Superação: relato de jovem ator com aids emociona e surpreende
No Dia Mundial de Luta contra a Aids, jovem de 29 anos revela os desafios da doença
Saúde|Fabiana Grillo, do R7
Neste domingo (1º), quando se comemora o Dia Mundial de Luta contra a Aids, o R7 convidou o ator e produtor Rafael Bolacha, de 29 anos, para contar a sua história de superação.
Há quatro anos, ele recebeu a notícia de que era portador do vírus HIV. Nascido em Ribeirão Preto, mas residente no Rio de Janeiro, Bolacha (apelido de infância) resolveu criar um blog para escrever seus medos, angústias, desafios e conquistas. O projeto cresceu e ganhou uma versão impressa. Intitulado Uma Vida Positiva, o livro foi adotado pela Columbia University de Nova Iorque como material de apoio para uso em sala de aula.
Mesmo com esta vitória, o ator não pretende cruzar os braços. Ainda tem o sonho de adaptar o blog para o teatro, espetáculo de dança — ele também é bailarino —, documentário e filme. A seguir, saiba mais sobre a história de vida do jovem ator.
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R7 — Você descobriu a doença em 2009 e um mês depois lançou o blog Uma Vida Positiva. Por que esta necessidade de expor sua história na internet?
Rafael Bolacha — Durante quase três anos, me “escondi” atrás do pseudônimo Luan F. Preferi também não colocar foto no blog, por uma questão de segurança e tranquilidade. A ideia inicial era usar a página na internet como uma ferramenta para me compreender e também desabafar. Funcionava como uma válvula de escape. Eu só não imaginava que teria tantos acessos e ganharia esta proporção. No lançamento do livro, que aconteceu há um ano, deixei de lado o pseudônimo Luan F. para assinar como Rafael.
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R7 — Como você descobriu a doença?
Rafael Bolacha — Fiquei com diarreia por três semanas e, neste tempo, emagreci 5 kg. No início achei que pudesse ser consequência dos ensaios intensos embaixo de sol. Como não havia sinais de cura, procurei um gastro e ele solicitou vários exames, inclusive de HIV. Foi a primeira vez que fiz o teste de aids. Como precisei repetir o exame, imaginei que tivesse dado positivo. Foi tenso! Com o passar do tempo, percebi que chegar ao estágio de aceitação da doença nos faz muito bem.
R7 — Você namorava na época?
Rafael Bolacha — Não. No entanto, usei camisinha em 90% das minhas relações sexuais e os outros 10% você acaba escapando do preservativo porque você conhece a pessoa, confia ou saiu mais alegre de uma noitada. É aí que há o perigo. Não sei ao certo quem transmitiu, mas acredito que eu já deveria estar com o vírus há um ano e não sabia.
R7 — Com a confirmação do diagnóstico, qual foi a sua reação? E a dos seus familiares e amigos?
Rafael Bolacha — No primeiro minuto eu fiquei triste e com muito medo, mas logo fui procurar um infectologista para tirar as minhas dúvidas. Acho que buscar informação me deu segurança para contar aos meus pais e irmãos. Isso fez toda a diferença! A primeira pergunta da minha família foi de que forma eles poderiam me ajudar. Meus amigos não tiveram nenhuma atitude preconceituosa, pelo contrário, senti muita compaixão da parte deles. Inclusive, muitos resolveram fazer o teste ou pedir para os parceiros como uma forma de segurança, e não desconfiança.
R7 — Quais os principais medos e desafios da aids?
Rafael Bolacha — Acho que os principais desafios são a questão de trabalho e de relacionamento. No começo, fiquei preocupado de como seria a minha vida com aids e até que ponto ela iria adiante. Pensei muito sobre como iria me sustentar e ter estabilidade financeira. Não tive problemas de preconceito, mas deixei de aceitar um trabalho porque um dos efeitos colaterais dos remédios é intestino desregulado. Às vezes, vou de sete a dez vezes por dia no banheiro e isso é muito constrangedor. Há pessoas de 30 anos com aids que são aposentadas por invalidez social porque enfrentam muitas dificuldades de se colocar no mercado de trabalho. São poucas, mas ainda existe.
R7 — Com o avanço dos tratamentos, você concorda que o soropositivo leva uma vida normal?
Rafael Bolacha — A vida de quem tem aids é quase normal. Realmente o tratamento avançou e colaborou para melhorar a qualidade de vida do paciente. Antigamente, as pessoas tomavam 30 comprimidos por dia. Eu tomo apenas seis, mas os efeitos colaterais são fortes, especialmente no começo do tratamento. Descobri que era alérgico a algumas substâncias e precisei adaptar a medicação. Além disso, é imprescindível tomar os comprimidos no mesmo horário todos os dias. No meu caso, posso tomar todos juntos, o que facilita no dia a dia. Minha vida é muito boa porque aprendi a me cuidar, diagnostiquei a doença cedo e logo comecei o tratamento.
R7 — Você faz acompanhamento psicológico?
Rafael Bolacha — Costumo brincar que o blog foi a minha terapia nos primeiros três anos do diagnóstico. Mas chegou num momento, especialmente por causa desta questão de relacionamento, que busquei ajuda profissional. Faço terapia há um ano e considero muito importante e válido.
R7 – Você comentou sobre relacionamento. Como está a sua vida amorosa?
Rafael Bolacha — Até hoje nunca tive relacionamento sério longo. Mas, depois do diagnóstico, já tentei iniciar alguns namoros, mas não foram para frente. Eu costumo contar sobre a aids assim que tenho uma oportunidade. Nunca tive problemas de revolta ou algo parecido, mas já ouvi de algumas pessoas que não conseguiriam “bancar” esta situação. Atualmente, estou solteiro, mas continuo tentando e uma hora dá certo, eu acho.
R7 – Com o lançamento do livro, o blog continua?
Rafael Bolacha — O blog continua, mas confesso que está mais devagar, especialmente porque a temática principal é abordar a fase de aceitação do portador do vírus HIV. O conteúdo do livro tem textos do blog, mas também material novo, editado e revisado. Agora quero abordar este mesmo tema em plataformas diferentes para atingir um público muito maior, como teatro, espetáculo de dança e rádio.
R7 – Como você enxerga o futuro?
Rafael Bolacha — Já fui um pouco mais pessimista em relação ao futuro. Na verdade, me considero um perfil mais realista. Quero ser pai e talvez seja necessário adiantar os planos porque os problemas de saúde aparecem com a idade e, no meu caso, isso pode se agravar. Tenho receio se vou conseguir estabilidade profissional para poder cuidar da minha saúde. Apesar de ser paciente do SUS [Sistema Público de Saúde], pago plano de saúde para exames e outras especialidades médicas. Isso é caro e me preocupa. Medo da morte não tenho mais.
R7 – Qual mensagem você poderia deixar para os jovens soropositivos?
Rafael Bolacha — Há três perfis de soropositivos. Os que não têm vergonha de assumir e falam abertamente do assunto são os que aceitam sua realidade e se cuidam mais. Há também os rebeldes que querem passar a doença para todo mundo e negligenciam a medicação. Estes costumam morrer mais rápido. E, por fim, tem aquelas pessoas que guardam seus anseios para si e este é o grupo que me preocupa. Por isso, a mensagem que eu deixo é não se isole.