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Sem trabalho, ambulantes recorrem a doações para sobreviver

Famílias relatam que pandemia afetou movimento, que restrições aumentam drama e que precisam se virar para pagar despesas

Brasil|Do R7

Blanca e Geova, que vivem de doações sem poder vender açaí em São Paulo
Blanca e Geova, que vivem de doações sem poder vender açaí em São Paulo

Ambulantes e camelôs pelo país estão recorrendo a cestas básicas, ajudas de familiares e qualquer atividade complementar que permita arrecadar algum dinheiro ou alimento a mais no atual cenário de crise do trabalho informal trazido pela pandemia de covid-19. A categoria é diretamente impactada pela diminuição do movimento nas ruas e viu suas dificuldades aumentarem com as novas restrições que impedem a atuação desses profissionais em parte das cidades e estados do país.

A paraguaia Blanca Ramona Vera, que trabalha com um carrinho de açaí no Centro de São Paulo, é uma das que sobrevivem com doações de cestas básicas. Seu trabalho permitia pagar sua alimentação e os R$ 200 de um aluguel em edifício ocupado em São Paulo, onde mora com o marido, Geova, e os quatro filhos deles. Com a paralisação, a renda desapareceu. O que surgiu, no lugar, foi a coragem de pedir ajuda. “A gente mora perto do Mercadão e pede alimentos lá. Se alguém deixa cair algo do carrinho a gente pega. Vamos levando até essa situação passar”, conta.

A imigrante veio para a capital paulista há 13 anos, buscando melhores condições de vida. Com pouco estudo, exerceu diversas atividades no comércio até se estabelecer vendendo açaí e frutas com o marido. Após o início da pandemia, a família precisou começar a buscar alternativas e contou ainda com o auxílio emergencial, que será retomado em abril. Na flexibilização das restrições, em junho, o trabalho voltou, mas a renda nunca foi a mesma. “O fluxo é muito menor, tem muita gente em home office. E também tem gente com medo de comida de ambulante por causa da pandemia”, conta.

Blanca vende frutas e açaí em SP
Blanca vende frutas e açaí em SP

Em fevereiro de 2021, a situação melhorava até piorar de vez. O carrinho e mercadorias foram apreendidos após fiscais da Prefeitura de São Paulo flagrarem uma venda em local irregular, feita quanto a família voltava para casa, segundo Geova. Ele conta que os fiscais já chegaram recolhendo os produtos para descarte. “São alimentos que preparamos de madrugada para vender. Não aceitei ver aquilo”, conta.


O vendedor quebrou o vidro de um dos carros de fiscalização e depois foi imobilizado e agredido por policiais. As imagens foram gravadas e tiveram repercussão nacional (veja abaixo). “Não querem saber se tem pai de família precisando levar alimento pra casa”, afirma Lima sobre a Operação Delegada, ação da PM que fiscaliza o comércio ambulante.

O carrinho foi liberado algumas semanas depois, mas logo novas restrições entraram em vigor com a fase emergencial em São Paulo, no dia 15 de março, impedindo o trabalho dos ambulantes. Blanca lamenta que as restrições aconteçam no momento em que “muitos estavam conseguindo se levantar” e diz querer volta a trabalhar logo para poder tirar o seu sustento. Geova diz apoiar medidas de isolamento pensando no combate à covid-19, mas que o trabalhador não pode ficar desamparado. 


Informalidade

A situação de Blanca e Geova é comum com o avanço da informalidade no país. O Brasil alcançou uma taxa de informalidade de 39,5% no mercado de trabalho no último trimestre de 2020, com 34 milhões de trabalhadores informais, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE.

De acordo com Josilmar Cia, professor de Finanças da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a crise econômica iniciada no Brasil em 2015 repete a tendência de levar empresas e trabalhadores para a informalidade, num movimento de fuga de impostos. Ele opina que, com a pandemia e as restrições, pessoas que já eram ou se tornaram ambulantes sofrem um novo impacto porque dependem de público circulando.


