USP Ribeirão é campeã da tortura e barbárie, diz presidente de comissão após novas denúncias
Mais uma audiência sobre violências praticadas na faculdade de medicina ocorre na terça
São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7
A Comissão de Direitos Humanos da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) realiza, na próxima terça-feira (25), a segunda audiência pública sobre violências praticadas na FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Desta vez, o objetivo será dar voz aos responsáveis pela Atlética (Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz) e pelo Show Medicina, ambos denunciados por estudantes da USP durante audiência realizada no dia 11 deste mês. De acordo com o presidente da comissão, deputado Adriano Diogo (PT), representantes da direção da instituição de ensino também estarão entre os convidados.
Em entrevista ao R7, o parlamentar afirmou que, depois da primeira audiência, a comissão recebeu novas denúncias de violações aos direitos humanos, não só dentro da FMUSP, mas também referentes à FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto). Adriano Diogo, que batizou o processo de "Ovo da Serpente", adiantou que entrará em contato pessoalmente com a reitoria da USP.
— Vou ligar para a reitoria da USP e pedir para o reitor [Marco Antonio Zago], que é de Ribeirão [ele se graduou e atuou como professor na FMRP-USP], mandar alguém aqui, na próxima audiência de terça-feira [...] Ribeirão é campeã da tortura e da barbárie. A medicina da USP aqui é a liga das senhoras católicas.
A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto chegou a ser mencionada na primeira audiência em razão de sua bateria. Na cartilha de hinos da "Batesão", uma música com teor racista e machista provocou revolta. O material teria sido divulgado em uma palestra de enfermagem cujo tema era "violência contra a mulher", junto com o kit de matrícula da universidade para os estudantes de medicina.
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Na letra, a figura feminina é colocada na condição de objeto sexual. A música fala de loira e morena, mas fica ainda mais agressiva ao se referir à mulher negra, que é tratada como "preta imunda" e "fedorenta". A letra na íntegra não é passível de publicação por causa de seu alto teor sexual.
CPI
Até por volta das 16h30 desta quarta-feira (19), nove deputados [sete do PT; um do Psol e um do PC do B) haviam assinado o requerimento apresentado nesta terça-feira (18) para a instauração de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) com a finalidade de investigar casos de violência na USP e em outras universidades do Estado. A proposta da comissão é de autoria de Adriano Diogo e foi motivada pelas denúncias apresentadas na primeira audiência pública sobre o tema. Na ocasião, durante mais de quatro horas, estudantes relataram situações de abuso sexual, racismo, homofobia, sexismo, entre outros.
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Para que a CPI seja aprovada é preciso obter a adesão de 1/3 da Casa. Se 32 deputados assinarem o requerimento, ela irá para uma fila, já que a Alesp não pode ter mais de cinco CPIs em andamento ao mesmo tempo. Então, não há garantias de que será instaurada ainda nesta legislatura. O objetivo é investigar, no prazo de 120 dias — podendo ser prorrogado —, violações dos direitos humanos e ilegalidades ocorridas durante trotes, festas e no cotidiano acadêmico. A expectativa de Adriano Diogo é de que, até o fim desta quarta-feira (19), outras seis assinaturas sejam colhidas.
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No requerimento, o deputado, ao se referir à FMUSP, destaca o que não houve "a devida presteza por parte da Congregação daquela Faculdade de Medicina em relação às reiteradas denúncias nas suas instâncias internas".
Segundo enfatiza o texto, "o que se espera de uma Faculdade de Medicina, sobretudo de uma das mais prestigiosas do país, situada no sistema público estadual de educação superior do estado de São Paulo, é o mais profundo comprometimento com a formação de profissionais empenhados em garantir a dignidade da pessoa humana. É imperativo, pois, que a formação não apenas técnica, como também humanística, seja garantida, sobretudo no que diz respeito à devida apuração de denúncias de práticas como as referidas!".
Adriano Diogo argumenta que, "condutas gravíssimas como as relatadas, sem a devida apuração institucional, resultam na criação e manutenção de uma cultura de violência, de submissão e em um esquema de poder que se instaura dentro dos muros universitários e persiste para fora deles, na vida profissional e na área da Saúde como um todo, punindo a sociedade".
"Desdém"
No requerimento, o parlamentar classifica de "desdém" a ausência de algumas autoridades convidadas a participar da audiência pública do último dia 11 e usa este fato como um dos argumentos para justificar a instauração da CPI.
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"O desdém de muitas das autoridades chamadas à referida audiência sobre o tema nesta Casa, dentre elas diretores daquela Faculdade, e o fato do professor Paulo Saldiva, que até então presidia corajosamente as investigações internas sobre tais violações, ter pedido o próprio afastamento da FMUSP em virtude da falta de apoio institucional para apuração das referidas denúncias, já comprova a necessidade de instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito".
Lei ignorada
Ele cita também a Lei 10.454/1999, que veta trotes violentos no Estado de São Paulo, afirmando que, apesar da legislação, eles continuam a ocorrer. "Não só, práticas semelhantes, inclusive com desdobramento criminais, também acontecem em outros momentos da vida acadêmica com frequência, sendo não só deixadas de lado como naturalizadas". Adriano Diogo ressalta que esta realidade não se limita à FMUSP, sendo verificada também em outras faculdades, universidades e cursos. "É preciso, pois, uma investigação ampla no corpo acadêmico do estado de São Paulo".
O R7 procurou as assessorias de imprensa da FMUSP e FMRP-USP e perguntou se elas iriam mandar representantes para a audiência pública de terça-feira. Em resposta à solicitação, o professor Hélio Cesar Salgado, vice-diretor da USP-Ribeirão Preto, informou que a direção vai aguardar o convite da Alesp para verificar a possibilidade de enviar representante. Quanto à afirmação do deputado Adriano Diogo, Salgado informou que todas as denúncias encaminhadas à diretoria da FMRP foram objeto de abertura de sindicância.
Até a publicação dessa matéria, a FMUSP não retornou os contatos da reportagem.