Tratar doente com câncer como “coitadinho” só prejudica o paciente
Pacientes são preteridos em tarefas apenas por terem a doença, isolando-os na sociedade
Saúde|Dinalva Fernandes, do R7*
Descobrir um câncer pode ter um efeito devastador na vida dos pacientes. Embora alguns enfrentem a doença desde o princípio com otimismo — o que pode ajudar no tratamento, inclusive —, a maioria se revolta, se deprime ou até mesmo se nega a acreditar no que ouviu, como se ignorar o problema fosse ajudar na cura ou na diminuição do sofrimento.
Para o psiquiatra e diretor secretário da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), Claudio Martins, além do estigma da morte, embora haja inúmeros casos de cura, o paciente teme pelo futuro.
— [O câncer] ainda traz muito medo de mutilações, tratamentos dolorosos e perdas em geral.
Realmente. O câncer pode desencadear problemas psíquicos ao paciente, como ansiedade, depressão, medo, insegurança, mudanças de humor, entre outros. Além disso, dependendo do tipo de tumor, o paciente pode ter de enfrentar as consequências físicas do câncer, como as possíveis mutilações, dores e os efeitos colaterais do tratamento.
Segundo Martins, mesmo se todas estas questões forem superadas, ainda há o fator sociedade que pode, não só abalar a saúde mental do paciente, mas também a estrutura da família. Muitas vezes, a pessoa pode ter os papéis que desenvolve dentro de casa alterados, como os provedores de famílias, a perda do controle das situações com os filhos e a autonomia.
— No trabalho, a pessoa pode ser preterida para algumas tarefas. Não por não conseguir realizar determinada função, mas porque os colegas acreditam que ele é um coitadinho, que está sofrendo e que não vai conseguir fazer o trabalho. Isso acaba isolando ainda mais o paciente.
Os médicos também sentem dificuldade em comunicar o diagnóstico e, em alguns casos, mesmo com poucas chances de sobrevida, os pacientes chegam a se curar, principalmente se o tumor for descoberto no início. Por isso, segundo Martins, é extremamente necessário que o paciente e os familiares procurem ajuda psicológica para passar por este momento.
Tratamento difícil
Para Marcio Debiasi, oncologista do Hospital do Câncer Mãe de Deus (RS) e diretor da LACOG (Latin American Cooperative Oncology Group), uma das principais dificuldades em se combater a doença é justamente porque o organismo que originou aquele tumor é o mesmo que o do paciente.
— Se for pouca medicação, não surte efeito. Se for demais, intoxica. É a chamada “janela estreita”. Por isso, é difícil matar o câncer sem matar a si mesmo.
Debiasi explica que, antes da quimioterapia, um paciente com câncer de mama, por exemplo, era submetido à uma cirurgia para retirada do seio e de parte da axila. Os médicos e o paciente torciam para que não houvesse mais células cancerígenas no organismo. Se houvesse, o câncer voltaria. Com o tratamento, aumentaram as chances de sobrevida dos pacientes ou até a cura dos tumores.
Atualmente, o SUS (Sistema Único de Saúde) trata o câncer somente com quimioterapia. O tratamento foi revolucionário na década de 1970, pois possibilitou a sobrevida ou até a cura de milhões de pessoas desde então. Porém, alternativas mais inteligentes e sensíveis foram desenvolvidos nos últimos anos, mas estão disponíveis apenas na rede privada.
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Na década de 1990, foi o “boom” das terapias alvo. Porém, como o tumor sofre diversas mutações, acaba se tornado um câncer com propriedades diferentes.
— [A terapia alvo] foi um grande avanço, mas, às vezes, errava.
Em 2010, as pessoas começaram a serem tratadas como imunoterapia, que é o combate ao câncer estimulando o sistema imunológico do paciente. O problema é que este tratamento custa caro e, por isso, não está ao alcance de todos os pacientes.
Mortes por câncer e burocracia
Durante o Workshop Oncologia para Jornalistas, dentro do Fórum Câncer de Mama, realizado entre os dias 18 e 21 de agosto em Gramado (RS), diversos médicos bateram na mesma tecla de que a burocracia atrapalha todo o processo de incorporação de novas drogas ao tratamento oferecido pelo SUS, que atende 75% dos pacientes com câncer no Brasil. O detalhe é que 60% do que é gasto com os tratamentos são da rede particular (25% dos pacientes).
