STF autoriza revisão da anistia de cabos afastados durante a ditadura
Governo poderá abrir processos administrativos para rever todas anistias concedidas a cabos da Aeronáutica, sob o argumento de perseguição política
Brasil|Da Agência Brasil
O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou nesta quarta-feira (16), por 6 votos a 5, o governo a revisar, e eventualmente anular, as anistias concedidas a mais de 2,5 mil cabos que foram desligados da Aeronáutica durante o regime militar.
O caso diz respeito à portaria 1.104, editada em 1964, por meio da qual a Força Aérea limitou em oito anos o tempo de serviço militar dos cabos, prazo após o qual eles deveriam ser automaticamente desligados. Regra do tipo existe até os dias atuais.
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Pela decisão, o governo poderá agora abrir processos administrativos, com direito a defesa, para rever todas anistias concedidas a cabos da Aeronáutica sob o argumento de perseguição política com base naquela portaria. Contudo, mesmo que as anistias venham a ser anuladas, as indenizações já pagas não devem ser devolvidas, determinou a maioria do Supremo.
Entenda o caso
Em 2002, a Comissão de Anistia, após o estudo de duas comunicações secretas da Força Aérea reveladas após a redemocratização, concluiu que a portaria que resultou no desligamento dos cabos teve como objetivo perseguir toda a categoria, vista como subversiva à época. A norma teria sido editada, portanto, com motivações “exclusivamente políticas”, segundo o colegiado.
O entendimento abriu caminho para a concessão de milhares de anistias e o consequente pagamento de indenizações mensais a título de reparação, uma vez que ficou atendida, para a concessão do direito, a condição prevista em dispositivo constitucional.
Desde 2006, porém, a AGU (Advocacia-geral da União) mudou de entendimento, passando a defender que o ato teve como objetivo apenas racionalizar o contingente da Aeronáutica, que em 1964 possuía quase o mesmo número de cabos (6.339) e soldados (7.661), o que acarretava em problemas hierárquicos e administrativos, sustentou o órgão.
Em 2011, um grupo de trabalho interministerial, com membros do Ministério da Justiça e da Advocacia-Geral da União, foi criado para rever tais anistias, amparados em um novo entendimento de que a portaria 1.104/1964-GM3 tratou-se de um mero ato administrativo das Forças Armadas, não podendo ser reconhecido como de motivações “exclusivamente políticas”. Por essa visão, as anistias concedidas não atenderiam às condições da Constituição.
Supremo
O caso chegou ao STF após um cabo ter obtido decisão favorável pela manutenção de sua anistia no Superior Tribunal de Justiça, que entendeu haver vencido o prazo de cinco anos para que o governo pudesse rever a concessão do direito, o chamado prazo decadencial dos atos administrativos, previsto na Lei 9.784/1999.
A AGU foi quem recorreu ao Supremo, pedindo a anulação da anistia, por entender que o ato de concessão seria uma violação a regras constitucionais, motivo pelo qual não poderia ser aplicado o prazo decadencial.
O órgão estimou em R$ 43 bilhões o impacto nos cofres públicos pelos próximos dez anos de uma eventual decisão favorável aos cabos, incluindo na conta o pagamento de retroativos que remontam a 1988, mais correção monetária.
Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob o qual está hoje abrigada a Comissão de Anistia, há no momento 2.529 cabos recebendo a indenização da Aeronáutica, em pagamentos mensais que somam R$ 31,5 milhões.
O advogado Marcelo Torreão, que representou os interesses dos cabos, contestou os dados da AGU. Para o defensor, o impacto orçamentário das reparações seria “zero”, pois as indenizações já vinham sendo pagas, em alguns casos, há 17 anos, e assim já estariam plenamente absorvidas no orçamento.
O defensor alegou que documentos históricos atestam que os cabos foram perseguidos como um todo, por se organizarem em associações de classe contrárias ao regime militar à época, sendo assim indubitável que a portaria da Aeronáutica teve motivações políticas, afirmou.