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Foram dez meses de tratamentos médicos, idas e vindas a hospitais, momentos de desespero, mas, acima de tudo, de muita esperança e alegria. Assim foram os últimos momentos de Rafael, filho do jornalista Ricardo Gonzalez, que morreu em decorrência de câncer linfático no dia 19 de novembro de 2010, aos 21 anos.
Apesar da grande dor de perder um filho, Gonzalez decidiu que os últimos momentos vividos ao lado do seu filho não deviam ficar guardados. Por isso, decidiu escrever o livro Nem a Morte nos Separa, obra que relata a história de luta e valentia de Rafael. O lançamento da publicação aconteceu nesta semana, em São Paulo.
Veja a seguir um pouco da história de Rafael e Ricardo!
* Colaborou: Luiz Guilherme Sanfins, estagiário do R7Arquivo pessoal
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R7 — Como foi receber a notícia de que Rafael estava com câncer?
Ricardo Gonzalez ― Imagino que seja a mesma de quando estamos em queda livre. Em um dia, eu estava no paraíso com ele: jovem, saudável, fazendo duas faculdades (história e jornalismo), a dez dias de começar a estagiar numa das maiores empresas do País. E em 24 horas, passamos a um inferno do qual não tínhamos ideia de como sair e se sairíamosArquivo pessoal
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R7 — E o Rafael? Ele reagiu como ao receber a notícia?
Ricardo Gonzalez — O Rafael já estava com uns pequenos nódulos, que achávamos que eram sequelas de uma mononucleose [doença transmitida pelo beijo]. Um desses nódulos surgiu ao lado da coluna, pressionando-a. Tivemos de interná-lo porque as dores nas costas estavam o impedindo de andar. Ele ficou na UTI, porque era a única vaga que havia. Assim, ele ficou sabendo pelo médico.
Naquele momento, a ideia da morte não passava na cabeça de ninguém, nem na dele. O Rafa sempre foi muito centrado, muito ponderado. Naquele momento, o foco dele era se recuperar da cirurgia para voltar a andar. Quando encontrou comigo e com a mãe, já sabendo da notícia, ele estava muito tranquilo e brincandoArquivo pessoal
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R7— Como foi o tratamento do Rafael?
Ricardo Gonzalez ― Como ele tinha câncer no sistema linfático, três ações foram necessárias: quimioterapia, para conter o avanço da doença, depois uma quimioterapia diferente para reduzir a doença a zero e após uma pausa de 20 a 25 dias para recuperar o organismo ele poderia fazer transplante de medula. A primeira parte ele reagiu muito bem, tivemos forte esperança de que ele se curaria. Na segunda não tão bem porque, quando houve a parada no medicamento, a doença voltou, era um câncer muito agressivo. O hospital no Rio, então, encerrou o tratamento e fomos a São Paulo, numa tentativa de resgate. Ele tomou outra dose violenta de quimioterapia mas, de novo, a doença zerou mas enquanto se esperava para o organismo recuperar ela voltouArquivo pessoal
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R7 — Como o Rafael lidou com esses dias difíceis de tratamento e aceitação da doença?
Ricardo Gonzalez ― Com valentia, ponderação e, principalmente, com o humor que o marcou a vida inteira. Eu e ele nunca tivemos medo de brincar e rir das mazelas do mundo e de nós mesmo. Não dá pra dizer que não houve períodos difíceis e de incerteza, mas a partir da segunda etapa do tratamento, que começou a não ir tão bem, ele foi se preparando com muita sabedoria para partirArquivo pessoal
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R7— Como era sua relação com Rafael durante o tratamento?
Ricardo Gonzalez ― Nossa relação sempre foi intensa, um era a referência do outro, e sempre falávamos de coisas boas, como futebol cinema, música, tocávamos violão, víamos shows e fazíamos planos. Na fase mais crítica da doença, conversamos menos profundamente, porque não sabíamos bem o que dizer sobre algo tão triste, algo que cortava a perspectiva de futuro. A ponderação dele era tamanha que um dia, sentindo que eu não estava num dos meus melhores dias, ele disse: "Pai, fica tranquilo que a educação que vocês me deram e a nossa relação me prepararam para qualquer situação, inclusive para essa. Fica tranquilo porque eu estou legal"Arquivo pessoal
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R7— Qual foi o momento mais difícil nestes dez meses?
Ricardo Gonzalez ― Não sei dizer se houve um. Sei que houve vários. Quando o médico me disse que depois da cirurgia na coluna quem assumia o caso era um oncologista; quando o primeiro hospital desistiu do tratamento; quando, na reta final em São Paulo, eu o via com a boca toda arrebentada pela químio no hospital, sem forças; quando o médico de São Paulo disse que os nódulos haviam voltado e não havia como fazer novas tentativas; quando, na reta final, o médico que o assistia disse a mim e à mãe dele que se ele continuasse indefinidamente com a quimioterapia paliativa, via oral, poderia começar a perder a visão, a fala, a audição, e que nós tínhamos de decidir se continuaríamos ou se a medicação seria interrompida e, com isso, o fim seria mais rápido; quando eu saí do hospital e fui ao camelódromo comprar uma bandeira do Flamengo, que eu sabia que muito em breve cobriria o caixão dele; e quando eu peguei no pulso dele e não senti mais nadaArquivo pessoal
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R7 — Você acha que o sistema de saúde brasileiro está apto para tratar pacientes com câncer?