"É um setor que depende da mobilidade, de gente no centro das cidades. Para essas pessoas tem que ter um auxílio mais do que emergencial. E deveria vir até de todos os entes governamentais envolvidos para dar sustentanção a essas famílias enquanto se faz o isolamento para combater o vírus", diz.

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A opinião é compartilhada por Otávio Anísio Amaral Ramos, presidente do Sindicato dos Trabalhdores Autônomos no Comércio do Município de São Paulo, filiado à CUT e à Contracs (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços). Para o sindicalista, o segmento de ambulantes foi ignorado ao não receber uma ajuda de peso específica e permanente durante a pandemia. 

"Hoje, é infinitamente maior o número de pessoas que precisam de comida. São pessoas que não têm nenhuma renda. Aqueles que ainda se arriscam a vender algo, não sei pra quem, ainda estão sendo perseguidos, agredidos", diz.

Ele critica a redução do auxílio emerencial, que deverá variar entre R$ 150 e R$ 375. "Um botijão custá R$ 100. Como viver com um pouco mais do que isso", questiona Ramos. O dirigente cobra também uma ação mais ampla por parte da Prefeitura de São Paulo, que pagará auxílio de até R$ 200 a um grupo de munícipes que inclui os ambulantes. O cadastro estaria defasado, segundo Ramos.

Queda de doações

As dificuldades são vistas em todo o país. No Rio de Janeiro, o ambulante Idison José da Silva, de 60 anos, afirma que perdeu 90% da renda com o fim de eventos e shows nas ruas. Ele levava camisetas e broches para venda e precisou se contentar fazendo algumas raras vendas para conhecidos, pela internet. Além disso, desde sexta (26), início de um megaferiado de 10 dias, os ambulantes não podem trabalhar na capital fluminense. 

Para sobreviver, o morador de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, conta com doações de cestas básicas e a ajuda dos filhos, que ajudam com custos básicos como alimentação e as contas de casa. Apesar disso, ele fala que mesmo quem vive de doações está preocupado, porque as cestas básicas já não chegam na mesma quantidade que antes. 

Idison, ambulante que faz camisetas temáticas
Idison, ambulante que faz camisetas temáticas

"Ao mesmo tempo que tem que ter cuidado com os companheiros e familiares, tem também essa questão muito delicada de sobrevivência das pessoas. Ao mesmo tempo que as quarentenas têm um sentido, há pessoas desesperados e buscando qualquer coisa. Muita gente até insiste em trabalhar e está conseguindo muito pouco, porque o movimento é baixo", afirma. "Até as coisas se ajeitarem, está muito distante, como farão pra sobreviver?", questiona.

Ele, assim como os ambulantes de São Paulo, aponta crescimento na truculência das ações de fiscalização no Rio de Janeiro. No caso, a Guarda Municipal é responsável por esse serviço. A cidade do Rio tem estimados 50 mil ambulantes, sendo apenas 13 mil legalizados.

Prefeituras

Os órgãos citados pelos ambulantes ouvidos pelo R7 enviaram manifestações. 

A Prefeitura de São Paulo não comentou a queixa sobre registro e concessão de ajuda a um número de ambulantes menor que o real. O órgão afirma que o sistema Tô Legal, lançado em julho de 2019, ampliou a variedade de atividades que podem ser exercidas nas ruas da cidade de São Paulo e já emitiu cerca de 20 mil autorizações.

A Prefeitura do Rio não comentou queixas sobre a abordagem da Guarda Municipal. A prefeitura disse que a categoria foi uma das beneficiadas pelo auxilio financeiro de R$ 500 oferecido pela prefeitura aos ambulantes regularizados.

Em relação à Operação Delegada, a Polícia Militar de São Paulo suas ações "são pautadas em protocolos respeitando a legislação vigente, e todas as denúncias de inconformidades são rigorosamente apuradas".

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