CCJ da Câmara indicou críticos da vacinação para falar em audiência
Sessão pública foi realizada pelo Ministério da Saúde; comissão é presidida por Bia Kicis, crítica dos imunizantes contra a Covid-19
Brasília|Sarah Teófilo e Plínio Aguiar, do R7, em Brasília
A presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), indicou para a audiência pública sobre vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a Covid-19, realizada nesta terça-feira (4), três pessoas que são contra a imunização. A reportagem apurou que a CCJ da Câmara foi a única comissão convidada pelo Ministério da Saúde para indicar participantes.
A parlamentar é uma crítica recorrente à vacinação e defensora de medicamentos ineficazes contra a Covid-19, como cloroquina, e já divulgou desinformação sobre os imunizantes.
Os representantes da CCJ na audiência são a infectologista Roberta Lacerda, o médico imunologista Roberto Zeballos e o neurocirurgião José Augusto Nasser. A participação dos três profissionais é vista como uma forma de o governo atender a base de apoio do presidente presidente Jair Bolsonaro (PL). Os três são favoráveis a medicamentos ineficazes contra a Covid-19, como cloroquina, e críticos à vacinação de crianças.
Durante sua participação na audiência pública, o médico imunologista Roberto Zeballos afirmou que a variante Ômicrom "parece que veio de Deus", porque há estudo, sem apresentar a fonte, que mostra que a cepa "gera imunidade".
"Nós estamos hoje com número de fatalidades e internações em queda. Nós não temos congestão hospitalar. Nós estamos com surto de Ômicrom, que se mostrou uma cepa que parece que veio de Deus, porque já tem estudo mostrando que ela gera imunidade", disse.
O médico repetiu o discurso adotado pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e do presidente Bolsonaro de que não há, no momento, situação de emergência para aplicar imunizantes nessa faixa etária.
"A minha posição é muito clara: eu sou a favor de vacina [contra] sarampo, varíola, hepatite B, todas. Eu sou a favor de vacina a custo benefício. A meus pacientes de risco, eu indico a vacina, mesmo sabendo que, no momento atual, [se faz necessária] imunologia básica. Os anticorpos gerados por essa vacina [contra a Covid-19] não neutralizam nem Ômicron, nem Delta", relatou.
Roberta, por sua vez, fez uma explanação durante a audiência falando sobre os riscos de vacinas com RNA mensageiro, que é o caso da vacina Comirnaty, produzida pela Pfizer e autorizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), para aplicação em crianças no Brasil. Logo no início, ela disse que "ninguém é contra vacinas". A médica afirmou que foi promovido durante a pandemia, em especial pela mídia, um "assassinato de reputações, em que qualquer um que critica vacinação em um público que não está em maior risco de mortalidade" é criticado.
Em vídeo divulgado por Bia nas redes sociais, a médica se queixou de que defensores da vacina afirmam que "só é ciência se for vacina, e tratamento precoce é coisa de gente desesperada", defendendo o uso de medicamentos ineficazes contra a Covid-19. "Por que a pessoa tem tanto medo de tomar hidroxicloroquina?", questionou.
Já o médico José Augusto Nasser falou que não há evidência de segurança e que crianças têm imunidade natural. Pelas redes sociais, ele critica a vacinação de crianças e publica textos favoráveis a medicamentos ineficazes contra a Covid. Bia Kicis já gravou vídeo ao seu lado. O YouTube já removou conteúdo com o médico da rede por desinformação sobre a Covid.
Apesar das falas contrárias à vacinação, a vacina já foi autorizada por diversas agências de controle, como a Anvisa, no Brasil, e a FDA, autoridade sanitária dos Estados Unidos, definindo que o imunizante é seguro.
Antes do início das falas, a secretária Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Leite de Melo, disse que a fabricação célere de imunizantes é paradoxal, porque, ao mesmo tempo em que se torce para isso acontecer, a questão gera insegurança e desconfiança. Em seguida, comentou sobre a plataforma de vacina de RNA mensageiro, pontuando que é uma tecnologia inovadora.
"Elas [as vacinas com RNA mensageiro] por décadas já estavam sendo estudadas, e a promessa científica se concretizou na pandemia. A Pfizer e a Moderna foram as primeiras a introduzir a vacina com RNA mensageiro, completou todas as etapas de testes clínicos e recebeu licença para uso. A vacina de RNA mensageiro é não infecciosa e não é uma plataforma de integração com quase nenhum risco potencial de mutagênese por inserção", afirmou.
A secretária explicou que, no que se refere às crianças, foram apresentadas pesquisas em fases 1, 2 e 3, com demonstração de eficácia em 90,7% em prevenção de Covid. Outros participantes da audiência pública, como Renato Kfouri, que foi como representante da AMB (Associação Médica Brasileira), frisaram a segurança do imunizante e a importância de vacinar crianças.
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Na audiência, o governo informou, ainda, que a maioria das pessoas que contribuíram na consulta pública sobre a imunização dessa faixa etária é contrária à exigência de prescrição médica para a vacinação.
A consulta foi aberta no dia 23 de dezembro e finalizada em 2 de janeiro. Rosana afirmou que 99.309 pessoas haviam participado da consulta, número maior que o informado pelo Ministério da Saúde na última segunda-feira, de 24 mil pessoas.
"A consulta pública que abrimos em 23 de dezembro mostra o compromisso do governo federal com o amplo debate para implementação de políticas públicas, especialmente em relação a essa agenda", afirmou Rosana. De acordo com ela, a maioria foi contrária à obrigatoriedade da prescrição médica no ato da vacinação e se mostrou concordante com a não compulsoriedade da vacinação e a priorização de crianças com comorbidades.
Após a audiência pública desta terça-feira, o governo vai informar a decisão relativa à vacinação de crianças, com as diretrizes a ser` adotadas pelos municípios e estados nesta quarta-feira (5). A Anvisa e a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) autorizaram, em 16 de dezembro, o uso da vacina Comirnaty, da Pfizer, em crianças de 5 a 11 anos.
A reportagem questionou o ministério sobre a participação exclusiva da CCJ na audiência e demais critérios para a seleção dos participantes, mas não obteve resposta. O espaço está aberto para manifestação.