Perícia de São Paulo deve quase 2 milhões de laudos
Em nove anos, 32 mil pessoas foram enterradas sem que se saiba a causa das mortes
São Paulo|Lumi Zúnica, especial para R7
Dados da SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo apontam que peritos e médicos legistas devem quase 2 milhões de laudos ao Estado. Esses números são o resultado da diferença entre os exames realizados e os laudos emitidos pelo Instituto de Criminalística e o Instituto Médico Legal, ambos subordinados à Superintendência da Polícia Técnico Científica do Estado.
As estatísticas desses institutos são publicadas no site SSP desde 1995 e os dados são fornecidos pela própria superintendência da Polícia Técnico Científica.
Segundo consta, entre janeiro de 2005 e o primeiro trimestre de 2014, o IML realizou 286.385 exames necroscópicos, mas só entregou 254.668, apontando que quase 32 mil pessoas foram sepultadas sem emissão de laudo e, portanto, sem que se saiba o verdadeiro motivo das suas mortes. Esse número representa o equivalente a um ano inteiro de exames necroscópicos ou autópsias realizados pelo IML, que em média examina 30 mil corpos ao ano.
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Porém 70% das atividades do IML são voltadas a exames em pessoas vivas. O instituto realiza exames de tanatologia forense, toxicologia, patologia, exames de lesão corporal, entre outros. Os números impressionam. Entre 2005 e março de 2014, foram 4.168.439 exames realizados. E os laudos emitidos também foram em número inferior: 3.950.679. Isso significa que mais de 217 mil laudos deixaram de ser emitidos.
Os números mais alarmantes correspondem ao Instituto de Criminalística, encarregado de realizar as perícias técnicas em local de crime, de acidente, incêndios, gravações de vídeo e áudio, autenticidade de documentos, entre outros. No período analisado, o IC foi responsável por executar 5.746.514 perícias, das quais 4.090.689 tiveram seus laudos expedidos. O IC ficou devendo mais de 1,655 milhão de laudos.
A soma dos laudos não emitidos pelo IC e o IML entre 2005 e março de 2014 totaliza 1.905.332 laudos.
Polícia Científica contesta seus próprios números
A superintendente da Polícia Técnico Científica, Norma Bonaccorso, afirma que esses números estão errados, apesar dela própria ser responsável pelos dados enviados para publicação. Ela afirma que os laudos devidos seriam pouco mais de 650 mil.
Norma aponta como causa do problema o baixo número de peritos e legistas contratados pelo Estado. A não realização de concursos públicos para suprir a demanda sobrecarrega o trabalho dos profissionais. Mas ela também admite que existem peritos que não cumprem com seu trabalho.
— Tenho um perito que não entrega um laudo faz 400 dias.
Radiografia da Polícia Técnico Científica
Segundo Norma, em 2014 foram contratados 200 médicos legistas e 447 peritos. Hoje, o Estado conta com 776 legistas e 1.706 peritos, além de abrir vagas para 110 atendentes de necrotério, 155 auxiliares de necropsia, 120 fotógrafos, 55 desenhistas, 600 oficiais administrativos e 84 técnicos de laboratório. Das 1.853 vagas abertas, 1.611 já foram preenchidas. O corpo técnico passou de 3.431 para 5.284 funcionários em 2014.
O orçamento também recebeu reforços nos últimos anos. Em 2010, o IML recebia R$ 120 milhões. Em 2014, esse valor passou para R$ 209 milhões. Já o Instituto de Criminalística passou de R$ 197, em 2010, para R$ 310 milhões em 2014. Aumento de mais de 57% e 63%, respectivamente. Também a Superintendência teve as contas melhoradas de R$ 31 milhões em 2011 para R$ 77 milhões em 2014, mais do dobro.
Laudos comprometem inquéritos e processos judiciais
Arles Gonçalves Júnior, presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados de São Paulo afirma que "para todo exame realizado é obrigatória a emissão de um laudo, a lei assim o determina”. Porém, muitos laudos solicitados são inúteis e sobrecarregam os peritos. Menciona como exemplo as perícias de “fotografação” realizadas em máquinas caça-níqueis. Segundo ele, o auto de exibição e apreensão cumpre a mesma função do laudo, tornando-o desnecessário. Mas isso deve-se à legislação vigente que precisa ser atualizada.
— Se o delegado não pedir o laudo, mesmo sendo inútil, ele pode ir à corregedoria.
Mas o que chama a atenção dele é o alto número de laudos não emitidos, que sem dúvida atrasam ou até comprometem o andamento de inquéritos e processos judiciais, podendo inclusive comprometer o resultado de uma sentença.
— Na falta de um laudo, o juiz pode optar por não condenar um sujeito que é culpado, por exemplo.
Mesmo concordando com a necessidade de aumentar os quadros da Polícia Técnico Científica, ele se surpreende com os números e afirma que a Comissão que preside na OAB questionará a Secretaria de Segurança Pública pelo que ele considera “números de guerra".