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Apenas quatro a cada 10 homicídios são solucionados no Brasil

Levantamento mostra que em apenas 44% dos assassinatos que ocorrem no país o autor do crime é denunciado pelo MP

Brasília|Augusto Fernandes, do R7, em Brasília

Apenas 17 estados repassaram dados. Só seis solucionam mais de 50% dos homicídios
Apenas 17 estados repassaram dados. Só seis solucionam mais de 50% dos homicídios Apenas 17 estados repassaram dados. Só seis solucionam mais de 50% dos homicídios

Em fevereiro de 2020, a professora Shellyda Santos Duarte, 31 anos, se preparava para sair de casa no bairro Sol Nascente, em Luziânia (GO), para ir à igreja com a mãe e os filhos, um menino de 7 anos e uma menina de 10 anos, quando foi surpreendida por Márcio Ordones da Silva, 41, ex-marido dela e pai das crianças. Separado há cinco anos de Shellyda e inconformado com o fato de ela ter iniciado um novo relacionamento, Márcio atirou ao menos três vezes contra a ex-mulher, que morreu horas depois do ataque, em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Jardim Ingá, outro bairro do município goiano.

Apesar de ter provas suficientes para colocar Márcio atrás das grades, incluindo uma série de boletins de ocorrência por violência doméstica registrados por Shellyda contra o ex-marido, a Polícia Civil de Goiás não o encontrou até hoje. Ao longo desse tempo, a Delegacia de Luziânia, que investiga o crime, mudou no mínimo duas vezes o delegado à frente do caso, mas o assassino continua foragido, o que deixa a família de Shellyda sem qualquer esperança de que algum dia Márcio pague pelo que fez.

É um misto de sentimentos%2C porque você vê que a polícia não está fazendo nada. Parece que eles não se importam mais. Não dão uma notícia. Nunca ligaram para dar uma satisfação. A gente que sempre foi atrás. É um sentimento muito ruim%2C porque não dá para confiar%2C infelizmente

(Thaís Oliveira, 26, prima de Shellyda)

“Se mostrassem pelo menos um mínimo de interesse já ajudaria bastante. A gente sabe que não é fácil encontrar ou pegar um criminoso, mas isso não significa que a polícia deveria deixar o caso de lado. O jeito é entregar nas mãos de Deus. Já que a justiça dos homens não foi feita, que a justiça divina seja feita”, completa.

O caso de Shellyda é apenas um retrato do que acontece com o esclarecimento de homicídios dolosos em todo o país, segundo a quarta edição da pesquisa “Onde Mora a Impunidade - Porque o Brasil precisa de um indicador nacional de esclarecimento de homicídios”, divulgada nesta quarta-feira (13) pelo Instituto Sou da Paz. Segundo o estudo, a maioria desses crimes termina impune, pois o assassino acaba não sendo denunciado pelo Ministério Público.

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Para produzir o levantamento, o instituto colheu, via Lei de Acesso à Informação, dados de homicídios que ocorreram em 2018 e foram esclarecidos até 2019. Apenas 17 unidades da Federação foram capazes de informar com precisão informações que permitissem que a associação realizasse o cálculo do índice de esclarecimento de homicídios, cuja taxa nacional foi de 44%.

A associação escolheu o momento da denúncia de um assassino para considerar um homicídio como esclarecido, partindo da premissa de que pelo menos duas instituições (Polícia Civil e Ministério Público) compartilharam o entendimento de que o autor foi corretamente identificado, com indícios robustos de materialidade e autoria, e elementos suficientes para dar prosseguimento no processo, que pode culminar na apresentação do agressor ao Júri Popular.

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Estados

Apenas seis estados que responderam ao Instituto Sou da Paz conseguiram solucionar mais de 50% dos casos de homicídio doloso no período analisado: Mato Grosso do Sul (89%), Santa Catarina (83%), Distrito Federal (81%), Rondônia (74%), Mato Grosso (54%) e Rio Grande do Sul (52%).

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Nos demais, prevalece o padrão visto no âmbito nacional: menos de cinco assassinatos solucionados a cada 10 cometidos. Compõem essa lista Espírito Santo (49%), São Paulo (46%), Minas Gerais (46%), Acre (38%), Pernambuco (35%), Roraima (34%), Paraíba (30%), Piauí (29%), Bahia (22%), Rio de Janeiro (14%) e Paraná (12%).

Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Goiás, Maranhão, Tocantins, Pará e Rio Grande do Norte enviaram dados incompletos ou não responderam às solicitações.

Dados por estados e o Distrito Federal
Dados por estados e o Distrito Federal Dados por estados e o Distrito Federal

O desempenho do país melhorou na comparação com as três edições anteriores da pesquisa, quando a estatística foi de 32%, mas ainda está distante da média global de esclarecimento de homicídios. De acordo com o último Estudo Global sobre Homicídios da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2019, o índice de elucidação desse tipo de crime é de 63% em todo o mundo.

Um dos reflexos da pouca resolutividade de homicídios é a baixa quantidade de assassinos atrás das grades. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), das 785.386 pessoas que estavam presas no país até dezembro do ano passado, apenas 73.082 tinham praticado homicídio, o que corresponde a 9,3% do total.

Problemas

O Instituto Sou da Paz pondera que “a incapacidade de alguns estados em fornecer os dados solicitados revela a urgente necessidade de se desenvolver ferramentas de gestão da informação para que a investigação criminal e a ação penal possam ocorrer de maneira ágil, transparente e acessível à sociedade civil”.

Para a associação, “sistemas de informações integrados e compartilhados, padronização de procedimentos e transparência ativa são fundamentais para avançarmos na melhoria do esclarecimento de homicídios no Brasil”.

“A ausência de dados regulares sobre esclarecimento de homicídios no Brasil é apenas um aspecto de um problema mais amplo relativo à dificuldade e à ineficiência do Estado brasileiro em responsabilizar os autores desses crimes e, dessa forma, seu fracasso em garantir efetivamente o direito à vida e à justiça”, destaca o instituto.

Soluções

Advogado criminalista e vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo, Roberto Darós concorda que a falta de informações sobre todas as unidades da Federação é um problema e diz que o governo federal, por meio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, deveria elaborar uma plataforma para consolidar os dados sobre investigação de homicídios dolosos em todo o país. Com isso, segundo ele, seria possível pensar em estratégias mais eficientes para resolver inquéritos sobre esse tipo de crime.

Além disso, Darós acredita que as polícias civis precisam de mais investimento. “A polícia tem que atuar de forma célere e efetiva. Chegar à autoria e materialidade do crime de maneira rápida para poder entregar ao Ministério Público um procedimento criminal com provas suficientes para gerar uma denúncia. Enquanto isso não acontecer, vamos continuar a ver poucos homicidas condenados e a impunidade predominando”, frisa.

"Precisamos de uma estrutura que garanta um índice de resolutividade melhor para garantir um estado de segurança. Muitos falam em sensação de segurança, mas precisamos de mais do que isso. Temos de garantir ao cidadão que, ao caminhar pelas vias da cidade, ele realmente esteja protegido. Segurança pública é um preceito constitucional”, acrescenta.

Delegado aposentado da Polícia Civil do DF e advogado criminalista, Moisés Martins de Sousa também cobra melhores condições para o trabalho investigativo da corporação. “O órgão que tem a obrigação de investigar está sucateado. Em todo o país, há delegacias trabalhando em imóveis alugados, viaturas que não funcionam e comarcas com um delegado, um escrivão e dois agentes. O que falta é uma estrutura séria”, analisa.

Sousa diz que o panorama atual do Brasil precisa mudar para que casos como o de Shellyda deixem de ser a maioria, pois, segundo ele, a impunidade de um homicídio não acontece apenas pela falta de uma denúncia contra o assassino, mas também pela ausência de apuração da autoria do crime.

“Temos que investir no ser humano e nos processos de atualização de expertise da investigação, que é o maior objeto que a Polícia Civil fornece à sociedade. O ideal seria termos uma seção de apuração de crimes contra a vida em cada delegacia, pois as informações seriam melhor consolidadas. Consequentemente, a confiança da população no trabalho da polícia iria aumentar. No momento em que você apura e prende, as pessoas começam a pensar, pelo menos um pouco, que a impunidade não vai existir”, pontua.

O R7 entrou em contato com todos os estados que não apresentaram dados ao Instituto Sou da Paz, questionando o motivo da ausência das informações, e aguarda retorno.

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