Transporte de carga trava com indefinição sobre tabela do frete
Fábricas localizadas no Nordeste e Sul que precisam mandar seus produtos para o Sudeste, o principal mercado consumidor, são as mais afetadas
Economia|Do R7
As idas e vindas do governo em torno da tabela com o preço mínimo do frete rodoviário desencadearam um segundo capítulo da paralisação dos caminhoneiros. Embora não haja mais bloqueio nas estradas, a indefinição do custo dos transportes está fazendo com que empresas adiem os embarques de mercadorias, com reflexos na exportação e na produção.
Os dados do setor privado que chegaram à mesa do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, apontam para um atraso de 11 dias nos embarques do agronegócio.
— Deixamos de exportar 450 mil toneladas por dia.
É o suficiente para carregar 60 navios. Mas, sem carga, eles ficam parados no porto, sujeitos a uma cobrança diária de US$ 25 mil.
O quadro foi confirmado pelo diretor-geral da Anec (Associação Nacional de Exportadores de Cereais), Sérgio Mendes. "O mercado continua completamente parado. Tem 10 milhões de toneladas já vendidas e paradas no interior e 50 navios de soja ao largo dos portos esperando resolver essa situação para poder embarcar", disse. Segundo ele, há outros 60 navios chegando aos portos brasileiros e correndo o risco de enfrentar o mesmo problema.
Na produção industrial, também há cargas paradas. Segundo a CNI (Confederação Nacional da Indústria), as empresas já enfrentam dificuldades para obter insumos.
"O País está parado", afirmou Wallace Landim, o "Chorão", uma das lideranças dos caminhoneiros autônomos. Ele esteve na segunda-feira (11), na sede da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para discutir um ajuste na tabela do frete.
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O tabelamento do preço mínimo para o frete rodoviário — decisivo para acabar com a paralisação dos caminhoneiros — virou uma armadilha para o governo. Sob pressão, já foram editadas duas versões da tabela. A primeira — que é a que está em vigor hoje — atendeu os caminhoneiros, mas revoltou o agronegócio, que fala em aumentos de até 150% nos preços.
A segunda, procurou aliviar o custo dos produtores, mas contrariou os caminhoneiros. O governo a revogou. Uma terceira versão está em discussão desde o fim da semana passada.
"É uma balbúrdia danada", disse o presidente executivo da Anut (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga), Luis Henrique Baldez. Ele confirmou que há represamento da carga. "Não é represália aos caminhoneiros. É por causa da indefinição de preços."
Segundo Baldez, o agronegócio não contrata caminhoneiros autônomos, e sim transportadoras. Essas, por sua vez, recrutam os autônomos quando sua equipe é insuficiente para dar conta do serviço. "Se eu contrato essa empresa, tem de ser pelo frete mínimo?"
A ATR (Associação dos Transportadores Rodoviários) ingressou com uma ação de inconstitucionalidade contra a tabela. No STF (Supremo Tribunal Federal), o caso deverá ficar com o ministro Luiz Fux. A CNI pretende fazer o mesmo esta semana. Outras entidades, como a Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos) e a Anec também procuraram a Justiça. Na semana passada, o tabelamento chegou a ser suspenso para duas empresas por uma decisão judicial, mas a liminar foi derrubada na sexta-feira (8).
Cargas do Nordeste são as mais afetadas
Indústrias com fábricas localizadas em regiões mais distantes do País, no Nordeste e Sul, que precisam mandar seus produtos para o Sudeste, o principal mercado consumidor, enfrentam dificuldades para despachar mercadorias. Com o tabelamento do frete, o custo desse transporte aumentou cerca de 150%.
Fabricantes de linha branca e de eletroportáteis instaladas no Nordeste têm cerca de uma semana de produto faturado e parado em seus depósitos por causa do encarecimento do chamado "frete de descida", segundo José Jorge do Nascimento Júnior, presidente da Eletros, associação que reúne os fabricantes de eletroeletrônicos.
Esse tipo de frete, tradicionalmente, une as regiões com menor volume de saídas e os grandes centros comerciais a um custo inferior ao de um frete normal. Isso porque utiliza caminhões que, na prática, voltariam sem carga para o Sudeste. Mas, com as mudanças nas regras, o valor desse frete foi nivelado para cima.
"Virou um leilão o mercado de frete", diz Anete de Castro, vice-presidente da Mallory, fabricante de eletroportáteis, com fábrica em Maranguape, no Ceará. Por causa do custo elevado de transporte, que subiu 150% do Nordeste para o Sudeste e pela falta de caminhões, até quarta-feira da semana passada (6) a empresa tinha o equivalente a uma semana de produtos faturados e parados no depósitos.
A partir de quinta-feira (7), conta a executiva, 30% das mercadorias começaram a ser despachadas por navegação de cabotagem, do Porto de Pecém (CE) para o Porto de Santos (SP). Também uma pequena parcela está vindo de caminhão. Ela conta que há caminhoneiros com a mercadoria já embarcada que desistem do frete para o Sudeste porque recebem uma oferta de preço melhor, dada a escassez de transporte.
Anete diz que já faltam itens da sua marca nas lojas do Sudeste e que está renegociando com os varejistas o aumento de custo de transporte, que normalmente corre por conta do fabricante. "A situação só não está pior porque a fábrica está em férias coletivas, programadas anteriormente."
Os problemas enfrentados pela Mallory para trazer produtos para o Sudeste também viraram rotina de várias outras indústrias instaladas no Nordeste. A Esmaltec Eletrodomésticos, por exemplo, que produz fogões e geladeiras na região metropolitana de Fortaleza (CE), informa, por meio de nota, que "após a divulgação da tabela de fretes mínimos pela ANTT, em 31 de maio, tem buscado modais alternativos, como a cabotagem, no intuito de minimizar os impactos no transporte de seus produtos, até que haja uma posição definitiva do governo". A empresa esclarece que, até o momento, o aumento dos custos não foi repassado para os clientes mas, caso esse cenário persista, haverá impacto nos preços dos produtos para os revendedores e, consequentemente, para os consumidores finais, diz o comunicado.
No Sul, a situação não é diferente. O diretor de Relações Institucionais do Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho), Carlos Paviani, diz que companhias gaúchas produtoras começam a cancelar as vendas da bebida para outras regiões do País. "Uma companhia associada, por exemplo, cancelou o envio de uma carga de Bento Gonçalves (RS) para Fortaleza (CE) após o preço do frete subir de R$ 18 mil para R$ 45 mil", alta de 150%, explicou. A carga seguiria para animar as tradicionais festas juninas da região.
"Alguns produtos simplesmente ficaram inviáveis com o preço do frete", resume gerente de Relacionamento com o Poder Executivo da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Pablo Cesário. 70% do preço da cal, usada como insumo na produção de cimento e na agricultura, é custo de transporte.