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Saúde é direito, mas serviço médico é negócio, diz especialista em gestão

Para Rubens Baptista Junior, professor de gestão em saúde na FGV e na USP, é preciso diferenciar o direito à saúde e os serviços de assistência médica

Brasil|Diego Junqueira, do R7

"Precisa haver equilíbrio entre entrada e saída de recursos na saúde", diz professor
"Precisa haver equilíbrio entre entrada e saída de recursos na saúde", diz professor

A saúde é um direito garantido aos brasileiros na Constituição, mas a prestação de serviços na área da saúde é um negócio e precisa alcançar um equilíbrio entre saída e entrada de recursos.

A análise é do médico Rubens Baptista Junior, especialista em administração na área da saúde e professor de gestão em saúde no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e no MBA executivo em saúde da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

— É importante destacar essa diferença. A assistência são os serviços, os profissionais e as instituições que atendem e são regidas pela lei de mercado. Elas têm custo, têm despesas, têm salários para pagar e preços a enfrentar. É o lado negocial. E existe a saúde como um direito, como uma abstração, e a gente pode falar que essa não tem preço. Mas o tratamento, o remédio, o diagnóstico, os exames, tudo isso tem preço.

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Em entrevista ao R7, Baptista Júnior critica a decisão provisória tomada pela presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cármen Lúcia, que barrou provisoriamente a cobrança de até 40% por procedimento nos planos de saúde com coparticipação e franquia. Ao justificar a decisão, a ministra escreveu: "Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados".


Para o professor da USP e FGV, no entanto, a decisão "obscurece um pouco essa diferença" entre direito e serviço.

— A saúde não é um negócio, mas a assistência tem um lado negocial, ela obedece às leis de mercado. A assistência é negócio, é profissão como qualquer outra. O erro de não entender essa diferença vai levando a gente para situações que não tem solução boa para lado nenhum.


"Não adianta fingir que não tem que pagar salário ou comprar novos equipamentos"

(Rubens Baptista Junior, médico especialista em gestão)

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

R7 — O Brasil passa por um aprofundamento na crise da saúde, tendo em vista a alta na taxa de mortalidade infantil e a queda na taxa de vacinação?


Rubens Baptista Junior — Nós tivemos na última década uma degeneração grande na economia, com aumento de desemprego, queda de produtividade e uma crise social, causando aumento de pobreza. Também tivemos uma redução muito grande nos equipamentos de saúde no Brasil. Estou falando principalmente de hospitais, uma redução de vagas em hospitais devido a uma crise muito grande no setor. Tivemos também imigração em massa e forçada, que reintroduziu o sarampo entre nós, principalmente via venezuelanos que fogem de seu país e de viajantes que vieram de países onde existem epidemias e endemias de outros vírus. Isso sem mencionar a corrupção e o sucateamento de nossas unidades de saúde pela má gestão. Agora está estourando isso tudo, é uma consequência de problemas que vêm se acumulando nos últimos anos.

Baptista Jr. é professor na USP e na FGV
Baptista Jr. é professor na USP e na FGV

O Programa Saúde da Família e o Mais Médicos foram capazes de ampliar o atendimento à população?

O Programa Saúde da Família apresentou bons resultados. É uma concepção de saúde que valoriza o médico de família, valoriza o generalista e coloca o médico mais próximo das populações que têm necessidade. Esse programa deve continuar e tem que receber mais apoio e mais organização. Por outro lado, o Mais Médicos é uma tragédia que se abateu na saúde brasileira. Ele possibilita que pessoas de formação médica duvidosa, formação de qualidade duvidosa, atuem no Brasil, porque eliminou a necessidade que a legislação sempre impôs aos médicos estrangeiros. O programa também mandou aumentar vagas em cursos de medicina, em locais sem hospital-escola, faculdades de medicina sem padrão mínimo. Esse programa foi mantido por interesse político porque economiza dinheiro das prefeituras, já que o pagamento dos médicos é feito pelo governo federal.

Em tempos de orçamento menor e mais controlado, como recuperar a capacidade de atendimento da saúde pública?

O Brasil precisa modificar sua filosofia de enfrentamento das questões de saúde. É preciso ouvir mais as associações profissionais de saúde. Em segundo lugar, dar mais atenção às exigências e demandas da técnica profissional e menos aos interesses eleitorais e políticos. E é preciso modificar a filosofia de investimento e de gestão. precisamos de uma administração na saúde mais profissional, que até o momento tem sido mais política e amadora.

As autoridades de governo são muito criticadas pela gestão, mas tem também a atuação suspeita de empresas privadas, como as fraudes a licitações na saúde no Rio de Janeiro.

Você está me lembrando um item muito importante que é o combate à corrupção. O dinheiro que vai para a saúde brasileira é enorme, um dos maiores gastos públicos de prefeituras e Estados, e o resultado é péssimo. Qualquer empresa que oferecesse um resultado tão ruim, com um consumo de verba tão grande quanto a saúde no Brasil inteiro faz, esse setor seria desativado.

Cerca de 22% da população tem planos de saúde privados, mas esse número vem caindo nos últimos anos, com aumento de reclamações sobre os reajustes e a judicialização crescente. Por que a cobertura privada está caindo?

Essa queda acontece basicamente pela crise econômica que o país foi jogado. As pessoas ficam com menos dinheiro para investir na sua própria saúde. Resultado também da queda do emprego, quando caem os empregos cai o número de clientes privados da saúde, já que a maioria das pessoas que têm plano de saúde é por causa do emprego. Então a crise econômica empobrece as famílias e tira as pessoas dos empregos que lhes davam acesso à saúde privada.

