Logo R7.com
Logo do PlayPlus

Amor descontrolado: transtorno borderline provoca explosões de raiva e baixa autoestima

Pacientes têm sensação parecida com a da morte diante da ameaça da rejeição e do abandono

Saúde|Marcella Franco, do R7*

Mais de 50% dos pacientes sofreu abuso sexual na infância
Mais de 50% dos pacientes sofreu abuso sexual na infância

Como acontece diariamente, os namorados combinam de se falar por telefone no horário de sempre, às 20h. Só que, desta vez, o namorado se atrasa alguns minutos, seja porque o celular ficou sem bateria, porque estava ocupado, ou porque simplesmente não conferiu o relógio. O que seria algo completamente normal e perdoável para outras namoradas, neste caso se torna uma catástrofe. A moça, certa de que o atraso significa que ele a rejeita, entra em colapso, sofre e, sem saber como lidar com a ansiedade, cogita até mesmo o suicídio.

É uma situação que poderia ser classificada facilmente como chilique, exagero ou ataque de ciúmes, mas que, na literatura médica, aparece como um sério manifestação de uma doença com causas bem mais profundas que uma simples insegurança. Trata-se do transtorno da personalidade borderline, que acomete 2% da população em igual proporção entre mulheres e homens, e que transforma as relações em algo sofrido tanto para os pacientes quanto para quem convive com eles.

Com transtorno borderline, Monique Evans desabafa: "Antes de me cortar, batia muito no meu rosto"

Enquanto boa parte da humanidade teme a rejeição, um borderline simplesmente tem algo parecido com a sensação de morte ao ser — ao simplesmente se imaginar — rejeitado ou abandonado. E isso não acontece apenas nos relacionamentos amorosos, mas, sim, em qualquer nível de envolvimento, seja familiar, de amizade ou mesmo no trabalho, como explica o psiquiatra Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima, da PUC do Rio Grande do Sul.


— Em uma relação afetiva, a dor do borderline é absolutamente maior, mas a sensibilidade existe o tempo todo, em todo tipo de ambiente. São pessoas extremamente ansiosas, impulsivas, passíveis de um descontrole muito forte diante da ameaça de ser abandonadas. Com certa frequência, alguns pacientes podem também se automutilar com cortes no corpo. Fazem isso para diminuir o sofrimento.

Entre os sintomas do transtorno, que costumam aparecer na adolescência ou na fase adulta, estão também sentimentos negativos frequentes — que são quase sempre confundidos com depressão —, baixa autoestima, autoimagem distorcida, comportamento imprudente, flutuações de humor e explosões de raiva difíceis de controlar, mas de curta duração.


O tratamento com remédios, aliás, busca ajudar especialmente nestas duas últimas manifestações. Há casos, por exemplo, em que o psiquiatra escolhe um medicamento que foca na estabilização do humor, outros em que a estratégia é controlar os momentos de ira do paciente.

De acordo Prado Lima, já está comprovado na medicina que a personalidade borderline tem origem em questões biológicas. Uma das possibilidades é a de que os portadores do transtorno possuam menos opióides endógenos, substâncias responsáveis por amenizar a dor física produzidas pelo corpo, e que, como efeito colateral, podem gerar também uma sensação de euforia e bem-estar.


Ao se cortar, os pacientes conseguem a liberação dos opióides que lhes faltam e, com isso, experimentam um estado de conforto, em que a angústia é apaziguada.

— O borderline é uma pessoa que tem menos capacidade de resiliência, que é a habilidade de se adaptar e evoluir positivamente diante de questões adversas. A resiliência social está relacionada com a quantidade de opióides que temos no cérebro. Pessoas com mais opióides toleram mais a rejeição, enquanto as com menos sofrem mais.

Esta característica química por si só já seria capaz de comprometer o equilíbrio emocional dos pacientes, mas, como demonstram os estudos, indivíduos que desenvolvem o transtorno também têm registros e situações traumáticas na infância.

Os números impressionam: mais de 50% dos borderlines sofreram abusos quando crianças. A grande maioria relata casos de abuso sexual, mas há também os abusos morais e negligências emocionais.

— Quanto mais crônico o abuso, mais propensa a vítima fica a desenvolver o transtorno. Imagine que são pessoas que convivem com estas diferenças químicas desde o nascimento. Daí, elas são maltratadas na infância. O mundo realmente fica um lugar complicado desse jeito, onde nada é confiável.

Um mito comum é o de que o transtorno da personalidade borderline é uma “doença nova” na psiquiatria.

Prado Lima esclarece que estes pacientes sempre existiram nos consultórios, mas que recebiam outros nomes na literatura médica. O termo borderline passou a ser usado em larga escala a partir de 1980, quando foi criado e popularizado o uso do DSM-III (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).

— Os portadores do transtorno são pessoas que sofrem muito, e que, durante muito tempo, foram maltratadas inclusive pelos psiquiatras. Como não eram bem compreendidos, muitos não gostavam de tratá-los, pelo grau de impulsividade que eles tinham e pela incompreensão de certos comportamentos. São pacientes desafiadores, extremamente impulsivos, muitos pensam em se matar. Por isso, muitos médicos tinham desconforto em tratá-los. Atualmente, no entanto, isso mudou.

Junto com o tratamento farmacológico receitado pelos psiquiatras, Prado Lima reforça a importância da terapia, de preferência do tipo cognitiva.

— Mas, acima de tudo, o grande desafio é que a pessoa encontre um tratamento que diminua essa sensibilidade ao abandono e à rejeição. Esta é a porta para todo o resto.

* A jornalista viajou a Porto Alegre (RS) a convite do World Congress on Brain, Behavior and Emotions

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.