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Brasil se contradiz ao barrar acordo com Israel e negociar com a Rússia, dizem especialistas

Declaração de José Múcio, ministro da Defesa, sobre fator ideológico em acordos comerciais mostra posição contraditória do Brasil na diplomacia

Brasília|Giovana Cardoso, do R7, em Brasília

Celso Amorim e José Múcio
Celso Amorim e José Múcio Fábio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil e Marcos Corrêa/PR

O veto a uma licitação vencida por Israel por questões ideológicas, segundo palavras do ministro da Defesa, José Múcio, resultou em críticas ao governo brasileiro pela comunidade diplomática. Especialistas ouvidos pelo R7 entendem haver falta de neutralidade e contradições do Brasil quanto aos acordos comerciais mantidos com países também envolvidos em guerras. A Rússia, por exemplo, em confronto com a Ucrânia há dois anos, fortaleceu um acordo de cooperação com o Brasil na área da agricultura em fevereiro desde ano.

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Para Maristela Basso, professora de direito internacional da Universidade de São Paulo, há uma postura que pode ser prejudicial para a relação entre os governos brasileiro e israelense. “Há posição clara a favor de um e contra o outro. Estaria em curso uma retaliação comercial do Brasil contra Israel”, comentou.

Apesar de prezar por um diálogo de paz e condenar ataques feitos por Israel e Rússia, o Brasil adota uma relação mais próxima com o governo de Vladimir Putin. Um exemplo disso, segundo especialistas, seria o investimento no Brics — grupo econômico formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. E o governo federal demostra maior interesse em mercados com China e Rússia.

Doutor em relações internacionais, Igor Lucena aponta ainda uma contradição nas cobranças do Brasil ao cumprimento de leis internacionais. Ele entende que existe um desacordo entre os interesses do país e os pedidos à comunidade internacional.


“As visões de como estamos nos posicionando entre os conflitos mostra que o Brasil dificilmente vai fazer alianças com nações democráticas, como Alemanha e Israel. Se a gente continua dependendo da Rússia, que avança sobre os nossos próprios interesses em relação à ordem mundial, fica contraditório”, analisa.

“Como a gente vai para as Nações Unidas pedir que sejam respeitados acordos e regras internacionais, se nós compactuamos com Estados e nações como a Rússia, que não tem respeito nenhum pela lei internacional, e nós utilizamos isso para os nossos próprios interesses? Então, a lei internacional tem que valer para os outros, mas quando fere nossos interesses, a gente simplesmente lava as mãos?”, pergunta o especialista.


Críticas a Israel e à ONU

Em discurso na abertura da 79ª Assembleia Geral da ONU, em setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar a organização e pediu revisão da Carta Magna da instituição por não tratar “de alguns dos desafios mais prementes da humanidade”. Na ocasião, o presidente condenou a falta de eficiência de líderes mundiais durante a negociação de conflitos.

A especialista em relações internacionais Natali Hoff entende que, de fato, pode ser que o governo brasileiro adote um “tom mais brando” em relação à Rússia, o que pode ser justificado pelos interesses vinculados ao país. Em relação ao fortalecimento do acordo com o governo russo na área do agronegócio, a especialista explica que existe uma centralidade do setor nas decisões econômicas do Brasil.


“O agronegócio é um dos mais afetados com relação ao Brasil aplicar algum tipo de sanção na Rússia, principalmente no campo dos fertilizantes. Com isso, o governo brasileiro adota uma posição mais branda. Essa posição está relacionada tanto com interesses estratégicos econômicos, como também de posições mais gerais do sistema internacional que o Brasil tem, que convergem com o posicionamento russo”, completou.

Licitação barrada

Na terça-feira (8), o ministro da Defesa, José Múcio, afirmou que “questões ideológicas” teriam barrado uma licitação no governo federal vencida por Israel. “A questão diplomática interfere na Defesa. Houve agora uma concorrência, uma licitação, e venceram os judeus, o povo de Israel. Mas, por questão da guerra, do Hamas, os grupos políticos, nós estamos com essa licitação pronta, mas por questões ideológicas nós não podemos aprovar”, disse.

A fala de Múcio está relacionada a uma licitação vencida em abril pelo grupo israelense Elbit Systems para o fornecimento de 36 veículos blindados destinados à artilharia do Exército. Veja o vídeo:

Segundo o ministro, o TCU (Tribunal de Contas da União) não autorizou que a licitação fosse passada para o segundo colocado e, por isso, o processo está parado até que essas questões sejam resolvidas.

Para Natali Hoff, o veto da licitação pode aprofundar conflitos entre integrantes do governo Lula. “Isso pode levar a um aprofundamento dessas disputas que têm esferas com interesses divergentes dentro do próprio governo. Como o Itamaraty, que traz essa posição mais crítica a Israel e uma posição mais independente do Brasil na política externa, e do outro lado, alas que não defendem esse tipo de posição critica a Israel, como são os militares”, conclui.

Fontes do R7 apontam que o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, teria interferido na decisão da licitação. Entretanto, apesar das críticas, a fala do ministro da Defesa, citando “questões diplomáticas” para justificar o negócio com Israel, não teriam sido “inocentes”.

De acordo com o site internacional de notícias sobre defesa militar “Defense News”, a licitação ainda não foi formalmente cancelada, mas estaria “congelada”. Enquanto isso, o governo da Colômbia, por exemplo, crítico em relação a Israel na guerra contra o Hamas, continua com pedidos de blindados israelenses, disse o jornal.

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