Ricardo Gonzalez ― Na capacidade dos profissionais e no nível do tratamento sim. O Brasil evoluiu muito no tratamento, e hoje, o câncer não é a sentença de morte que era. Em termos de quantidade de centros de atendimento, aí não, aí o País está muito mal. O Rio tem apenas um centro de referência, e vem gente de todas as partes do Estados, do Brasil e do exterior. Não há como dar conta de todos. São Paulo tem três ou quatro, mas também não dá vazão. É inacreditável a quantidade de vítimas dessa doença maldita, e cada vez aumentaArquivo pessoal
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R7 — Como veio a ideia de escrever o livro?
Ricardo Gonzalez ― Na primeira fase do tratamento, mesmo indo bem, foram tantas experiências em hospitais, tantas conversas, tantos pensamentos, tantas reflexões sobre vida e morte, relação pai e filho, envolvimento da família com essa tragédia, que eu, com o olhar do jornalista, achava que não podia guardar aquilo tudo comigo. Comecei a pensar no livro, e minha ideia inicial era fazer um com o título "Meu filho não tem mais câncer". As coisas evoluíram por outro caminho, mas esse caldo de experiências e reflexões só aumentou. Depois que ele morreu, o projeto foi um dos três que estabeleci para me fazer seguir em frenteDivulgação
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R7— Qual o objetivo do livro e que mensagem você quer transmitir aos leitores?
Ricardo Gonzalez ― O livro tem vários objetivos, mas dois são básicos: homenagear o Rafa, sua valentia e dignidade e fazer os leitores conhecerem esse legado dele. O outro é provocar todos os pais a pensarem e fazerem o que eu fiz: desde que um filho nasce, ele deve ser a prioridade absoluta em nossa vida. Temos de cuidar deles, orientá-los, dar-lhes suporte, dar-lhes a confiança de que sempre estaremos a seu lado, de que estamos ali pra resolver qualquer problema. O que me desesperava é que eu sempre disse isso a ele, e a vida colocava uma situação que eu não podia resolver. Fazer os pais entenderem que a tragédia é democrática, não escolhe credo, cor, idade ou profissão. E sempre tendemos a achar que nunca acontecerá com a genteArquivo pessoal
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R7— O que mudou em sua vida após a perda do Rafael?
Ricardo Gonzalez ― Ninguém perde um filho e fica incólume [ileso] a isso. Mas a essência não muda, exatamente porque sempre tive como baliza o fato de que não somos nada nesta vida. Nunca me aborreci por bobagens, sempre procurei aproveitar cada minuto da vida, incluindo a companhia dele, porque passa rápido. E como Rafael sempre me viu como exemplo, sempre fui referência, ele verbalizava o quanto gostava do meu jeito e de minha postura, até por respeito a isso e por saber que ele está por perto, não tenho por que mudarArquivo pessoal
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R7— Quais são as lembranças que você tem do Rafael? O que quer levar com você para o resto da sua vida?
Ricardo Gonzalez ― Não há um único dia desde 19 de novembro de 2010 em que eu não pense nele. Muitas pessoas próximas, da família, a mãe dele, não gostam muito de falar nele, ou se emocionam ao lembrar e evitam as lembranças. Eu me alimento delas. Não passa mais de uma semana sem que eu não coloque algum DVD caseiro em que estou com ele e meu primo Paulo. Rio como se estivesse vivendo tudo de novo, realmente me divirto. Rafa está no meu coração e na minha mente, e portanto é ele o que vou levar sempre comigoRafael
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R7 — Recentemente você teve uma filha. Qual foi o seu sentimento em voltar a ser pai?
Ricardo Gonzalez ― Eu nunca deixei de ser pai. Eu nasci pai. Ser pai é o que de melhor sei fazer na vida. Além do livro, ter um outro filho foi um projeto que me impulsionou à frente, após a morte do Rafa. Não foi fácil, por minha idade (hoje 49), pela idade de minha segunda mulher [hoje 45 anos]. Mas não sossegamos enquanto Maria Luísa não chegou, há sete meses. Ela não substitui o Rafa, cada um tem sua história. Mas ela, de certo modo, ressuscitou uma parte do que havia morrido em mim. Todo o meu empenho e dedicação será para torna-la um ser humano tão especial como foi o irmão, e para ser um pai tão exemplar quanto o irmão achava que eu eraArquivo pessoal