O número de pessoas que gostariam de ter acesso à saúde privada no Brasil é muito maior do que aquelas que podem pagar. O brasileiro, em todas as classes sociais, quando começa a ganhar um pouquinho mais de dinheiro na sua profissão, uma das primeiras compras que ele quer fazer é comprar ou melhorar seu plano de saúde. Plano de saúde é objeto de desejo no Brasil, e isso se deve à fraqueza da parte pública da saúde brasileira.

A saúde é cara. A saúde pode não ter preço, pode não ser mercadoria, mas os serviços de atenção à saúde, os hospitais, as clínicas, os postos de saúde, os prontos-socorros, eles têm custo, despesa, eles pagam salários e têm que fazer frente a preços. Os termos “custo”, “despesa”, “salário” e “preço” mostram que existe um lado negocial da área da saúde. Saúde não é negócio, mas os serviços de saúde, a atenção, a assistência tem um lado de negócio, e precisa haver equilíbrio entre entrada e saída de recurso. Essa mentalidade também precisa começa a desenvolver no país.

Na decisão provisória em que barrou a cobrança de até 40% nos planos com coparticipação e franquia, a ministra Cármen Lúcia fala que a saúde não é mercadoria e destaca o direito à saúde garantido pela Constituição.

O direito à saúde e a saúde não ser negócio, tudo bem. Mas o serviço de saúde, a assistência que se dá, ela tem um lado de negócio que precisa ser observado. Não adianta a gente fingir que não tem custo, que não tem que pagar o salário dos profissionais, que não tem que comprar novos equipamentos. Então estou respondendo a ela… toda vez que o Estado se mete numa relação de compra e venda, que deveria ser a empresa vendendo e o cliente comprando, o Estado complica essa relação.

Então o senhor acha que a decisão foi equivocada?

Não tenho essa pretensão de dizer se a decisão da ministra foi equivocada ou não. Eu estou dizendo que em tese, filosoficamente falando, a entrada do Estado no meio de uma relação que deveria ser entre particulares, ela é negativa.

Na verdade, a resolução da ANS é um direito à saúde. A própria Constituição que dá o direito à saúde, ela estabelece a ANS justamente para fazer o que fez. E eu não vi grandes problemas nessa resolução normativa. Se você olhar os itens, ela determina uma coparticipação e franquia para o cliente que queira optar por isso. A franquia é definida na hora de fazer o contrato. E a resolução colocou limite nessa coparticipação. Ela colocou 250 procedimentos que não podem estar sujeitos a nenhuma forma de pagamento, e itens importantes como consulta com médico generalista, exame de pré-natal, tratamento das doenças crônicas. Então são coisas certas na resolução. Colocou limite na cobrança de pronto-socorro, o valor tem que ser fixo, não pode exceder metade da mensalidade que a pessoa paga. Então não é nenhuma medida destrambelhada não. Ela tem pontos corretos, e o Estado entrando no meio é que me assusta um pouquinho.

Além dessa resolução, a ANS também regulamenta o reajuste dos planos individuais, mas não interfere nos acordos dos planos coletivos, que são os mais vendidos do mercado. A atuação da ANS deveria ser padronizada?

Não. Eu acho que tem que tratar diferentemente quem é diferente. E lembrar que a ANS regulamenta os planos individuais porque nesse momento não tem regulamentação nenhuma. Existe total falta de freios para as empresas agirem como quiserem nesse campo. Inclusive hoje em dia é quase difícil comprar um plano privado de saúde individual. É uma modalidade que vai morrendo com as normas que nós temos.

Mas não é ruim o desaparecimento dos planos individuais? Eles são a melhor modalidade de contrato em razão de os reajustes serem controlados e muito mais baixos do que o dos planos coletivos?

É muito ruim sim. O problema é que para fazer o que promete, o plano individual fica muito caro. Essa modalidade no Brasil está desaparecendo, porque foi regulamentada de modo errado. O que existe também são planos que não pretendem cobrir muita coisa, eles custam menos, mas oferecem pouco para o consumidor. E no fim das contas vai parar na Justiça, porque o usuário acaba não tendo coberto muitas coisas que ele vai pedir para o juiz. A judicialização da saúde é outro problema que encarece e atrasa a saúde brasileira

Com relação aos reajustes dos planos coletivos, que são decididos entre as operadoras e as associações ou administradoras, há críticas por falta de transparência. Seria bom nesse caso uma participação maior da ANS?

Essa questão é bem difícil, porque não se pode deixar o consumidor desamparado à frente de uma decisão unilateral do vendedor, que é a operadora. Por outro lado, a inflação da saúde é muito superior à inflação financeira do país como um todo, e nós não temos um órgão pra calcular isso de modo aceito por todas as partes. Então a minha tendência natural, tendência de pensamento, é que não houvesse nenhuma interferência em preços e reajustes entre comprador e vendedor. Mas o Brasil acabou caminhando para um ponto em que o comprador está muito fragilizado frente à empresa que vende o plano. Então essa é uma questão que eu não tenho uma solução para te dar não. Tem que se chegar a uma fórmula [de interferência], mas que no longo prazo se tenha como meta a eliminação da necessidade dessa fórmula. Mas no longo prazo, porque no momento, se você retirar a intermediação, você derruba os mais fracos.

Isso significa uma participação mais ativa da ANS nessa questão?

Que ela cumpra o seu papel, mas não crescentemente, não avançando sobre a relação, que ela cumpra seu papel constitucional que lhe foi reservado.

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