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SP: aumento de R$ 0,20 na passagem foi só a "gota-d'água" para protestos, avaliam especialistas

Manifestações revelam insatisfações da população em relação a diversos problemas sociais

São Paulo|Ana Ignacio, do R7

Policial faz disparo contra manifestantes na rua Maria Antônia com a Consolação no 4º dia de manifesto
Policial faz disparo contra manifestantes na rua Maria Antônia com a Consolação no 4º dia de manifesto JF DIORIO/ESTADÃO CONTEÚDO

Desde o início do mês de junho, protestos contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo passaram a tomar importantes ruas da capital paulista. Indignadas com o acréscimo de R$ 0,20 ao preço da passagem de ônibus e metrô, milhares de pessoas se organizaram pela internet e ocuparam a cidade. Dessa vez, de forma real. No entanto, além dos centavos de aumento — que, como indicam especialistas fazem muita diferença para a grande maioria da população — outras insatisfações da sociedade vêm à tona.

Para Lúcio Flávio Rodrigues e Almeida, coordenador do núcleo de estudos de ideologia e lutas sociais da PUC-SP, a questão das passagens é apenas uma parte de algo maior.

­— As pessoas estão falando de problemas que estão se acumulando durante muito tempo. A questão das passagens é uma parte de uma questão muito mais ampla que abrange o urbanismo e o modo de vida urbana no Brasil, a começar pelo transporte público. Digamos que há um vandalismo sócio-político muito grande que governa a cidade e o País há cerca de mais de meio século.

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Renato Sérgio de Lima, sociólogo e dirigente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também diz acreditar que a nova tarifa não é o único problema.

— A manifestação, na prática, revela uma insatisfação difusa de cada vez mais parcelas da população. A gota-d’água foi os R$ 0,20, mas temos muitas outras desigualdades e problemas que a população enfrenta no dia a dia e não foram resolvidas ainda. A tarifa é a gota-d’água de processos de insatisfação muito mais amplos e difusos.


Além disso, os estudiosos acreditam que os brasileiros foram impulsionados a ir para as ruas por causa da “nova onda” de manifestações populares globais que têm ocorrido nos últimos anos no mundo árabe, Europa e América Latina. Humberto Dantas, cientista político do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), avalia que os protestos ocorridos em outros países é um dos motivos para que haja esse “estouro” nas manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo.

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— Em primeiro lugar, podemos estar sendo influenciados por outras manifestações e movimentos mundo afora. Segundo, é que parece existir uma distância grande entre um discurso otimista e colorido do governo, principalmente do governo federal, dizendo que está tudo bem e as pessoas estão ligando os pontos e vendo que nesse instante o governo tem dificuldade de fazer que as coisas aconteçam. E a última questão é que existe um histórico no que diz respeito a cidade de São Paulo de organização em torno desse movimento de “catraca livre”.

Democracia em xeque

Apesar de afirmarem que as manifestações são positivas e importantes para a sociedade, os especialistas concordam, sem generalizações, que houve abuso de ambas as partes durante os protestos. Os atos em São Paulo foram marcados por diversos confrontos, detenções e pessoas feridas. Para Dantas, a ação da Polícia Militar tem sido equivocada.

— Você não tem um aparato repressor preparado para lidar com esse tipo de manifestação da sociedade. Polícia Militar, seja de qual Estado for, definitivamente não esta preparada para lidar com questões relacionadas a esse semblante da democracia.

Dessa forma, com a forte repressão contra os manifestantes, a sociedade acaba ficando separada.

— A gente vai ter pessoas de cunho mais conservador achando um grande absurdo isso tudo que está acontecendo, achando que é bizarro de manifestar, e vamos ter gente achando bizarro reprimir. A gente vai segregar a sociedade em dois grandes grupos e esses grupos não vão se reconhecer e a gente vai ter a democracia se fragilizando.

Almeida também explica que, dependendo do resultado das manifestações, a democracia no Brasil pode sofrer.

— Se nada acontecer, o perigo de uma decepção tomar conta das pessoas é muito grande e muita gente pode se desencantar da política. Desencantar-se da política pode levar a saídas muito perigosas como apoiar, por exemplo, regimes autoritários e passar a achar que democrática não serve para nada.

Sem partido

Outra característica levantada pelos estudiosos em relação aos atos ocorridos em São Paulo é a ausência de um caráter partidário à manifestação. Para Lima, está claro que a bandeira dos atos é outra.

— Na verdade a questão partidária está longe de ser a pauta. Esse movimento é social, não é partidário. O que está em jogo hoje é mobilidade urbana, como a população ocupa a cidade, como exerce seu direito de ir e vir.

Dantas concorda.

— A sociedade paulistana opta por uma ruptura no poder e, mesmo com essa ruptura, houve aumento de tarifa. Mesmo com a mudança no poder o movimento contra a prefeitura em relação ao aumento da tarifa do ônibus é mantido e isso descaracteriza a ideia de que é um movimento partidarizado. Há algo que indica que esse movimento transcende a lógica partidária.

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