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Decisão do STF poderá afetar direitos de indígenas em todo país

A corte decide nesta quarta-feira (25) se apenas terras ocupadas por comunidades nativas em 1988 serão reconhecidas

Brasil|Do R7

Indígenas xokleng cantam em volta de fogueira em sua terra em José Boiteux (SC)
Indígenas xokleng cantam em volta de fogueira em sua terra em José Boiteux (SC)

Relegado a um canto degradado de suas terras ancestrais, o povo xokleng do sul do Brasil aguarda ansiosamente um veredicto do STF (Supremo Tribunal Federal) que pode restaurar o território perdido décadas atrás.

Leia também: Deslocamento de 6 mil indígenas leva tensão ao STF

Sentados junto a um fogão de lenha, anciãos xokleng lembram os dias em que peixes e caça abundantes alimentavam suas famílias, antes de a maior parte de suas terras férteis serem vendidas pelo estado a plantadores de tabaco nos anos 1950.

Agora os xokleng oram para que os tribunais brasileiros cumpram uma profecia de um xamã moribundo: a de que, um dia, reconquistarão suas terras.


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A corte decide nesta quarta-feira (25) se o governo de Santa Catarina aplica uma interpretação rígida demais dos direitos indígenas ao só reconhecer terras ocupadas por comunidades nativas quando a Constituição foi ratificada, em 1988.

O caso surgiu quando o governo estadual usou aquela interpretação para expulsar um grupo de xokleng de uma reserva natural situada em suas terras ancestrais. A Funai (Fundação Nacional do Índio) apelou da decisão em nome dos xokleng.


Foi "outra tentativa de nos eliminar", disse Brasilio Pripra, ancião de 63 anos da comunidade. "Nosso povo vive aqui há milhares de anos."

O procurador-geral de Santa Catarina, Alisson de Bom de Souza, que representará o estado na corte nesta quarta-feira, disse que está buscando uma decisão que respeite os direitos indígenas sem prejudicar outros direitos constitucionais dos brasileiros.


Os xokleng foram expulsos de suas terras de caça tradicionais mais de um século atrás para abrir espaço a colonos europeus, a maioria alemães fugindo de tumultos econômicos e políticos.

À certa altura, o estado recompensava a matança de povos indígenas e mercenários coletavam orelhas de nativos mortos, uma história dolorosa documentada por antropólogos e transmitida de geração e geração.

"Antes eles nos matavam com armas, agora nos matam com uma canetada", disse João Paté, um ex-cacique.

Dança e oração

Determinados a manter suas tradições vivas, os xokleng se reúnem ao redor de fogueiras de noite para contar historias em sua própria língua e manter os rituais de dança e oração, às vezes pintando os rostos dos jovens.

Eles ainda repartem a comida em refeições comunitárias, mas a carne que assam é comprada fora da reserva, já que eles não têm terras suficientes para caçar ou criar gado.

"Não conseguimos plantar comida vivendo neste buraco. Eles querem se livrar de nós. Não gostam de nós", disse Vanda Kamlem, de 87 anos, rodeada pelos seis netos. Ela lembra dos dias em que coletava pinhões das araucárias abundantes.

Agora as florestas estão desmatadas e os peixes se tornaram escassos, já que os rios se tornaram turvos, contou ela.

"Os colonos chegaram lentamente, tomando conta. Construíram duas serrarias e devastaram o local", disse Paté, um pastor evangélico que conduz os cultos na igreja da comunidade.

Ele diz que a palavra de Deus salvou os xokleng do alcoolismo que se tornou comum nos anos 1950.

Os xokleng são cerca de 3 mil atualmente, e se concentram nos 14.156 hectares de um território montanhoso no qual deslizamentos de terra ameaçam lares e a maior parte da terra é íngreme demais para a agricultura

Eles reivindicam outros 24 mil hectares de solo rico para o tabaco que dizem ter pertencido a eles durante séculos antes da chegada dos colonos.

Se a decisão de quarta-feira favorecer os xokleng, mais de 800 famílias de agricultores enfrentarão o "caos" e ficarão "sem futuro", segundo Tarcisio Boeing, de 65 anos, que cultiva 50 hectares que estão com seus familiares de ascendência alemã há mais de um século.

"Esta terra foi comprada, e temos as escrituras", afirmou Chico Jeremias, de 61 anos, que diz que seu avô alemão chegou um século atrás e lhe deixou 27 hectares que ele cultiva com os quatro filhos.

"Se o tribunal decidir ampliar as terras indígenas, para onde irão estes agricultores familiares? Isto se tornará uma terra sem lei."

O parecer do Supremo afetará centenas de reivindicações de terra de indígenas de todo o Brasil, muitos dos quais representam um anteparo contra o desmatamento da floresta tropical amazônica.

Uma derrota dos xokleng na corte pode estabelecer um precedente para o desmantelamento dramático de direitos nativos defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele diz que muito poucos povos indígenas vivem em terras demais no país, impedindo a expansão agrícola.

Interesses poderosos do agronegócio teriam mais base legal para contestar reivindicações de terra de indígenas, e o Congresso teria luz verde para introduzir uma definição restritiva das terras indígenas na lei federal.

Se perderem o processo, os xokleng mais novos dizem que continuarão lutando. "Estamos aqui e resistiremos até o fim. Esta luta nunca terminará", disse Lázaro Kamlem, de 47 anos.

Ele é descendente do xamã Kamlem, o curandeiro xokleng que em 1925, no leito de morte, disse que o povo perderia suas terras para "homens brancos", mas que um dia as recuperaria.

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