Empresas retomam transporte de carga em meio a frete indefinido
Ministro Luiz Fux, do STF, faz audiência em seu gabinete nesta quarta com representantes do governo e de empresários para tentar resolver impasse
Brasil|Diego Junqueira, do R7, em São Paulo
Após quase duas semanas de escoamento travado, o transporte rodoviário de cargas está sendo retomado aos poucos no país, segundo agentes do setor ouvidos pelo R7. Em alguns casos, o preço do frete é praticado abaixo do valor mínimo definido pelo governo federal — que já foi questionado por mais de 50 ações na Justiça e será tema de audiência nesta quarta-feira (20) no Supremo Tribunal Federal.
O R7 apurou que as negociações ocorrem caso a caso entre embarcadores, transportadoras e caminhoneiros autônomos, independentemente do valor fixado na Medida Provisória 832/2018, assinada em 27 de maio pelo presidente Michel Temer como parte do acordo feito com os caminhoneiros para encerrar a paralisação de 11 dias da categoria.
Um dos setores mais afetados pela tabela do frete foi o da produção de soja, que está em plena colheita de uma safra recorde — que inclusive deve colocar o Brasil como maior produtor mundial do grão.
De acordo com produtores e empresários, a negociação da atual colheita foi feita meses atrás considerando os valores de frete então praticados pelo mercado. Após a tabela de preços mínimos entrar em vigor, o setor se viu obrigado a rever os contratos, o que levou à opção por estocar a soja até uma solução definitiva sobre o preço do transporte.
"O tabelamento acabou parando toda nossa comercialização, porque grande parte da nossa safra é negociada com um ano de antecedência", diz o produtor Bartolomeu Braz Pereira, presidente da Aprosoja Brasil (Associação Brasileira dos Produtores de Soja). Ele afirma que o preço do frete subiu de 30% a até 150%.
Essa variação afeta diretamente as chamadas “tradings”, empresas que intermediam a negociação entre produtores e compradores nacionais e estrangeiros. Essas companhias são responsáveis por buscar o grão no campo e fazer o transporte para fábricas nacionais ou até os portos, onde o produto sai para exportação.
São principalmente essas empresas que assumiram os riscos de negociar o escoamento independentemente da tabela da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). "Começou a fluir porque se não para tudo", diz um agente do setor à reportagem, na condição de anonimato.
O diretor-geral da Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais), Sérgio Teixeira Mendes, afirma desconhecer a prática.
— Até onde eu sei está tudo parado. Não tem como escoar com essa tabela.
O presidente da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), André Nassar, diz que “as empresas voltaram a operar e estão resolvendo caso a caso por conta da indefinição juridica com respeito à tabela de frete”.
Apesar da retomada nas negociações, há relatos de denúncias à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) contra embarcadores que estão praticando os valores abaixo do preço mínimo. Procurada nesta terça-feira (19), a agência não respondeu às perguntas da reportagem.
Agente imprevisível
O fato de a tabela do frete já vigorar na atual safra também é criticado por Nassar, pois impacta negócios que já foram fechados.
— Se for para ter tabela, não pode ser sobre a safra sendo comercializada agora, porque tem soja comprada há muito tempo.
Segundo o presidente da Abiove, a tabela do frete pode causar distorções no mercado, como, por exemplo, obrigar o produtor a assumir o custo do transporte do grão ou então estimular a indústria a montar suas próprias frotas de caminhões.
— Para a próxima safra é um problema, porque a ANTT vai publicar atualização da tabela todo semestre, então como vou prever o comportamento deste agente? Não tem previsão.
A CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos) foi procurada pelo R7, mas não atendeu ao pedido de entrevista até a publicação desta reportagem.
Debate no STF
Em vigor desde 30 de maio, a tabela do frete vai ser tema de discussão nesta quarta-feira no gabinete do ministro Luiz Fux, do STF, relator de duas ações que questionam a contitucionalidade da tabela. Participarão da conversa representantes da ATR Brasil (Associação do Transporte Rodoviário de Carga do Brasil) e da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), autores dos pedidos, além de representantes da AGU (Advocacia-Geral da União), do Ministério dos Transportes, da ANTT e da PGR (Procuradoria-Geral da República).
Fux suspendeu todas as ações que questionavam a tabela do frete até que seja tomada uma decisão pelo Supremo. Continua em vigor, no entanto, a liminar obtida pela Abag (Associação Brasileira do Agronegócio) que suspendeu os efeitos da tabela para as 90 associadas da entidade.
O tabelamento dividiu até os órgãos da administração pública. Enquanto o Ministério da Fazenda e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) são contrários ao valor mínimo do frete, a Presidência da República e a AGU defendem o tabelamento. A reunião está marcada para as 11h.