No papel de mãe, pediatra também sofre em fila de hospitais
Depois da maternidade, Paolla passou a entender melhor o drama dos pacientes e dos colegas
Saúde|Eugenio Goussinsky, do R7
Há um ditado conhecido que diz que "ser mãe é padecer no paraíso". Ele se encaixa praticamente a todas as mães do mundo. Mas o caso de Paolla Alberton é mais restrito. Como bilhões de outras mulheres, ela é mãe. Mas como um número bem menor, que vem diminuindo cada vez mais, ela é pediatra.
Pelas suas próprias palavras, uma mãe pediatra faz na verdade duas faculdades. A primeira tem uma duração de cerca de seis anos, ainda que continue nas filas dos hospitais e na reação dos pais a cada atendimento. A outra, porém, a própria maternidade, é um aprendizado que não tem fim.
Aos 34 anos, Paolla conhece cada vez mais os dois papéis. Tem sofrido, como mãe, na fila dos hospitais quando uma das suas filhas, de 5 anos e meio e de um 1 e meio, necessita de atendimento.
—Quando vou a um hospital, como mãe, procurar um atendimento de rotina, não uso o fato de ser pediatra para ter preferência e passar na frente. Espero na fila. Já fiquei duas horas ou mais para fazer apenas uma ficha. A vez que esperei cerca de 40 minutos era por volta de duas da manhã.
Ela agradece o fato de nunca ter precisado de nenhum atendimento urgente para uma das meninas. E, no papel de médica, se coloca no lugar dos plantonistas que cada vez mais estão rareando nos hospitais particulares e prontos-socorros. Salários mais baixos e falta de retorno financeiro com a pediatria estão entre as causas disso.
— Sento e fico esperando. Nunca vou em troca de plantão ou em horário de almoço. Sei que são momentos de pico. Só reclamo quando vejo alguém passar na minha frente, mas sem fazer estardalhaço. Sei a rotina de um pediatra e sei o que significa uma reclamação mais estridente. Isso atrapalha o trabalho, porque as broncas que o pediatra ouve dos seus superiores não são em geral em tom baixo.
Conflito de interesses
Paolla mesmo já está cansada de esperar por horas em estabelecimentos de saúde particular de Campinas, cidade onde mora. E procura se adequar a este sistema cada vez mais implacável, fruto do aumento da demanda e do fechamento de muitas alas pediátricas.
—Tanto que minhas filhas têm pediatra de rotina, colegas meus. Quando o da mais nova não pode, marco para ela com o da mais velha. E agendo com muita antecedência. A próxima consulta está marcada para agosto. São médicos requisitados dentro desta realidade.
A médica ficou um tempo afastada justamente para dar maior atenção à caçula, que tem APLV, uma alergia à proteína do leite da vaca. Combativa, ela descreve em seu blog a luta para atender às necessidades de alimentação da pequena. E também dá dicas sobre a saúde das crianças.
Aliás, a paixão de Paolla por crianças veio antes dela se tornar mãe. Mas depois que isso aconteceu, ela sentiu que algo mudou na sua postura, em relação à profissão.
—Sempre gostei de crianças. Mas depois da maternidade compreendi algumas situações que antes poderiam me incomodar. A realidade mudou para mim neste sentido. Tornei-me mais tolerante com a angústia de uma mãe, entendi melhor a ansiedade dela, quando se preocupa com o aleitamento, com uma febre, em não saber o que fazer. Por outro lado, fico mais nervosa quando ouço uma mãe dizer que não tem tempo para levar o filho em consultas preventivas.
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Este diálogo entre pais e médicos, para ela, não está bem sintonizado, o que é uma das causas da atual crise da pediatria. Além da falta de um maior investimento na formação de pediatras, que Paolla considera fundamental ser retomado.
—A sociedade em geral é imediatista, quer resolver tudo na hora. Quando vou atender quero fazer um trabalho de prevenção e muitos responsáveis pela criança querem a solução imediata. Há um conflito de interesses, o médico querendo fazer uma coisa e a expectativa sendo outra. Mas o PS (Pronto-Socorro) não resolve tudo.
A história de Paolla é mais uma daquelas em que a criança chega e junto com ela as responsabilidades de cuidar de alguém além de si mesmo. O mundo ganha amplitude com um outro umbigo ligado por um cordão. Como se fosse uma varinha mágica. Ainda mais com uma pediatra e mãe ao mesmo tempo. No caso de Paolla, pode-se dizer que ser mãe é padecer na pediatria.