Brasil ainda tem lista de denúncias de tráfico de órgãos
Câmara dos deputados comprovou ação de máfia em 2004 e suspeitas continuam a existir
Saúde|Eugenio Goussinsky, do R7
Em 2004 foi instaurada a CPI do Tráfico de Órgãos no Congresso Nacional, a partir do caso Paulinho Pavesi, cuja morte em 2000, quando tinha 10 anos, levou à condenação de médicos por transplante ilegal de órgãos. O relatório final concluiu pela existência de vários casos no Brasil, incluindo o do menino que morreu em Poços de Caldas.
O texto dos parlamentares relatou a ação de uma “máfia” brasileira. A comissão indiciou nove médicos. E a lista de denúncias, desde então, cresceu.
Em 2013, no Amazonas, após a morte do filho Bóris de Araújo Silva, que tinha sete anos, Naef Ribeiro, de 58, denunciou suposta quadrilha de 'tráfico de órgãos' no Estado. Ele tenta provar que o menino teve os rins ‘roubados’ pelo que define como quadrilha de cirurgiões. Isso demonstra que a suspeita em relação à “máfia” ainda existe.
Já em 2015, o MPE (Ministério Público Estadual) de São Paulo apura uma possível existência de tráfico de órgãos para pesquisa e estudo no Svoc (Serviço de Verificação de Óbitos da Capital). O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) investiga o caso em inquérito que corre em sigilo desde o ano passado.
No texto final da CPI foram citados, entre outros episódios, a existência de quadrilha no Recife, que tinha a participação de um ex-major do Exército israelense, Gedalya Tauber. Ele está preso até hoje, de acordo com o coordenador do Departamento de Ética em Transplantes, da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos), Mario Abbud Filho.
Conforme afirma o documento, Tauber comandava uma associação ilegal que comprava rins de moradores da periferia do Recife por até U$10 mil (hoje cerca de R$ 37 mil). Após exames pré-operatórios na capital pernambucana, os candidatos eram levados a Durban, na África do Sul, para a cirurgia.
E se incluíam, por combinação, no esquema quando, de volta ao Brasil, começavam a buscar novos doadores, recebendo US$ 1.000 (cerca de R$ 3,7 mil) por voluntário captado. Foram promovidos 38 transplantes pela quadrilha em dois anos.
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Também foram incluídos no relatório da CPI outros quatro casos. Um menino em Brasília também foi vítima de uma quadrilha, e um caso em Taubaté tornou-se assuntou nacional quando quatro médicos foram acusados de eutanásia e transplantes ilegais, tendo sido denunciados pelo Ministério Público e presos.
Completam a lista o caso de venda ilegal de cadáveres em Franco da Rocha e o da importação de córneas, o que é crime.
Coordenador rebate
O coordenador Abbud Filho não acredita na existência de máfias deste tipo no Brasil, formadas por criminosos que facilitam a morte do paciente para vender seus órgãos. E nem casos de comércio ilegal. Ele não nega que isso exista, mas com organização fora do Brasil, como na China.
— É sabido que a China executa prisioneiros com data agendada de transplante de seus órgãos para pessoas de fora. É a única situação que conheço que existe esse tipo de comércio, a Sociedade Internacional (de Transplantes) conversou com o primeiro-ministro chinês, houve promessa de diminuição, redução no número de transplantes, mas isso ainda existe.
Ele também cita Filipinas como um local onde ocorre comércio ilegal.
— Nas Filipinas há pessoas vivas que querem vender o rim para quem chegar. Esse comércio ocorre lá, e a Sociedade Internacional também está tentando combater. Há uma guerra contra o tráfico de órgãos, que não é algo enorme, mas existe e não se pode negar. Mas no Brasil, nada é 100%, mas digo que em 99,9% (em todo o sistema de saúde) não existe.
Desigualdade
De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), 5% de todos os transplantes realizados no mundo têm ligação direta com o tráfico de órgãos. Nas estatísticas da organização, são realizados cerca de 22 mil transplantes de fígado, 66 mil transplantes de rim e 6 mil transplantes de coração, a cada ano, pelo mundo.
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A ONG Global Finance Integrity, por sua vez, registra um aumento constante desta prática criminosa, e informa que o volume de negócios gerado por esse comércio vai de US$ 600 milhões a US$ 1,2 bilhão anualmente.
A atuação dessas quadrilhas está baseada na desigualdade social, segundo a organização. A rede se alimenta do pedido de pessoas ricas e influentes, que usam o seu poder para obter os órgãos de que necessitam, comprando, além dos órgãos, o silêncio de autoridades em relação ao tema.
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