de calamidade pública, interesse público relevante e perigo iminente podem ser suspensas essas outorgas para particular para reverter para uso público. Então, pegamos a lista de todas as outorgas que o Daee tem para a cidade de Itu e vimos que algumas são significativas e que seria interessante a reversão para o uso público. O que esperamos? O município fez algumas dessas reversões das outorgas, só que precisamos de mais. Não está sendo suficiente. Essas outorgas para particulares precisam ser revistas. O recurso hídrico é bem ambiental, que é público. Tem que reverter para o interesse público em primeiro lugar".
Multa
“Basicamente, pedimos que a prefeitura não deixasse de oferecer a água por intervalo maior do que 48 horas, sob pena de multa [a solicitação foi um dos quatro pedidos liminares da ação civil]. A ordem judicial foi no sentido de que se passar mais de 48 horas sem o fornecimento de água, a multa seria de R$ 200 por ponto".
“A execução da multa por desobediência da ordem vai acontecer só depois do fim da ação e não haverá a reversão direta para o cidadão. O valor será direcionado para um fundo. Existe uma gestão deste fundo e o valor é revertido depois para a coletividade".
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Valor baixo
“O Ministério Público acha que tem que ser um valor que iniba a desobediência, que tenha caráter pedagógico. Na ação, foi sugerido o valor de R$ 100 mil para cada ponto comercial ou residencial. Respeitando o posicionamento do juiz, mas o Ministério Público acha insuficiente o valor de R$ 200”.
Descumprimento da ordem judicial
“Para denunciar [no caso de a suspensão no fornecimento de água ser superior às 48 horas determinadas pela Justiça], o cidadão precisa fazer o protocolo da reclamação em um desses três órgãos, que são os réus, e com o número do protocolo, informar ao Ministério Público para que possa ser aferido em quantos pontos está havendo o descumprimento. No inquérito civil que deu ensejo a ação, o Ministério Público está fazendo um anexo com todas as reclamações. Até agora, há mais de cem. Isto porque o cidadão ainda não sabe como proceder".
Recursos
“Na ação, o Ministério Público fez quatro pedidos liminares, mas o juiz os concedeu parcialmente. Nossa preocupação com os loteamentos imobiliários, por ora, o juiz não deu o pedido liminar para inibir. O Ministério Público acha imprescindível que não sejam permitidos grandes eventos na cidade, que é instância turística. Muitos eventos de grande porte acontecem na cidade. Achamos que, diante dessa situação calamitosa, não tem cabimento aumentar o fluxo de pessoas para a cidade. O adensamento urbano é prejudicial, porque é inevitável o aumento do consumo de água. O juiz não concedeu o pedido".
“O Ministério Público vai interpor o agravo, que é o recurso, para tentar deferir os pedidos que não foram ainda deferidos. Estamos insatisfeitos [...] É prestação de serviço essencial [o fornecimento de água] e já está mais do que comprovado de que não está sendo contínua a prestação de serviço".
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Negligência
“Muito possivelmente, os réus ou alguns deles vão recorrer da decisão liminar e a Promotoria também porque consideramos que dá para conceder integralmente os pedidos iniciais. Após esta fase, o medo que o Ministério Público tem é que o pouco que se deu, a gente perca. Então, há uma movimentação nossa no sentido de que seja mantido e aumentado o provimento inicial".
“Essa desobediência que está sendo evidenciada depois da decisão liminar do juiz [sobre o corte no fornecimento não ser superior a 48h], a falta de investimento em infraestrutura, a incompetência para o gerenciamento da falta de recurso hídrico que já se estende há mais de dez anos na cidade, isso vai ser analisado. A improbidade administrativa, eventual crime de responsabilidade do prefeito — porque a desobediência de ordem judicial é crime de responsabilidade do prefeito. Isso vai ser aferido nos próximos meses e até anos".
“No âmbito municipal, a agência reguladora, a concessionária de serviço de água e o Executivo municipal, com certeza, há uma negligência e hoje quem está pagando por isso são os munícipes representados por esses órgãos públicos".
Falta de transparência
“Minha preocupação é a falta de transparência. Nesses bairros mais distantes e mais altos, a água não chega. Se não tem água nos reservatórios, não tem vazão para a água chegar lá em cima. O recurso hídrico está pobre, mas a divisão tem que ser equânime entre os cidadãos. Por que tem bairro que fica três e têm bairro que fica dez sem água?”
“Ninguém está falando que A ou B está sendo favorecido. Só queremos, e é dever de qualquer órgão público, o esclarecimento, a transparência".