Acusados de tráfico são os que mais recebem liberdade no STF
Levantamento feito pelo R7 mostra que suspeitos de crimes do colarinho branco são minoria entre os beneficiados com habeas corpus na Corte
Brasil|Fernando Mellis, do R7

A liberdade de dois supostos operadores de propinas para partidos políticos nos últimos dias pelo ministro Gilmar Mendes voltou a gerar indignação de uma parcela da sociedade com relação aos habeas corpus concedidos pelo magistrado.
No entanto, uma análise feita pelo R7 em 120 decisões monocráticas (tomadas individualmente) dos ministros do STF, entre janeiro e abril de 2018, mostra que não são os suspeitos de crimes do colarinho branco os mais beneficiados.
Mais da metade dos habeas corpus concedidos (63) pelos 10 ministros — a presidente, Cármen Lúcia, não recebe esse tipo de ação — até o fim de abril foram concedidos a suspeitos de tráfico de drogas.
No caso do ministro Gilmar Mendes, por exemplo, dos 22 HCs concedidos no período, nove puseram em liberdade ou em prisão domiciliar suspeitos de delitos considerados menores, como tráfico de pequenas quantidades de entorpecente, furto e descaminho.
O ministro Edson Fachin, tido como mais duro, deferiu 20 habeas corpus no período, sendo que em três casos concedeu liberdade a suspeitos de tráfico. Em outras ações, ele determinou que o juízo de origem avaliasse a possibilidade de prisão domiciliar.
A ministra Rosa Weber, que também integra o time 'linha dura' do STF, não costuma conceder habeas corpus. Em uma das poucas decisões favoráveis ao réu entre janeiro e abril deste ano, a magistrada mandou substituir a prisão preventiva de um idoso por medidas cautelares.
O homem, que estava preso desde março de 2014, é acusado de associação criminosa, corrupção ativa qualificada, uso de documento público ideologicamente falso, descaminho, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Dos 13.864 habeas corpus julgados no STF em 2017%2C apenas 543 foram deferidos — 3%2C91%.
Esse instrumento legal pode ser usado por qualquer pessoa que considere haver uma restrição ilegal do seu direito de locomoção.
Vale ressaltar que nem sempre o habeas corpus significa liberdade. Há casos em que ministros determinam mudanças de unidades prisionais ou alteram o regime a ser cumprida a pena, por exemplo.
O professor de direito constitucional Diogo Rais, da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Fundação Getulio Vagas, ressalta que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF se tornam alternativas diante da urgência na maioria dos casos.
"O habeas corpus acaba furando a fila porque trabalha com uma das coisas mais preciosas para o ser humano, que é a liberdade. [...] A razão lógica [do habeas corpus] é evitar uma prisão ilegal. Quando se fala de prisão, não é só o ato de prender, é o tempo preso. Manter alguém preso por um ano ilegalmente, é como se a cada dia estivesse cometendo uma ilegalidade", explica.
Para o professor Alamiro Velludo Salvador Neto, do departamento de direito penal da USP (Universidade de São Paulo), o fato de o STF ter uma grande demanda de HCs relacionados a tráfico de drogas e crimes como roubo e furto reflete o que já se vê nas cadeias.
"No sistema prisional, algo em torno de 48% dos presos são por crimes patrimoniais e quase 40% por tráfico de drogas. O que ocorre é que com o implemento das defensorias [públicas], isso começou a ser levado para os tribunais superiores com maior incidência", afirma.
O ministro que mais deferiu habeas corpus em 2017 foi Ricardo Lewandowski (104). Em segundo lugar, aparece Edson Fachin (73), em seguida, Gilmar Mendes (70).
Mendes admitiu, em palestra no STF nesta semana, que é "apontado como aquele que é um pouco o libertador-geral".
Ele ainda ironizou o fato de a imprensa não noticiar os HCs concedidos a pobres. "Concedemos a ricos e pobres. Por quê? Eu não sei, porque jornalista só gosta de rico, não gosta de pobre... Na verdade, HC de pobre não desperta interesse", disse.
No fim de abril, Gilmar Mendes exinguiu a ação penal e absolveu uma mulher que era acusada de tentar furtar um par de sapatos de R$ 99 em uma loja de departamentos no Rio Grande do Sul.
"Só cabe ao Direito Penal intervir quando outros ramos do direito demonstrarem-se ineficazes para prevenir práticas delituosas, limitando-se a punir somente condutas mais graves dirigidas contra os bens jurídicos mais essenciais à sociedade", argumentou o magistrado naquela ocasião. Ele acrescentou que "a conduta [da acusada] não causou lesividade relevante à ordem social".
O professor Salvador Netto destaca que um habeas corpus como esse não precisaria ter chegado à Corte se tribunais inferiores seguissem os entendimentos jurídicos do STF. "O Supremo tem uma posição de aceitação do princípio da insignificância", acrescenta.
Gilmar Mendes

Um dos casos mais notórios da posição contrária do ministro Gilmar Mendes ao que ele chama de "excesso de prisões preventivas" foi o do empresário Jacob Barata Filho.
Por três vezes, em 2017, ele libertou da prisão o homem apontado como envolvido em um esquema de corrupção no transporte público do Rio de Janeiro.
Mendes foi padrinho de casamento da filha do empresário, em 2013. Mesmo assim, ele disse não haver "suspeição alguma" para julgar casos envolvendo Jacob Barata Filho.
Mas ele também soltou o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, quando ainda era presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Mendes concedeu liberdade à ex-primeira dama do Rio Adriana Ancelmo e o empresário Eike Batista, ambos envolvidos na Lava Jato.
No último dia 11, o ministro concedeu habeas corpus ao ex-diretor da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador de propinas do PSDB em São Paulo.
"Aparentemente, a fundamentação da prisão preventiva não revela os reais propósitos da medida. [...] Como ponto culminante do desvio de finalidade da prisão preventiva, produzem-se notícias buscando constranger o Poder Judiciário a compactuar com a ilegalidade", justificou, citando reportagem sobre uma possível delação premiada por parte do investigado.
Em outro HC, no dia 15, Mendes colocou em liberdade o empresário Milton de Oliveira Lyra Filho, suposto operador de propinas do MDB. Ele sustentou na decisão que apesar de se tratar de crimes graves, os delitos teriam ocorrido entre 2011 e 2016. “Fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob pena de esvaziamento da presunção de não culpabilidade”, ponderou.
Durante um julgamento no ano passado, o ministro criticou indiretamente a Lava Jato por prisões que duram meses seguidos sem que tenha havido condenação.
"Uso da prisão preventiva para obter delação não encontra guarida no texto constitucional brasileiro. Pode até encontrar guarida no texto constitucional de Curitiba. Mas usar prisão provisória para obter delação é tortura", disse.
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes concedeu habeas corpus para Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro na gestão de Sérgio Cabral, que estava preso desde abril de 2017. O magistrado decidiu substituir a prisão pr...
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes concedeu habeas corpus para Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro na gestão de Sérgio Cabral, que estava preso desde abril de 2017. O magistrado decidiu substituir a prisão preventiva por medidas cautelares, como a entrega do passaporte e o recolhimento noturno e aos finais de semana. Mendes é conhecido pela concessão de habeas corpus para suspeitos presos preventivamente na primeira e segunda instâncias, postura criticada em pesquisas de opinião. Relembre a seguir algumas decisões do ministro























