Profissionais do Mais Médicos contam dificuldades que enfrentam na Baixada Fluminense
De 13 selecionados, apenas quatro completaram um mês de atuação em Duque de Caxias
Saúde|Da Agência Brasil
Ao aderir à primeira etapa do Programa Mais Médicos, o município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que tem cerca de 855 mil habitantes, ofereceu 32 vagas. Após as inscrições, 11 brasileiros e dois estrangeiros foram selecionados para atuar na cidade. Quando chegou o dia da apresentação, seis brasileiros compareceram, e, desses, quatro completaram na última quarta-feira (2) um mês de atuação, já que dois desistiram do programa.
Um dos que continua na vaga é Wendel José, de 26 anos, formado há nove meses e entusiasmado com o contato com os pacientes do bairro de Parada Angélica, onde preencheu uma vaga na unidade do Programa de Saúde da Família. Ele já morava em Duque de Caxias, mas nasceu em Guaíra, no interior de São Paulo.
— O pessoal tem sido bem receptivo. Aqui tinha uma carência muito grande mesmo de médico. A gente vê pessoas com problemas crônicos, como diabetes e hipertensão, que estavam sem acompanhamento, algumas já até com complicações dessas doenças.
O médico focou a formação na emergência, mas migrou para a saúde da família com o programa.
— A gente vê tanto paciente que chega mal na emergência, com complicações que poderiam ter sido evitadas. Com a prevenção, a pessoa hipertensa não chega a ter pico hipertensivo ou AVC (acidente vascular cerebral).Tudo começa na atenção básica.
No estado do Rio, em que todos os médicos da primeira etapa foram alocados na região metropolitana, a Baixada Fluminense aguardava receber 37 profissionais formados no Brasil, enquanto Itaboraí e São Gonçalo, no leste fluminense, sete, e a capital, 16. Em Belford Roxo, no entanto, nenhum dos sete previstos se apresentou. O mesmo ocorreu em São João de Meriti, onde um médico deveria ter comparecido. Na capital, 11 médicos desistiram, e, em São Gonçalo, segunda cidade mais populosa do estado, dos três médicos aguardados, dois se apresentaram e um abandonou o programa.
Em outra cidade da baixada, Mesquita, Eliazar Estevam de Barros é outro médico do programa que completa um mês de atuação. Com 23 anos de carreira, ele se inscreveu por ter experiência na saúde da família e pelo salário, de R$ 10 mil, e teve que se mudar de Angra dos Reis para o Rio. A chegada dele e de uma profissional que não é do Mais Médicos ao posto da Estratégia de Saúde da Família em Santo Elias rompeu um período em que as equipes ficaram cerca de um ano sem médicos.
A coordenadora da Atenção Básica de Mesquita, Gláucia Almeida, defende:
— O nosso grande problema, que é do país inteiro, é fixar médico. A gente não consegue ter um grande salário, e os médicos não têm a disponibilidade de carga horária necessária para atuar na atenção básica e ter vínculo com a população. Esse programa veio nos ajudar a resolver esse problema de fixação do médico.
O município ofereceu oito vagas ao se inscrever para o programa. Recebeu seis médicos brasileiros e um estrangeiro, mas apenas quatro dos formados no Brasil se apresentaram. Deles, dois desistiram alegando não ter disponibilidade para a carga horária de 40 horas. Mesquita, segundo Gláucia, tem atualmente duas equipes de saúde da família com falta de médicos.
A unidade de saúde ocupa uma casa de três quartos com problemas de conservação pontuais, como portas descascadas e uma parede com infiltração, apesar de boa parte do prédio ter pintura nova, e os pacientes aguardarem em uma sala de espera arejada adaptada na garagem da residência. No consultório de Eliazar, há ar condicionado e mobília simples: um armário estreito, uma cama, duas cadeiras e uma mesa de ferro pintada de branco:
— O posto garante o mínimo para o atendimento. O resto é da garra da equipe.
O prédio da unidade em que Wendel trabalha foi inaugurado em agosto, e, segundo médico, não dificulta seu trabalho.
— A única queixa é que a unidade é pequena para três equipes. São três salas de atendimento, uma de preventivo, uma de vacinação e uma de dentistas. Somos três médicos e três enfermeiros, que também atendem. Quarta-feira, ainda vem a pediatra, que ocupa mais uma. Mas todo mundo fala que sou privilegiado por trabalhar em uma unidade nova. Aqui não tem problema nenhum.
Apesar disso, ele narra outra dificuldade: a falta de um carro para levar as equipes até as pessoas que precisam de atendimento domiciliar, o que faz com que ele visite apenas casas próximas a ponto de ir a pé. Quanto à locomoção, a periculosidade de algumas áreas cobertas pela clínica é outra preocupação:
— Tem lugares em que não costumamos ir porque são zonas de risco. Não nos negamos a ir, mas depende do caso.
Eliazar já levou à Coordenação de Atenção Básica do município suas demandas, pede um computador com internet e um guarda noturno no posto.
— A internet já foi instalada na segunda (30) e ficaram de mandar o computador. Há necessidade do computador para várias coisas, e uma delas é o telecurso do programa e os relatórios que tenho preenchido de casa. Isso deveria ser feito no horário de trabalho.
O médico lotado em Mesquita conta que, no primeiro mês de trabalho, seus principais pacientes foram diabéticos, hipertensos e gestantes, já que é obstetra, mas outros casos surpreenderam:
— A partir da visita de agentes comunitários que perceberam algo de estranho, pontuamos ao conselho tutelar uma menor que estava sendo abusada. O programa também tem essa parte da atenção social, que é importante.
Já conhecido de algumas famílias do bairro, Wendel também tem casos para contar:
— Tem gente que vem só pra conversar. Teve uma senhora que veio à consulta só para perguntar se podia comer amendoim, porque estava com colesterol e triglicerídeos altos e sentiu vontade. Isso também é saúde da família. O objetivo é criar vínculo com a comunidade. Tem gente que vem aqui toda semana e até traz fruta que dá no quintal pra gente.
O jovem médico afirma que o programa é bom, mas questiona o modo como foi formulado:
— Não concordo, por exemplo, que médicos de outros países entrem no Brasil sem a revalidação do diploma, nem com cubanos ganharem menos que os outros. O programa é bom, mas não é só levar o médico. Tem que estruturar a unidade e manter o médico lá. Os médicos não são contra o programa, são contra a formulação.
Eliazar, por outro lado, elogia a iniciativa e garante:
— Estou aqui muito feliz. As pessoas têm muitas dúvidas, mas pelo menos da minha parte, o programa vai dar certo.