Apontado como pivô de manipulação no futebol admite ter indicado colega: 'Mereço pagar'
Romarinho, ex-Vila Nova, prestou depoimento à CPI das Apostas Esportivas nesta terça-feira (20) e disse ter sido ameaçado
Brasília|Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília
Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga, na Câmara dos Deputados, manipulação de resultados em jogos de futebol nesta terça-feira (20), o ex-jogador Marcos Vinicius Alves Barreira, conhecido como Romário ou Romarinho, negou envolvimento nos esquemas fraudulentos. Ele atuava pelo Vila Nova de Goiânia (GO) e foi banido do futebol pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) em 29 de maio, por suspeita de participação nos arranjos.
"A única coisa que eu fiz foi ter mandado o número [do também jogador do Vila Nova, Gabriel Domingos]. Errei e mereço pagar, mas na hora do desespero, você faz tudo", desabafou Romarinho, de 21 anos.
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Segundo o Ministério Público de Goiás, Romário é um dos pivôs do esquema, ao ter atraído colegas para cometer pênaltis durante um jogo entre o Vila Nova e o Sport, pela Série B do Campeonato Brasileiro de 2022.
O ex-jogador declarou ter sido contactado, por mensagens, por dois apostadores, Vitor e Bruno. Eles ofereceram, segundo Romarinho, R$ 150 mil para que ele cometesse um pênalti. "Eles me procuraram, acharam que eu estava inscrito no campeonato, e eu falei para eles que, mesmo se estivesse inscrito, eu não iria fazer. Tem até print das conversas. Foi na terceira vez que ele [Bruno] me procurou que eu passei o número do Gabriel Domingues para ele. Foi aí que aconteceu isso tudo", relatou.
No mesmo julgamento que baniu Romarinho do futebol, o STJD suspendeu Gabriel Domingos por 720 dias e aplicou multa de R$ 15 mil. De acordo com o tribunal, as decisões a respeito de Romário e Domingos foram tomadas de forma unânime.
Romário tentou convencer outros companheiros de equipe a cumprirem o combinado. "A única coisa que eu fiz foi ter passado o número [do Domingos]. Quando comecei a ser ameaçado, mandei mensagem pro Sousa e Wiliam Formiga [outros colegas do mesmo time]. Quem é que não vai, na hora do desespero, mandar mensagem para os companheiros, com o cara mandando vídeo de arma, falando que vai matar você, sua filha e esposa, sendo que eu não tinha nada a ver."
Questionado a respeito de quantas vezes recebeu instruções e benefícios para fraudar resultados, Romário afirmou que "nenhuma vez". "Eu tinha acabado de voltar dos Emirados e não podia jogar mais aquele ano, porque eu já tinha rescindido com o Vila, já tinha um contrato lá. Quando eu voltei, a janela [de contratação] já estava fechada, e eu não podia jogar mais. Mas eles fizeram a proposta para mim, e eu neguei, só que meu erro foi ter passado o número do Gabriel Domingos para eles", afirmou.
Recebeu R$ 4 mil
Apesar de ter negado participar, Romarinho admitiu ter recebido R$ 4 mil. O valor, no entanto, não foi repassado pelos apostadores, mas, sim, pelo colega de clube Gabriel Domingos. "[Depois da negativa] Bruno falou para arrumar um contato para ele. Depois disso não tive mais nada a ver, nem conversa com Domingos, nem com Bruno. Falei pro Domingos que Bruno ia chamar ele e disse o assunto. Só passei o número por passar. Bruno falou pro Domingos que se ele quisesse me dar uma parte poderia. Foi aí que Domingos me passou R$ 4 mil", contou.
Antes da partida, os apostadores adiantaram R$ 10 mil a Gabriel Domingos, dos quais R$ 4 mil foram repassados para Romarinho. No entanto, Gabriel ficou no banco de reservas durante todo o jogo e, por isso, de acordo com o depoimento, os apostadores foram até Romário cobrar R$ 500 mil.
