Contêiner é transportado no Porto de Santos
Amanda Perobelli/REUTERS-23/09/2019Anos de rastreamento de drogas no Porto de Santos deram ao inspetor de alfândega Oswaldo Dias um bom faro para cargas suspeitas. Um carregamento de retroescavadeiras de segunda mão com destino à Europa, no final do ano passado, parecia suspeito.
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Então, na manhã de 18 de novembro, Dias enviou as máquinas para um scanner, que revelou uma massa estranha alojada dentro de um dos braços amarelos da escavadeira. Ele pulou para dar uma olhada e descobriu rachaduras no metal e uma pintura duvidosa. Dias pediu um maçarico.
Lá dentro, ele encontrou 158 quilos de cocaína destinados ao porto belga da Antuérpia.
Segundo Dias, o uso de equipamentos de construção era apenas o mais recente artifício empregado por traficantes brasileiros. Em menos de uma década, ele os viu passar de vendedores nas ruas do país a grandes players internacionais, usando Santos e outros portos para transportar narcóticos para o exterior.
“A Europa é o destino por excelência”, afirmou Dias, que se aposentou no final do ano passado da Receita Federal.
O Brasil se tornou um dos principais fornecedores de cocaína para a Europa, transformando a participação do país no comércio transatlântico de drogas em uma velocidade que chocou as autoridades antidrogas.
Há muito considerado um país consumidor de cocaína, um mercado para a droga produzida na Colômbia, Peru e Bolívia, o Brasil se transformou em uma plataforma de lançamento para levar a coca ao oceano. De acordo com autoridades, facções locais se infiltraram nos portos brasileiros, enviando quantidades recordes de coca em navios de contêineres com destino à Europa, onde obtêm preços mais altos.
As facções brasileiras são agora participantes essenciais no mercado europeu de cocaína, avaliado em mais de 9 bilhões de euros, segundo análise feita pela Reuters de dados alfandegários sobre apreensões de cocaína, relatórios confidenciais de inteligência e pesquisas sobre drogas ilegais; e entrevistas com mais de duas dezenas de pessoas, incluindo agentes de segurança, funcionários públicos, diplomatas, especialistas antidrogas e pessoas envolvidas no comércio ilícito.
“Para cocaína, o Brasil emergiu como um grande país exportador”, disse Laurent Laniel, analista sênior do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), a agência de drogas da União Europeia, com sede em Lisboa. “Isso é definitivamente algo novo.”
O comércio brasileiro de cocaína abrange grandes distâncias na maior nação da América do Sul. A Reuters acompanhou as polícias brasileira e peruana em ações contra criminosos perto da fronteira compartilhada dos países na Amazônia, onde houve uma explosão de cultivo e processamento de coca, planta usada para produzir cocaína.
“Está fora de controle”, disse o policial federal brasileiro Antônio Salgado, depois de se juntar aos colegas peruanos para destruir laboratórios de processamento de coca. “Você sobe no helicóptero e em dois minutos começa a ver plantações aqui, ali, em toda parte.”
Cão farejador encontra droga escondida em carga no Porto de Santos
Reprodução/Receita FederalA Reuters também esteve no Paraguai, cuja polícia provou não ser capaz de enfrentar as facções brasileiras que usam o país como caminho de produtos andinos para o Brasil; e em Santos, o maior porto da América Latina, onde as apreensões de drogas continuam quebrando recordes.
Todos os elos dessa vasta cadeia de suprimentos destacaram o novo status do Brasil como um dos principais centros de transbordo de coca para a Europa.
A mudança pode ser vista na Bélgica, a principal porta de entrada para a cocaína sul-americana na Europa, quase inteiramente através do porto de Antuérpia, de acordo com o OEDT.
Em 2019, as autoridades apreenderam um recorde de quase 62 toneladas de cocaína na Antuérpia, o segundo maior porto da Europa. Grande parte disso —15,9 toneladas, cerca de um quarto do total— veio de navios procedentes do Brasil, mostram dados alfandegários belgas. Em 2015, as alfândegas belgas apreenderam apenas 293 kg vindos do Brasil, menos de 2% do transporte daquele ano.
Uma história semelhante ocorre na Espanha, o segundo portal mais importante da Europa. Há cinco anos, o Brasil não se classificava entre os principais pontos de embarque de navios de carga apanhados levando cocaína para a Espanha.
Os cinco principais pontos eram Colômbia, Venezuela, Portugal, Equador e Chile, segundo dados fornecidos à Reuters no ano passado pela alfândega espanhola. O Brasil saltou para o primeiro lugar em 2016 e novamente em 2018, quando a polícia apreendeu um recorde de 4,3 toneladas de navios vindos de portos brasileiros, mostram os números.
O Brasil também foi o principal ponto de origem da cocaína apreendida na Alemanha em 2018, com uma apreensão histórica de quase 2,1 toneladas, de acordo com os dados aduaneiros alemães mais recentes.
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