A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado marcou para esta quarta-feira (4) a análise da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) conhecida como PEC das Praias. O projeto, debatido pela comissão em maio, teve sua tramitação suspensa após enfrentar ampla repercussão negativa. A proposta prevê a possibilidade de transferência de terrenos no litoral brasileiro para estados e municípios, além de autorizar a venda dessas áreas para ocupantes privados (veja os principais pontos abaixo).A proposta prevê a possibilidade de venda de terrenos à beira-mar pertencentes à União, permitindo a privatização de áreas adjacentes às praias, mas mantendo sob gestão pública as áreas utilizadas pelos banhistas.O último parecer da proposta, de relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), incluiu que as praias são “bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido”. Além disso, proibiu “qualquer forma de utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso da população às praias”. O trecho foi acrescentado em julho após grande repercussão e críticas. Se aprovado na CCJ, o texto ainda vai precisar passar por duas votações no Senado e, caso não aconteçam mudanças com relação à versão já aprovada pela Câmara dos Deputados, ele segue à promulgação. São necessários os votos de, no mínimo, 49 senadores.Toda área situada na costa marítima brasileira e na margem dos rios e lagos até onde sofre influência das marés, localizada na faixa de 33 metros, é considerada terreno de marinha. Apesar do nome, as terras não têm relação com a força armada Marinha. Os territórios são determinados por estudos técnicos.Caso o texto seja aprovado e promulgado, as faixas litorâneas poderão ser transferidas gratuitamente para estados e municípios ou vendidas a ocupantes privados mediante pagamento. Assim, a União não poderá mais cobrar a taxa de ocupação dessas áreas e o chamado laudêmio (taxa patrimonial da União, que deve ser paga ao proprietário do terreno quando se vende ou transfere um imóvel em área de marinha).O relator da matéria na CCJ do Senado, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), argumenta que a União não demarcou todos os terrenos de marinha e que muitos proprietários foram surpreendidos pela demarcação, apesar de terem imóveis devidamente registrados.“Não nos parece justo que o cidadão diligente, de boa-fé, que adquiriu imóvel devidamente registrado e, por vezes, localizado a algumas ruas de distância do mar, perca sua propriedade após vários anos em razão de um processo lento de demarcação. O fato é que o instituto terreno de marinha, da forma que atualmente é disciplinado pelo nosso ordenamento, causa inúmeras inseguranças jurídicas quanto à propriedade de edificações”, defende.De acordo com o relator da PEC na Câmara, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), a proposta diz que “todo o interesse público nacional será preservado” e que “a União pode preservar todas as áreas em que ela tiver interesse”.“Nós não estamos fazendo nenhuma interferência nisso, não estamos oportunizando nenhum negócio imobiliário a quem quer que seja, não estamos autorizando a privatização de praia alguma”, frisa.“As áreas, quando forem passadas, não serão passadas para o município. A área, que está em domínio da União, será paga para a União, é a União que venderá, não haverá comercialização pelos municípios. Nós apenas vamos garantir na PEC o direito de o cidadão, que usa de maneira permanente, em área consolidada, pagar aquilo que é da sua propriedade, na forma de pagamento que for estabelecida, e, então, ter direito à escritura pública e ao registro”, completa o deputado.Em entrevista à RECORD News, o economista e advogado especialista em direito ambiental Alessandro Azzoni afirmou que o projeto é inconstitucional e flexibiliza ainda mais as leis ambientais brasileiras, o que poderia causar tragédias como a do Rio Grande do Sul. Além disso, ambientalistas temem pela criação de praias privadas e a ameaça à biodiversidade do Brasil.A senadora Leila Barros (PDT-DF) afirmou, em audiência pública, que “a manutenção dos terrenos de marinha sob domínio e regra da União é crucial para proteger os ecossistemas costeiros e marinhos, que desempenham papel vital na absorção de carbono, na proteção da linha de costa e na estabilização das margens, contribuindo para a resiliência costeira diante dos impactos das mudanças climáticas”.Segundo ela, “a transferência de propriedade dos terrenos de marinha pode aumentar os riscos de erosão e inundações nas áreas costeiras, que já sofrem efeitos diversos em diversos pontos do litoral”.“A perda desses terrenos de marinha para propriedades privadas tende a aumentar as suas ameaças por eventuais flexibilizações ou afrouxamentos de regras federais, limitando, assim, a capacidade de resposta aos eventos extremos e à ocorrência de inundações, que é a maior preocupação. A manutenção dessas áreas como patrimônio público é fundamental para garantir o acesso equitativo à costa e a preservação das praias e ecossistemas naturais como um bem comum”, destacou.A PEC foi aprovada pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022, mas enfrentou oposição de integrantes do governo do então presidente Jair Bolsonaro. O impacto financeiro da PEC é significativo, exigindo que os proprietários paguem 17% do valor de seus bens localizados à beira-mar em até dois anos.