Lei anticrime vetará 'saidinhas', mas atuais presos mantêm benefício
Apenas condenados por crimes hediondos com morte de vítima ocorridos após nova lei não deixarão mais as penitenciárias, segundo especialistas
Brasil|Márcio Pinho, do R7
A Lei Anticrime sancionada em dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro acaba com a saída temporária de presos que cometeram crimes hediondos com morte da vítima. A medida, porém, só será aplicada a crimes cometidos após o texto entrar em vigor, a partir do dia 23 de janeiro, porque esse tipo de legislação não pode retroagir em desfavor dos réus, segundo especialistas em direito penal ouvidos pelo R7.
Assim, pessoas já condenadas por homicídios qualificados, um dos tipos de crime hediondo, poderão continuar deixando a prisão até cinco vezes por ano.
São os casos de Suzane von Richthofen, presa desde 2006 por mandar matar os pais e que usufrui das saídas temporárias desde 2016; de Alexandre Nardoni, preso em 2008 pelo assassinato da filha Isabella, e que deixou a prisão pela primeira vez no Dia dos Pais em 2019; e de Elize Matsunaga, condenada por matar o marido Marcos Matsunaga em 2012 e que saiu também no último ano pela primeira vez, no Dia das Crianças.
A regra que acaba com as saidinhas foi incluída no pacote anticrime feito por um grupo de trabalho formado por deputados federais em 2019, aproveitando parte das sugestões de um projeto do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, e de outro projeto elaborado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). O texto recebeu ainda sugestões dos parlamentares.
O projeto acabou ficando mais brando do que o sugerido por Moro, que pedia o fim das saidinhas para condenados por “crimes hediondos, de tortura ou terrorismo”. Apenas o crime hediondo ficou no projeto, e o criminoso só perde o benefício se houver morte de vítima.
Segundo especialistas em direito penal ouvidos pelo R7, condenados no passado não poderão ter o benefício negado. Para o jurista Alamiro Velludo Netto, a Lei de Execução Penal tem natureza de direito material, o que significa que retroage só quando é mais benéfica. “Só vai ficar proibido de ter a saída temporária aquele sujeito que cometer o crime após a nova lei entrar em vigor”, diz.
O professor de direito da USP Maurício Zanoide afirma que o princípio que impede o fim das saidinhas para os presos atuais está no artigo 5º da Constituição, que detalha “direitos e garantias fundamentais” e diz que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
Ele diz que há uma explicação lógica para isso, que é a ideia de que as pessoas precisam saber a quais penas estão sujeitas quando assumem o risco de cometer um crime. “As pessoas assumem o risco e a responsabilidade por seus atos com base nas regras vigentes. Você precisa saber as regras do jogo antes para assumir esse risco”, diz.
A saída
A "saidinha" é um benefício que pode ser concedido a presos que alcançam o regime semiaberto, e um dos objetivos é iniciar a ressocialização. Os condenados de bom comportamento podem obter autorização para saída temporária do estabelecimento por prazo não superior a sete dias, em até cinco oportunidades ao ano.
Normalmente, as saídas acontecem em feriados ou datas festivas como Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Finados e Natal/Ano Novo. A decisão depende de autorização de um juiz.
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No final do último ano, 32.754 presos deixaram os presídios no estado de São Paulo para as festas de fim de ano. Até o dia 9 de janeiro, 95% tinham voltado. Os que não retornam perdem o benefício da saída temporária quando são recapturados.
Controvérsia
A restrição à saída temporária imposta pela Lei Anticrime pode causar imbróglios jurídicos, opina a professora de direito penal Eneida Taquary, da Faculdade Presbiteriana Mackenzie de Brasília. Ela diz achar possível que o STF precise se manifestar e determinar como ficará o benefício.
Segundo Eneida, a mudança é uma medida processual e valeria para todos, porque a lei processual tem aplicação "imediata e geral”, argumenta. “A pessoa já foi condenada pelo crime, não se está discutindo a pena, mas sim a execução”, diz.
Já o advogado da área criminal Fernando Castelo Branco, professor de processo penal da PUC, defende que a mudança “piora a situação do detento”, e que dessa forma tem “efeitos penais” e só vale para novos crimes.
“Se fosse uma outra questão processual, mudança de procedimento como a que jogou o interrogatório para o final do processo quando antes era no começo da instrução, ou então o número de testemunhas a serem ouvidas, seria de aplicação geral, mas não é o caso”, diz.