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“Essas pessoas não estavam na rua quando o Brasil era o País da fome”: ativistas comentam manifestações

Levantamento mostra que 77% dos manifestantes de São Paulo se declararam brancos

Brasil|Juca Guimarães e Luís Jourdain, do R7

Manifestantes em ato contra o governo na Avenida Paulista
Manifestantes em ato contra o governo na Avenida Paulista

As manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff levaram milhares de pessoas às ruas do Brasil no último domingo (14). De acordo com o instituto Datafolha, foram 500 mil manifestantes apenas no ato da Avenida Paulista, em São Paulo.

No entanto, o mesmo levantamento mostra que metade das pessoas que protestaram na capital paulista recebe entre 5 e 20 salários mínimos — de R$ 4.400 e R$ 17,6 mil. Com base nesses dados, o R7 entrevistou representantes de movimentos culturais e sociais que atuam na periferia da cidade de São Paulo para analisar o perfil das manifestações que pedem a saída da presidente.

“Essas pessoas que foram na manifestação não estavam nas ruas quando o Brasil era o País da fome”, analisa Mano Ril, organizador do sarau Sobrenome Liberdade. Atuante na região do Grajaú, no extremo sul da capital paulista, o projeto faz intervenções nas ruas dos bairros locais, além de abrir espaço para artistas independentes mostrarem sua arte uma vez por mês.

— As pessoas que foram às ruas não são aquelas que apoiaram a molecada quando os estudantes ocuparam escolas públicas contra a reorganização proposta pelo governador Geraldo Alckmin. Esses, na verdade, foram xingados de vagabundos por elas.


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Ril também ressalta a falta de diversidade da manifestação convocada para a Avenida Paulista. De acordo com dados do Datafolha, 77% dos manifestantes se declararam brancos. Para o ativista, essa estatística mostra que a população negra não se sente representada pelas pautas colocadas pelos movimentos que pedem o impeachment da presidente Dilma.


— Eu não vi preto no protesto de ontem. A não ser que eles estivessem trabalhando. Todos os vídeos que recebi eram só de pessoas brancas, bonitas, gordas, que saíram para a rua para, no final, poder tomar champanhe e comemorar uma possível vitória. Mas o povo da periferia nunca saiu da rua. Se o gigante acordou, que acorde para a fome dos moleques, porque da ponte para cá, o problema é bem maior. Nós estamos lidando com vidas.

Atuante na Zona Sul da capital paulista, o ativista cultural André Pereira é um dos organizadores do Slam do Grito — batalha de poesias realizada pelo menos uma vez ao mês na região do Ipiranga e Sacomã. Apesar de não ser explicitamente ligado a nenhum projeto social, Pereira ressalta que a maioria dos participantes dos eventos promovidos por eles têm propostas de críticas sociais.


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Pereira avalia que a manifestação deste domingo “parecia um carnaval”. O ativista, que passou pela Paulista na tarde de ontem, conta que a avenida estava “muito suja”, com garrafas de cerveja jogadas nas calçadas e “uma força tarefa de garis para limpar”.

Ele também critica a postura dos manifestantes que foram para o ato com a camisa da CBF, uma “instituição corrupta”. De acordo com Pereira, “falta informação” para a massa dos manifestantes, que, segundo ele, “estão descontentes, mas só pensam neles mesmos, e não no geral”.

Organizadoras do sarau Lapada Poética acredita que o ato de domingo “carecia de uma pauta clara”
Organizadoras do sarau Lapada Poética acredita que o ato de domingo “carecia de uma pauta clara”

— Essas pessoas têm tempo para fazer isso de domingo. Muita gente que trabalha para eles tem que ficar em casa no final de semana, cuidando dos próprios filhos. Mas eles têm quem cuide para eles.

A atriz Roberta Estrela D'Alva é uma das organizadoras do ZAP! Slam, tradicional batalha de poesia que reúne poetas de todas as regiões da cidade, e entende que o pano de fundo dos protestos não é, propriamente, a erradicação da corrupção.

Ela avalia que a pauta da corrupção, levantada pelos manifestantes de domingo, é um problema histórico no Brasil, e que os últimos governos, com pauta mais de esquerda, ampliaram o acesso aos direitos básicos para as camadas mais pobres da população.

— Se para esses que estavam na manifestação não melhorou nada nos últimos anos, para outras melhorou muito. Milhares de pessoas saíram da linha de pobreza. Pessoas que não comiam e hoje comem, que não tinham direito de estudar em uma universidade e agora estudam.

Preservar privilégios

Letícia Mendonça é uma das organizadoras do sarau Lapada Poética, realizado na cidade de São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista. Ela diz achar legítimo as pessoas irem às ruas se manifestar, mas acredita que o ato deste domingo “carecia de uma pauta clara”.

— Sem isso, qualquer manifestação pode tomar rumos perigosos e ser usada por grupos fascistas e de extrema direita.

Na avaliação de Letícia, dentre os presentes no protesto, haviam pessoas que apoiam os partidos de oposição e outras que não se sentem representadas por nenhum partido, além de grupos que “clamam pela volta de ditaduras e por regimes menos democráticos”.

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— Tem também os que não gostam que os outros tenham mais direitos. Uma parcela de pessoas que acredita na falácia da meritocracia para preservar seus privilégios.

Para ela, a população brasileira tem motivos muito mais sérios para ir às ruas, “como o genocídio do povo negro nas periferias”.

No próprio domingo, o rapper Mano Brown, do grupo Racionais MCs, escreveu uma mensagem na rede social Instagram comentando as motivações dos organizadores dos atos. "Todo protesto é válido, mas golpe não!", escreveu.

O rapper Rincon Sapiencia avalia que o debate político nas periferias e tão dinâmico e engajado como em qualquer outra área da cidade. "Não existe uma alienação política nas quebradas, porém, o morador da periferia não se identifica com a manifestação da Paulista. É mais um espetáculo, com as pessoas usando camisa da seleção e cantando o hino. Faltam pautas mais definidas, argumentos e um questionamento mais amplo sobre a corrupção em vários níveis do governo e também na própria sociedade. É seletiva essa indignação", disse. "Quem é da periferia não se sente a vontade fazendo parte disso, principalmente sabendo de todos os problemas que ainda precisam ser resolvidos", disse.

Rincon também critica a forma como as questões políticas são abordadas pelos meios de comunicação, o que também influencia a percepção do morador da periferia. "A televisão defende sempre a posição política mais elitista. O tratamento é desigual para outras opiniões, então o discurso elitistas acaba ganhando espaço. A periferia acompanha política, mas por fontes elitizadas", disse.

Outro lado

A reportagem do R7 entrou em contato com a assessoria dos movimentos MBL (Movimento Brasil Livre) e Vem pra Rua, mas não teve resposta até a publicação desta matéria.

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