Crack afeta cérebro, pode provocar sangramento pulmonar e levar à morte. Saiba como tratar
Segundo especialistas, drogas fumadas têm efeito mais rápido e chance de vício é maior
Saúde|Do R7*
Perda dos sentidos, surtos psicóticos e alucinações estão entre os principais efeitos causados em usuários de crack. Porém, o uso excessivo da droga pode causar a danos irreversíveis ao organismo do usuário, como perda de capacidade cognitiva, danos permanentes no cérebro e até levar à morte. De acordo com especialistas ouvidos pelo R7, embora o crack seja um derivado direto da cocaína, o fato de a droga ser consumida por meio do fumo torna os efeitos ainda mais potentes.
O Brasil tem 370 mil usuários regulares de droga nas capitais, de acordo com um estudo realizado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) no ano passado.
Segundo o presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos sobre o Álcool e outras Drogas), Angelo Campana, o maior problema do uso contínuo da droga é que o usuário perde funções ligadas ao raciocínio, como atenção, percepção, memória, organização e coordenação.
— Ele vai perdendo a capacidade crítica. Por isso que sempre surge essa ideia se que o dependente de crack tem o poder de decisão ou não. É por conta da falta de crítica que ele tem, dificuldades cognitivas que se instalam.
Já os efeitos físicos a longo prazo envolvem até a morte súbita por infarto do miocárdio, arritmia cardíaca ou hemorragia cerebral, além de problemas respiratórios como tosse e sangramentos pulmonares. De acordo com o presidente da Abead, também existem os danos relacionados diretamente ao manuseio e a alta temperatura que é necessária para que a pedra seja queimada, causando feridas, bolhas e rachaduras nos lábios.
— Ele tende a provocar lesões bucais e nos dedos pela temperatura que a droga atinge ali. Por isso que a pessoa chega até a perder os dentes. É pela alta temperatura e pelo efeito tóxico da própria droga.
O perigo do crack mora também no fato de ser uma droga fumada, o que faz o organismo absorver a substância de forma instantânea e seus efeitos serem potentes e por períodos mais curtos, diz Campana.
— Ele [o crack] tem uma potência maior e toda droga que é fumada tende a ter um efeito instantâneo porque via pulmão a absorção é muito grande. A chance de voltar a dependência é maior porque a cocaína atinge o cérebro de forma muito forte e as fissuras e as alterações neurofisiológicas são instaladas de forma mais rápida também. É uma droga que dá muita fissura, muita vontade em um espaço relativamente curto de tempo.
Além de o efeito do crack ser intenso, ele passa rapidamente e, logo, o usuário vai atrás de comprar mais droga, complementa o professor Dartiu Xavier, psquiatra da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e diretor do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes).
— Apesar disso, a maioria dos usuários de crack não é dependente, é só ocasional. Existe esse mito de que a pessoa usou o crack uma vez na vida e ele já virou um drogado. Não é isso. A maioria das pessoas que usa crack ainda consegue usar de vez em quando.
Senso comum
Apesar de reconhecer a gravidade de uma dependência de crack, Xavier afirma que o senso comum sobre a droga é a de que ela mata rapidamente e que esse temor existe por conta do peso que a ilegalidade que o crack tem. É como se a caracterização dele como ilícito fosse um determinante para o perigo ser maior.
— Não é uma coisa que vai lá e mata imediatamente. É uma dependência grave, mas não é mais grave que uma dependência de álcool, por exemplo. Só que o fato de o álcool ser uma droga legal faz as banalizarem os riscos e os danos que ele pode causar.
Campana complementa que já tratou vários pacientes que conseguiam consumir o crack por um período de tempo sem configurar um quadro de dependência.
— Ela é mais rápida do que qualquer outra droga, mas não é na primeira vez que é usada que o vício começa.
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Tratamento: "novo cérebro"
Muitos dos métodos para enfrentar as lesões causadas pelo uso do crack envolvem a proposta de exercício para desenvolver um "novo cérebro", utilizando ainda a combinação com a prescrição de medicamentos, seja para depressão ou ansiedade, explica Campana.
— É quase que uma fisioterapia cerebral. Não adianta assistir aula ou grupo de autoajuda se a pessoa não registra informações. Além da abstinência, é preciso fazer todo um treinamento cerebral para que a pessoa tenha condições depois de ter uma resposta melhor.
Outra técnica tipicamente utilizada é o que se chama de tratamento de contingência, quando há uma forma de premiação quando a pessoa atinge uma meta de tratamento estipulada pelo médico.
— Em algum tipo de tratamento comportamental, às vezes, o paciente pode responder de forma mais rápida. Então, são desenvolvidas técnicas mais simples para poder recuperar a capacidade de cognição.
Internação compulsória
Nos últimos dias, a ação de remoção de usuários de drogas na Cracolândia, no centro de São Paulo, levantou discussão sobre internação compulsória. Na opnião de Dartiu Xavier, esse tipo de medida só é adequada no caso de quadros psicóticos agudos só é necessária quando o dependente químico causa perigo para outras pessoas ou para si próprio.
— São duas situações basicamente. Ou é em caso de psicose, quando o indivíduo está completamente fora de si, com delírios de perseguição e quando ele vê coisas que não existem. Ou então quando existe o risco de suicídio. Tirando essas situações, não tem a indicação de internação. Elas são muito excepcionais. Se você pegar um grupo de dependentes, menos de 5% estão nessa situação.
De acordo com o professor da Unifesp, o problema é que a população daquela região não tem mais família e estão em situação de rua, mas não necessariamente por causa da droga. "Elas são pessoas que estão ali porque elas não têm onde morar, não têm o que comer, não têm trabalho, não têm acesso à saúde, educação e são excluídos da sociedade", afirma Dartiu.
— A vida deles é tão infeliz que o único prazer que eles têm é procurar algum alívio com álcool ou com droga. A droga não é a causa do problema, é a consequência. Às vezes só a melhora na qualidade de vida é suficiente para interromper esse ciclo.
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*Caíque Alencar, do R7