E a previsão da doença é alarmante para o futuro próximo. O número de casos de câncer aumentou nas últimas décadas e deve dobrar em 20, 30 anos. De acordo com Carlos Barrios, diretor executivo da LACOG (Latin American Oncology Group), os principais fatores para a expansão da doença é o aumento da expectativa de vida e o crescimento da população.
— O câncer será a principal causa de morte no mundo, à frente das doenças cardiovasculares. E já é a principal causa de morte em adultos nos EUA.
Para Leandro Brust, oncologista e consultor em oncologia para operadoras de saúde, nos últimos anos, o número de doentes da rede pública do Brasil subiu de 292 mil para 393 mil.
— A expectativa do INCA [Instituto Nacional de Câncer] prevê que 2.008 mulheres serão diagnosticadas com câncer mamário metástico HER2-positivo em 2016. Se forem tratadas apenas com quimioterapia, 808 estarão vivas nos próximos dois anos. Se receberem a combinação de quimioterapia + trastuzumabe [medicamento para tratamento de câncer de mama], o número de sobreviventes seria 1408. Ou seja, se salvariam 768 mulheres.
Entre 2005 e 2012, estima-se que aproximadamente 5.000 pacientes morreram pela falta de outro medicamento associado ao tratamento tradicional no Brasil, disse o médico. Os tratamentos de outros tipos de câncer, como pulmão, próstata, rim, pele (melanona) e cólon/reto, também podem ser mais sucedidos se complementarem outras drogas.
A demora também contribui para o problema. Segundo Stephani, no Brasil, o tempo de aprovação para um novo medicamento é de cerca de dez meses. Enquanto em outros países, a espera é de apenas três meses.
Engajamento nas pesquisas
Uma das soluções apontadas pelos especialistas para diminuir o número de mortes de pacientes com câncer seria o aumento das pesquisas clínicas. Segundo o médico Leandro Brust, dos US$ 40 bilhões (R$ 129 milhões) investidos anualmente no mundo em pesquisa clínica, o Brasil recebe pouco mais de US$ 139 milhões (R$ 448 milhões) (0,34%). Das 29.318 pesquisas em curso no mundo, apenas 461 (1,6%) tem alguma fase sendo desenvolvida no País.
Já os protocolos de pesquisa mundiais, quando os pacientes recebem tratamento tradicional mais medicação em teste, acabam tendo poucos pacientes brasileiros porque, devido à burocracia, os médicos acabam perdendo o prazo das inscrições.
Segundo Debiasi, mesmo se o paciente fizer uso do “medicamento placebo”, ele não ficará sem tratamento.
— Por lei, o paciente deve receber pelo menos o tratamento tradicional, caso não seja o que utilizará a droga em teste. Nem o paciente nem o médico sabem qual é a fonte do tratamento para não atrapalhar os estudos. O placebo, na verdade, é o remédio tradicional.
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De acordo com Stephani, estes protocolos são muito desejados por pacientes, pois muitos têm a possibilidade de receber os melhores medicamentos e aumentam suas esperanças de cura.
— Um paciente com câncer de pulmão avançado, com chance de cura 0, por exemplo, pode ter o tumor reduzido.
Durante os testes, os modelos não aprovados entram na conta do valor final do medicamento. A única forma de baratear um medicamento é com a abertura de concorrência, explica Stephani.
Brust complementa a explicação exemplificando o aumento nas chances de cura dos pacientes.
— Um câncer de pulmão avançado, com expectativa de vida de seis meses sem tratamento, pode dar de 12 a 15 meses de sobrevida ao paciente. Somente com o tratamento do SUS, o tempo seria de oito meses.
Para Brust, é necessário que a sociedade se engaje para cobrar mais pesquisas e pressionar a implementação de novas drogas no SUS.
Em nota, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) informou que “a partir do ano de 2015 a gerência geral de medicamentos organizou seus processos de trabalho e desde então consegue avaliar, além dos processos priorizados, uma maior quantidade de processos que aguardam na fila “ordinária”, portanto, passou a analisar petições que aguardavam na fila”.
Ainda de acordo com a agência, a publicações das decisões “passou a pressionar a média do tempo necessário para a conclusão de uma análise, isto é, o tempo contado desde a data de peticionamento do processo na Anvisa até a data da decisão publicada..., acarretando piora desse tempo médio”.
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* A jornalista viajou a Gramado para o Fórum Câncer de Mama a convite da Plenarium Organização de Congressos