Membros do movimento negro criticam declaração de Luislinda
Ministra tentou acumular salário com o de desembargadora aposentada
Brasil|Giorgia Cavicchioli e Peu Araújo, do R7
Membros do movimento negro criticaram a comparação feita pela ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois (PSDB), entre seu trabalho e trabalho escravo em pedido ao governo Temer para receber acima do teto.
Luislinda entrou com um pedido ao governo para acumular o salário como chefe da pasta ao pagamento como desembargadora aposentada somando R$ 61,4 mil, valor que ultrapassa em R$ 26.677 o teto do funcionalismo previsto na Constituição (R$ 33.723).
Como já recebe R$ 30.471 como desembargadora aposentada, a ministra só pode ganhar mais R$ 3.252 para atuar no ministério, além de privilégos como imóvel funcional, carro com motorista, cartão corporativo e jatinho da FAB à disposição.
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Em documento de 207 páginas, datado de 3 de outubro, ela se queixa do valor adicional a seu atual rendimento. E acrescenta: "Trabalho executado sem correspondente contrapartida, a que se denomina remuneração, sem sombra de dúvidas, se assemelha a trabalho escravo".
O advogado e presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Humberto Adami, afirma ser "evidente que foi um momento infeliz de comparação da atividade dela com o trabalho escravo".
Adami ressaltou que o episódio não é inédito e lembrou declaração recente do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no qual comparou tarefas na Corte à condição análogo à escravidão.
“Mas creio que não se deva partir para cima da ministra de Direitos Humanos, porque ela é a única negra no atual governo”, completou Adami.
A advogada, ativista e empresária do Racionais MC’s, Eliane Dias, também criticou a declaração. “Um salário de R$ 33,7 mil está longe de ser salário escravo”, afirmou. “Vem na comunidade ver o que é trabalho análogo ao escravo”, completou.
“A ministra Luislinda Valois não deve mesmo trabalhar como ministra e ganhar R$ 33,7 mil, já que é desembargadora aposentada e tem salário de R$ 30 mil”, disse. A empresária defendeu a saída de Luislinda cargo e criticou ainda o vazamento do pedido.
O historiador Douglas Belchior, ativista do movimento negro, afirmou que "não surpreende em nada esse tipo de análise ou de percepção do que é o espaço público, do que é o cargo público, do que é o dinheiro público, de alguém que é colocado no poder por um grupo como esse, que é historicamente descendente daqueles que escravizaram nosso povo".
“Essa fala que Luislinda reproduz ou profere é o que significa o próprio governo. É um governo que tem uma atuação a partir dos interesses particulares daqueles que o compõe”, disse. O professor finaliza dizendo que “lamentavelmente, ela [Luislinda] tem uma consciência e uma opinião política que é fruto desse espaço onde ela convive.”
Após críticas, nesta quinta-feira (2), a ministra recuou. Em nota, ela afirmou: "Considerando o documento sobre a situação remuneratória da ministra Luislinda Valois, o Ministério informa que já foi formulado um requerimento de desistência e arquivamento da solicitação.”