Depois disso%2C o Bruno veio me procurar%2C porque o Gabriel Domingos não ia ser titular no jogo contra o Sport. Ele veio me procurar%2C me cobrando os 500 mil que ele havia perdido na aposta%2C e eu falei para ele que eu não teria como pagar uma coisa que eu não fiz. Aí foi que começaram as ameaças. Tem até prints e vídeo dele me ameaçando e ameaçando minha família também. A única parte que eu fiquei envolvido nisso foi ter passado o número do Gabriel. Isso de valor eu não tenho nada a ver%2C tanto que eu nem estava nas conversas com eles. Eu só passei o número mesmo e segui minha vida%2C até pedi férias para o Vila na época. Depois que eu estava com a minha família%2C na casa do meu avô%2C que eu fui ficar sabendo que o Gabriel Domingues não iria fazer mais%2C queria sair do negócio. Aí foi que o Bruno veio atrás de mim me cobrar os 500 mil. Foi aí que continuou essas ameaças dele até para minha família. Ele achou o Instagram da minha esposa%2C ficou ameaçando ela%2C mandando vídeo de arma%2C falando que um tiro era para minha filha%2C outro para mim%2C outro para minha esposa. Depois que aconteceu isso tudo%2C eu não recebi nenhuma outra ameaça. Eu estou tranquilo com a minha família%2C prestando todo o apoio para o Ministério Público sobre esse caso.
À época do contato, Romarinho, com três anos de Vila Nova, tinha acabado de renovar com o clube por mais três anos. Segundo o ex-atleta, essa foi a única vez que os apostadores entraram em contato com ele.
Romário também afirmou que os aliciadores chegaram a citar o envolvimento de outros clubes no esquema. "Cruzeiro, Avaí, Santos e, na época, acho que foi Atlético Mineiro que eles chegaram a falar. Eles chegaram até a me mandar vídeo dos caras fazendo para eles, só que na época eu nem sabia quem era. Eles não chegaram a falar o nome do jogador", completou.
Romarinho declarou que chegou a contar o episódio para o presidente do Vila Nova e responsável por expor o caso às autoridades, Hugo Jorge Bravo. O ex-jogador afirmou, no entanto, que Bravo não o aconselhou a prestar queixa. O presidente do time também é major da Polícia Militar de Goiás. O R7 perguntou a Bravo se ele, de fato, não sugeriu que Romarinho procurasse a polícia. O presidente confirmou a informação à reportagem.
'Deveria tirar as casas de aposta'
"Eu cheguei a falar para o Hugo, que, como vocês sabem, é da polícia. Uma semana depois, ele rescindiu o meu contrato", afirmou Romarinho, que se sente injustiçado com o banimento do futebol.
Acho que deveria tirar as casas de aposta%2C para o jogador%2C é melhor. Eu me sinto muito humilhado. Tipo assim%3A o jogador do Santos [o zagueiro Eduardo Bauermann%2C também envolvido no esquema] pegou 12 jogos [de suspensão] e%2C aí%2C como eu jogava no Vila%2C eu fui banido%3F.
Questionado, em uma escala de zero a 10, quanto recebia do Vila Nova — sendo 10 o maior salário pago pelo clube, Romarinho respondeu "quatro". O ex-atleta disse nunca ter conhecido os apostadores pessoalmente, apenas por troca de mensagens.
De acordo com Romarinho, não existe mais relação com Gabriel Domingos, e os ex-colegas não se seguem em redes sociais. "Acho que justiça tem de ser feita através do Bruno. O grande responsável por isso tudo é ele. Os aliciadores que nos procuraram", disse.
Romarinho declarou ainda que desconhecia manipulação de resultados em benefício de apostadores. "Para mim foi até uma surpresa, porque eu tinha acabado de subir para o profissional. Nunca fui abordado na base, porque tem até em jogos da base. Acontece isso em vários jogos. Eu vivo ali [no futebol de base] desde os 13 anos, quando comecei minha carreira. Eu sabia das casas de aposta, mas dessas propostas [de manipulação], eu nunca tinha ouvido falar que poderia ter isso de jogador fazer um pênalti ou tomar um cartão vermelho. Fiquei até em choque, como é que poderia acontecer isso."